Capítulo Oitavo

AS MULHERES E O PODER

 

É costume, no Interior, as moças da Comunidade não se casarem cedo.
Hermann Hesse
THE GLASS BEAD GAME

A Natureza deu às mulheres tanto poder, que a Lei foi sábia em lhes dar tão pouco.
Samuel Johnson

 

À primeira vista, o maior grupo visível de pessoas que "não têm" (poder) são as mulheres. Não é tanto o caso de as mulheres não terem poder - de vários pontos de vista elas o têm, e muitas principiam a assumir posições de poder que, até recentemente, eram tradicionalmente masculinas - é, principalmente, o caso de os símbolos e a mitologia do poder serem predominantemente orientados no sentido do homem.

Nossa mais dominante imagem do poder é o presidente, um homem rodeado de homens, num mundo orientado no sentido masculino, sustentado pelos artefatos e pelas ratoeiras de uma sociedade e de uma tecnologia masculina - soldados, muitos aviões a jato, polícia secreta, helicópteros...

A principal razão pela qual as mulheres acham difícil entrar no mundo do poder não é tanto o fato de os homens as impedirem, como o fato de o poder ser considerado como algo essencialmente masculino. Os rituais do poder são os de um grupo de homens entregues a trabalho árduo e, por mais bem sucedida que uma mulher possa ser, é-lhe difícil projetar a imagem de um grau de poder correspondente ao seu sucesso. "Os poderosos", na palavra de uma executiva, "tendem a se apresentar como figuras paternais. Sua posição perante a vida é patriarcal, como a de um pai exigente, difícil, austero, que pode premiar ou punir como lhe aprouver. Temos na nossa agência um novo executivo, homem muito poderoso, que não deve ter mais de 35 anos de idade. Da primeira vez que nos reuniu a todos, tirou os óculos e disse: "Bem, crianças, vamos passar em revista a situação". Havia pessoas ali sentadas, com quarenta e cinqüenta anos, mas ninguém pareceu notar o absurdo da situação. Ele era a pessoa com o poder e nós éramos as crianças, para sermos julgadas, premiadas, amadas ou punidas. Ele era exatamente o que todos esperávamos que fosse: uma figura poderosa, um pai dominador, a quem é difícil agradar. Em seu lugar, qualquer mulher teria que exibir uma extraordinária presença física para impor seu poder e autoridade com a facilidade e a rapidez dele e teria que encontrar um estilo próprio para levar a coisa a cabo com sucesso. A maioria das mulheres de sucesso que eu conheço ou tentam encantar ou amolar, porque não descobriram o tom autêntico do poder."

O problema reside parcialmente no fato de ser do homem a "voz autêntica do poder" que estamos habituados a escutar. Desde a infância, em todos os níveis, o símbolo supremo da autoridade é normalmente um homem, de um jeito ou de outro; o presidente dos Estados Unidos é um homem, a maioria dos juizes são homens, quando pensamos em polícia imaginamos homens, até nas escolas em que ensinam mulheres a probabilidade é que o diretor seja um homem; mesmo aquela popular figura do poder na cultura popular - o chefe da Máfia - não apenas é padrinho, mas pai. Para onde quer que olhemos, como diz uma mulher, o homem "tem as chaves", tanto figurativamente como literalmente. Nos Bancos, uma mulher pode dar autorização para se ir a um cofre alugado, mas a pessoa atrás das grades, que deixa a gente entrar para o abrir, é um homem de traje escuro, com um molho de chaves: ele tem autoridade simbólica, como todos os porteiros, guardas de segurança, condutores de trens e a maioria das demais figuras uniformizadas. Durante as sessões televisadas do comitê Ervin sobre Watergate, os estrangeiros poderiam supor que as mulheres americanas ainda eram prisioneiras do círculo de Kinder, Kirche e Kuche, tão cuidadosamente estiveram ausentes de ambos os lados. Todas as austeras figuras de autoridade eram homens, os advogados eram homens em sua maioria, e as testemunhas citadas, desde assaltantes cubanos até assessores presidenciais e antigos membros do gabinete, eram homens. Os rostos de poder e autoridade que diariamente apareciam na tela da televisão, quer como interrogadores quer como delinqüentes, eram homens de um homem. E isto é verdadeiro, em todos os níveis de nossa vida nacional. Os juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos são homens, os governadores são homens, as grandes empresas são geridas por homens e, embora os negros tenham principiado a desempenhar funções de prefeitos, poucas mulheres ainda o conseguiram. Apesar de o presidente do Washington Post ser uma mulher, Mrs. Katherine Graham (seu pai comprou o Post e, até morrer, o marido dela foi o editor); e apesar de Mrs. Dorothy Chandler ser uma executiva da Los Angeles Times Mirror Co. (que pertence à sua família), os jornais da América são controlados por homens e a maioria dos comentaristas políticos são homens. Por isso, não surpreende que, de entre cerca de 1.300 companhias obrigadas pela Securities and Exchange Commission a aceitar eleições por procuração, existem 6.500 diretores ganhando mais de 30.000 dólares e apenas onze entre eles - exatamente onze - sejam mulheres!(2)

Nestas circunstâncias, a probabilidade de se ter que lidar com mulher, no decurso de uma carreira, é ainda muito pequena, embora, evidentemente, esteja aumentando a níveis mais baixos de poder em certas indústrias e profissões. No alto da pirâmide, os homens continuam a deter o poder, e seu conceito de poder e modos de o simbolizar continuam determinando a noção que a maioria das pessoas abaixo deles têm do próprio poder. Uma vice-presidente bem sucedida disse-me uma vez: "A coisa contra a qual tenho que lutar mais duramente é o fato de as pessoas imaginarem que o real poder e a real autoridade do meu cargo não estão nas minhas mãos. Eu obtive o lugar, desempenho-o bem, tomo as decisões, mas, porque sou mulher, os homens pensam: 'Sim, ela é vice-presidente e tudo mais, mas provavelmente dá contas a algum cara que é quem decide mesmo'. E os caras acima de mim também pensam isso: na verdade, acreditam que são os responsáveis por tudo que eu tenho feito. Eu tomo muitas decisões delicadas, em que reflito e que eu própria executo, e fico com a impressão de ser muito respeitada por isso. Mas os homens continuam tendo a impressão de que são eles que estão em contato com o poder. Quando tomo uma decisão, eles acenam que sim com a cabeça e aceitam - que remédio têm eles? Mas querem que outro homem lhes confirme a decisão, dentro de uma situação de poder que eles entendam: numa confrontação "de homem para homem". Naquilo que lhes chega por essa via, eles acreditam. Mas do que eu lhes digo, seja Sim ou Não, não ficam muitos certos."

As mulheres defrontam-se, a cada passo, com pedidos para que "revejam", "discutam" ou "finalizem" as suas decisões. Os homens chegam a extremos para inventarem estruturas de poder essencialmente destinadas a privarem as mulheres bem sucedidas da sua autonomia. Em qualquer organização em que haja uma executiva obtendo sucesso, proliferam magicamente os comitês, as reuniões e as "estruturas de revisão de decisões", como se a hierarquia masculina do poder armasse espontâneas defesas para se proteger. Fazem-se, por exemplo, esforços enormes para privar as executivas do direito de estabelecerem os salários dos que trabalham em seus departamentos, porque o poder de dar aumentos é essencial para que qualquer executivo controle firmemente um departamento. Um homem que tenha abaixo dele uma mulher chefe de departamento, por certo lhe proporcionará momentos terrivelmente difíceis quando se aproximar o fim do ano e for ocasião de tratar de aumentos, ou, pior ainda, quando ele principiar a convocar membros do departamento dela, para falar de dinheiro enquanto ela está ausente. O que importa é minar o prestígio dela, sugerindo à sua equipe que os aumentos e as promoções são controlados de outra origem - por um homem. Num microcosmo isto faz parte do jogo básico do chauvinismo machista contra as mulheres que trabalham e destina-se a sugerir que tudo que seja "sério" deve ser tratado por um homem, especialmente questões de dinheiro - como norma, questões "sérias" são aquelas que se resolvem em um nível imediatamente superior ao da mulher mais bem sucedida em qualquer organização. Tudo aquilo que mulher não pode resolver por si mesma, ou está proibida de decidir, é "sério", por definição. Assim, quando uma mulher está dirigindo um departamento que envolve anualmente milhões de dólares, e tem o direito de tomar decisões sobre contratos do valor de seis algarismos, esses assuntos se tornam automaticamente "sem importância" na rotina do dia-a-dia, enquanto coisas com que ela não tem que ver, como salários, embarques, ou faturamento, por exemplo, se tornam graves e ponderáveis assuntos da mais alta importância. Qualquer função que mulher exerça desce de categoria, desde que ela prove que é capaz de a desempenhar. Se uma mulher fosse eleita presidente e escolhesse um vice-presidente masculino, todos íamos ver, sem dúvida, a vice-presidência transformada numa posição de séria responsabilidade e de poder, enquanto a presidência desceria de categoria, até que presidente e vice-presidente pudessem ser tratados como um time de iguais.

São muitos os meios pelos quais os homens tendem a exercer o controle, mas o desejo de o fazer é constante e quase instintivo. Veja-se o caso dos comitês: no momento em que uma mulher é designada para um deles, há uma tendência natural para se diminuir a importância de tal comitê e para transferir as suas funções executivas, sejam elas quais forem, para um novo comitê menor, em que, por acaso, não exista mulher alguma. Isso explica por que a nomeação de uma mulher para um comitê - por mais que seja saudada como um triunfo - é seguida pela chegada de várias outras mulheres. Não é um ato de igualdade de sexos que está sendo praticado - longe disso: os homens que dirigem o comitê o estão simplesmente abandonando às mulheres e o estão substituindo por outro, mais exclusivo. Trata-se de um procedimento comum, com muitas variações. Imaginemos que tenhamos um comitê de oito pessoas destinado a "desenvolver objetivos a longo prazo". O comitê tem um presidente um secretário e um vice-presidente, e os três formam, naturalmente, um grupo íntimo de poder, controlando efetivamente o comitê através do estabelecimento da agenda e da preparação das minutas.

Um comitê de oito pessoas para planejamento, com um grupo homogêneo de três, sendo aumentado com uma mulher como membro.

Imaginemos ainda que se torne necessário juntar uma mulher ao comitê, ou para provar que a organização não é discriminatoriamente anti-feminista, ou simplesmente para acomodar uma mulher bem sucedida, que deseja um lugar nesse comitê. Temos agora um comitê de nove pessoas, dirigido pelas mesmas três. Esse trio mantém ainda o controle, mas, a seus olhos, ele não é mais um grupo considerável de poder, uma vez que há mulher ali introduzida. Sua solução será simples e natural: já que certamente outras mulheres gostariam de entrar no comitê, o grupo do poder decide juntar ao comitê mais quatro membros - três mulheres e um homem.

O comitê foi "democratizado", mas é possível alegar agora que ele é demasiado grande para funcionar com eficiência na tomada de decisões ou formulação de recomendações. Então, o grupo íntimo do poder reforma-se, talvez principiando de um modo informal, com a intenção de se tornar um comitê executivo. Os três homens argumentarão, racionalmente, que um pequeno grupo é sempre mais eficiente, tomando o cuidado de não darem a entender que tinham a intenção de diluir o comitê original. Estão agora em liberdade para transformar o comitê original, ampliado, num "grupo consultivo", permitindo a uma quantidade de pessoas se juntarem (o que, incidentalmente, representa uma oportunidade de pagar velhas dívidas) "para baterem papo". Super-dimensionado e reduzido à impotência para o desempenho de funções consultivas, o comitê se afundará por si mesmo - as reuniões se tomarão mais raras, os membros mais ocupados faltarão, e se torna fácil fazê-lo desaparecer na obscuridade. Esta tática é repetitiva: se algum dia se tornar necessário juntar uma mulher ao novo "comitê executivo", também ele se expandirá, tornando-se demasiado grande para desempenhar qualquer função útil e decisiva; e o grupo íntimo do poder uma vez mais o abandonará ao seu destino e recomeçará os trabalhos, com o mesmo time de três homens, sob uma nova designação.

"Tenho visto isso acontecer a cada passo", disse Jane Shields, executiva de uma grande revista, que tinha subido à vice-presidência de uma corporação pouco propensa a dar títulos a mulheres. "Isto por aqui é uma espécie de Totentanz. Os grandes problemas são do gênero de saber se as pesquisadoras devem ou não atender o telefone; isso é coisa simples em si mesma, mas se torna complicada quando se trata de moças, que não querem ser confundidas com secretárias. Todo mundo está disposto a falar dos 'problemas das mulheres' de vinte e dois anos de idade, mas, quando se trata de lhes conferir poder autêntico - esquece! Tínhamos um comitê executivo que era muito importante e, quando eu ascendi à minha vice-presidência, quis fazer parte dele. O caso é que nunca tinha havido ali mulher alguma, mas a vice-presidente que eu estava substituindo tinha sido membro desse comitê, portanto havia um precedente. Primeiro me disseram que eu não podia entrar porque alguns dos membros masculinos se sentiriam embaraçados discutindo importantes questões financeiras diante de uma mulher! Eu os mandei para o inferno! Então, eles me explicaram que as reuniões se realizavam numa sala privada de um clube que não deixa entrar mulheres na hora do almoço. Opus-me também a esse argumento, e as reuniões foram transferidas para uma sala do andar de cima, que não era tão luxuosa, mas que se danasse o luxo.

"Então, de repente, o comitê principiou a se alargar, cada vez mais. Ampliaram-no de tal modo, que deixou de constituir distinção pertencer a ele e mudamos para uma sala de conferências, já que éramos muitos; e mandava-se trazer comida, o que bagunçava o ambiente e dava aos homens oportunidade de deixarem as mulheres executar funções domésticas e se preocuparem com o sanduíche que deveria ser de cada um. Quando o comitê tinha chegado ao caos, os membros originais estavam principiando a se reunir novamente sozinhos no seu velho clube particular, enquanto todas as mulheres que tinham querido ser membros se sentavam na sala de conferências conosco. Quer dizer: quando eu entrei para o comitê, os homens o afundaram, deixando entrar todo mundo. Ainda por cima, ficaram posteriormente dizendo que não se podia esperar outra coisa quando se admitiam mulheres em entidades dessa natureza!"

Jane, uma bonita mulher no fim da casa dos quarenta, abana a cabeça e acende um cigarro, batendo impacientemente a ponta dele nas costas da mão, num gesto de identificação masculina da década de 4O, que ela deve ter adquirido em algum lugar ao longo de sua carreira, juntamente com um acendedor Zippo cinza-escuro. É uma dama obstinada e experiente, que levou muito tempo para passar de uma mesa de secretária, no vestíbulo, para o seu gabinete com vista para Manhattan, de paredes amarelo-claro, um grosso carpete vermelho e três telefones amarelos. Dirige um departamento econômico e poupa cada tostão, mesmo sabendo que os homens do degrau inferior da escada tiram partido disso contra ela, descrevendo-a como "dona de casa pechinchadeira, econizadora de tostões, que prefere poupar um centavo a ganhar um dólar". Jane não pôde evitar isso. Ganha a sua vida desde os dezoito anos, durante muito tempo com um salário baixo - salário de mulher. Atitudes de gastadora não são com ela, nem jamais serão. Como a maioria das mulheres que obtiveram sucesso, aprendeu a desempenhar o seu cargo com suprema perfeição, mas ainda sabe muito pouco a respeito do poder e nunca chegou a compreender muito bem por que acaba sempre sendo controlada por homens, que trabalham metade do que ela trabalha e ganham o dobro do que ela ganha. Comitês, reuniões, tirar partido de cada minuto, o processo delicado dos "almoços-bomba" em que se formam novas alianças de poder - todas essas coisas a aborrecem; tudo que quer é ir desempenhando o seu cargo e que a deixem em paz, sendo paga e respeitada por trabalho bem feito. "Todos eles andam jogando às escondidas no andar lá de cima", diz Jane, apontando um dedo para o teto. "Eu não jogo, eu trabalho."

Infelizmente, para ela, jogar é tão importante quanto trabalhar. Os homens foram treinados para entender isso; aprenderam-no nos times de esporte, no exército, na escola.

Faz parte da sua estrutura mental. É natural neles uma certa consciência de poder, se é que têm alguma inteligência e alguma ambição. Alguns deles cometem o erro de supor que o poder basta, que não é preciso trabalhar; mas a maioria, em algum lugar ao longo do seu caminho, aprendeu a viver com poder. E, a partir do momento em que pensam no poder como prerrogativa masculina, são contra as mulheres as partidas mais agressivas que jogam.

Tais jogos são, por vezes, verdadeiramente muito sutis e não consistem em nada mais que o uso adequado do sexo no momento oportuno. Os jogadores perfeitos podem facilmente derrubar e lisonjear uma mulher ao mesmo tempo, e as modalidades de relacionamento aparentadas com o sexo constituem uma tática fundamental em toda uma série de complexos jogos do poder, que nada têm a ver com sexo. O flerte, a lisonja, a sedução indireta - tudo isso pode ser transformado numa técnica de controle.

Na vida do escritório, tudo isso tem uma função específica: estabelece uma sensação de intimidade que, por sua própria natureza, se torna conspiratória. Por isso, as manifestações de natureza sexual, nos jogos do poder dentro do escritório, são geralmente jogadas de baixo para cima, organizacionalmente falando, e podem mesmo ser usadas pelas mulheres contra os homens. Vejamos como se realiza uma reunião que foi convocada para permitir a um executivo sênior dar uma injeção de ânimo no seu pessoal, por causa de um fracasso havido em certos detalhes contratuais. Dez pessoas se colocam em volta da mesa dele, em variadas posições de desconforto, visto não haver lugar para todas se sentarem e algumas das cadeiras terem sido automaticamente ocupadas (machismo chauvinista, naturalmente) pelos membros masculinos mais antigos, os quais, sentando-se confortavelmente numa cadeira, tão perto da mesa quanto possível, com os pés firmemente apoiados no chão, darão a impressão de pertencerem à administração - quer dizer: parecerão fazer parte de um subgrupo em nome do qual o executivo sênior apenas vai falar; não parecerão fazer parte do grupo maior que foi convocado para receber uma crítica e ser mandado correr atrás da bola. Por esse motivo, todos usarão seus casacos e estarão reflexivamente fumando seus cachimbos, ansiosos por fazerem crer que já sabem o que vai ser dito e estão de pleno acordo. As quatro mulheres presentes estão de pé, ou encostam-se à serpentina do aquecedor, junto da janela. O executivo sênior faz um rápido telefonema, para mostrar que tem coisas mais importantes a fazer do que falar ao seu pessoal, e que pode fazer o pessoal esperar quando lhe apetecer, mas, enquanto telefona, faz sinais para os presentes, indicando que é um deles e que eles deverão compreender como o seu tempo é solicitado e serem simpáticos, mesmo quando ele esteja para os mastigar e cuspir fora.

Quando pousa o telefone, vai direto ao seu assunto: "Ouçam", diz ele, "não há justificação para que estes formulários não tenham sido preenchidos a tempo. Eu vou passar a controlar cada gesto que vocês vão fazer, um por um, e daqui por diante a coisa vai ser feita, e bem. Compreenderam?" Olha duro para os homens sentados junto da sua mesa, para mostrar que também eles estão incluídos (o que muito os penaliza) e depois olha para as mulheres que estão de pé junto à janela, todas as quais fitam os olhos no chão, menos uma. Essa retribui firmemente o olhar do executivo, com uma atenção extática, depois ocupa os dedos mexendo numa corrente de ouro que tem em volta do pescoço, como se a corrente se agitasse a cada palavra, admirando a comunicação. Sendo homem, ele não pode deixar de notar e, à medida que se embrenha no assunto, vai ocasionalmente jogando um olhar para ela, até que, mais ou menos instintivamente, faz o seu sinal de interesse sexual através do gesto de tirar os óculos e morder a ponta de uma das hastes (uma exibição obviamente oral). Estabeleceu-se assim uma ligação tácita, uma espécie de comunicação secreta e não demorará muito até que o executivo tenha voltado o seu ataque contra os homens sentados à sua frente, jogando sobre eles a culpa, a ameaça e o desprezo, com grande surpresa dos ditos homens, que não podem imaginar que o seu carrasco está agora fazendo o jogo de alguém mais. Na realidade, ele foi desviado do ataque ao grupo como um todo e do objetivo fundamental de resolver o problema em pauta, para dar um show de poder sem significado.

Quando manejado por um jogador experimentado, o sinal sexual pode ser muito eficiente no jogo do poder, tendo ainda a enorme vantagem de não ter que ser levado adiante. É ponto pacífico que nenhuma das partes é obrigada a passar de um sinal para um caso - o sinal serve apenas para criar uma sensação momentânea de intimidade e compreensão, desviando assim para outrem um ataque ou um trabalho inoportuno.

Na maioria dos casos, quando a mulher usa de sinais sexuais, eles são arma de defesa; quando são os homens que os usam, eles se tornam armas de ataque. Mais ainda: a maioria dos homens espera que as mulheres usem o sexo como arma; isso faz parte de sua inveterada desconfiança pelas mulheres em geral. Não se espera que um homem jogue o que é normalmente considerado um jogo "feminino", e por isso, quando ele o faz, fica com a vantagem da surpresa. Aliás, isso é difícil: um homem pode facilmente se tornar uma figura paternal (transformando a mulher com quem fala em filha substituta), ou uma figura marital (o que lhe dá o direito, embora aparente mas não real, de autoridade íntima), ou de amante (papel em que ele tentará substituir benefícios tangíveis por encanto, afeto e compreensão). O importante é estabelecer uma das formas sociais de relacionamento macho/fêmea, como base para um relacionamento de negócios, ou profissional. É por isso que os homens flertam escandalosamente com as secretárias, para que se torne difícil elas pedirem um aumento ou se recusarem a fazer um trabalho de que não gostam. Eles mostram interesse "paternal" pelo trabalho de uma mulher executiva, para poderem, na hipótese de um desentendimento, dispor da vantagem da autoridade paternal. Basta levar a mulher a encarar as suas funções na organização como equivalentes às suas funções no mundo cá de fora. A mulher que se põe em pé perante um marido dominador pode vir a descobrir muito breve que tem outro patrão; a mulher que deseja proteção, amor e adulação, logo terá tudo isso dos homens com quem trabalha, à custa de aumentos, títulos e poder. Os homens são adeptos de forçar as mulheres a se tornarem estereótipos.

Consideremos um exemplo: um brilhante consultor de assuntos financeiros é convidado para uma reunião por um executivo moço muito vivaz, que pretende se livrar do consultor para proceder mais livremente dentro da companhia. Há várias pessoas em volta da mesa, e entre elas uma moça muito atraente. O consultor dá a sua opinião acerca do primeiro item da agenda e o executivo não faz comentários. Nenhum dos outros homens, obviamente, também faz comentários, pois ninguém deseja mostrar sua falta de idéias originais nem se comprometer antes de avaliar as possibilidades de saber quem virá a ser o vencedor naquele caso particular de jogo do poder. No segundo item, o consultor explica o seu ponto de vista e o executivo volta-se para a moça e pergunta-lhe o que é que ela pensa. Ao mesmo tempo, vai tirando displicentemente um cigarro do maço da moça, acende-o com isqueiro dela, devolvendo depois o isqueiro naturalmente e olhando firme para ela, intencionalmente, enquanto solta a fumaça pelas narinas. Um sinal! Mas o sinal sexual não é o mais importante (embora seja conveniente notar que pedir objetos emprestados, especialmente quando eles tenham significado oral, é muitas vezes uma exibição destinada a sugerir futura intimidade).

No nosso caso, sendo o chauvinismo machista o que é nos círculos administrativos, o brilhante consultor estava sendo derrubado: estavam lhe mostrando que, aos olhos de um executivo, o ponto de vista de uma moça conta tanto quanto o dele, o que o levava a perder status entre os outros homens; ao mesmo tempo, o consultor não podia se furtar ao pensamento de que, se havia algo de sexual ou de emocional entre o executivo e a moça, seria preferível não entrar em discussão acirrada com ela. Seria suficiente colocar-se em posição maleável, que é tudo que é necessário, e reduzir uma discussão efetiva e dura de idéias entre dois oponentes a uma discussão confusa e polida, que posteriormente pode ser usada pelo jovem executivo para argumentar que o consultor é fugidio, que não tem mais idéias definidas ou não as apresenta de modo imperativo. Note-se que a moça nem precisa saber o que aconteceu. Uma grande parte dos jogos do poder sexual são jogados entre homens, sem que as mulheres nem sequer imaginem que fazem parte do jogo, que estão realmente sendo usadas. São muitos os exemplos como este. É muito eficaz para um homem trazer de fora uma moça para fazer uma palestra, e dar a entender por uma série de pequenas atenções e pelo ar de familiaridade, que existe alguma espécie de ligação entre ambos. Se a palestra faz sucesso, pensar-se-á que ele permitiu que ela a fizesse porque tem um caso com ela; e, como todo homem compreende essas coisas, ele pode até ficar com o crédito pelo sucesso. Além disso, quanto mais ele insistir em atribuir o sucesso à moça, tanto mais os outros homens imaginarão que as idéias eram dele e tanto mais o respeitarão por ser generoso para com uma mulher com quem está envolvido. Um sujeito que eu conheço foi recentemente a uma reunião, para apresentar a um grupo de executivos masculinos um esquema gráfico de uma campanha de publicidade, e levou consigo a moça que na realidade tinha tido a idéia e feito o trabalho. À entrada na sala, ele colocou naturalmente o braço em volta dos ombros dela e disse: "Senhores, esta é Jane. Eu vou deixá-la apresentar este projeto aos senhores, e quero que saibam que é da autoria dela e que é genial". Cada um dos homens, automaticamente, imaginou que o gesto de intimidade (o braço em volta dos ombros) indicava uma relação muito íntima entre eles e daí concluiu que o projeto era realmente do amigo da moça.

Note-se que, se o projeto não tivesse agradado, o homem já teria estabelecido um álibi para si mesmo - o trabalho era dela, não dele, e ele poderia até juntar o seu voto ao da rejeição dos executivos, murmurando, por exemplo, para um deles: "Claro, eu estou vendo que vocês têm razão e eu próprio tinha as minhas dúvidas a respeito, mas pretendia dar uma chance a ela, o sr. sabe como são as coisas com mulheres. Que diabo, a gente pode sempre tentar outra coisa..."

Este jogo de a gente se munir com um bode expiatório (ou uma cabra expiatória) é muito popular no chamado negócio de "criatividade". Ele ilustra bem um dos sistemas usados pelos homens para evitar a competição das mulheres, tornando-as cúmplices. As feministas radicais estão certas quando questionam a finalidade da tradicional cortesia homem/mulher, em situações de trabalho. A mulher faria bem em estar precavida quando um homem que é seu colega de qualquer nível se desvia do seu caminho para lhe gabar o vestido, admirar a aparência, lhe abrir a porta ou fazer questão de lhe acender o cigarro. Muitos homens se valem dessas pequenas cortesias para dar a entender aos seus colegas masculinos e a si próprios que a pessoa com quem estão tratando é de uma categoria à parte - assim, a deferência para com uma mulher torna-se um meio de a excluir do grupo. Isto é particularmente verdadeiro nas grandes reuniões. Os homens estão todos sentados lá, em mangas de camisa, tratando com dureza de um assunto, seja ele qual for. Entra uma mulher, e eles se levantam, chegam uma cadeira para ela, alguém lhe acende o cigarro: parece delicadeza, ninguém pode acusar os homens de a estarem excluindo - pelo contrário, eles se comportam com perfeita cortesia, fizeram corretamente todos os gestos sócio-sexuais, mas na verdade a segregaram, apesar de tudo.

Ainda hoje se vêem por aí as mais extremadas formas desta espécie de bota-abaixo, apesar da libertação das mulheres. Eu tenho visto homens se aproximarem e encostarem com jeito a palma da mão no cabelo de uma mulher, pretendendo significar concordância ou aprovação, ou colocar-lhe o braço em volta, à entrada para uma reunião ou para um restaurante, como para lhe mostrar que não há nada a temer; tenho até mesmo visto dar pancadinhas no queixo dela. Se esses sinais sexuais se destinassem a levar à intimidade, não se poderia razoavelmente objetar contra eles; mas o seu objetivo na vida de trabalho é muito mais provavelmente reduzir a importância da mulher aos olhos dos homens, dando a entender que existe uma função protetora do homem em relação à mulher e que as velhas diferenças fisiológicas transcendem o emprego. Uma sensata maneira prática de proceder seria perguntar se um homem tomaria semelhantes atitudes de intimidade com outro homem, na mesma situação - ele bateria nas costas de um colega masculino para significar aprovação? Apertar-lhe-ia a mão para significar concordância? Regra geral, a resposta é Não. Os gestos de intimidade física são muito raros de homem para homem no trabalho, o que não quer dizer que também eles os não tenham - a questão é que tais gestos são considerados muito mais apropriados no campo do esporte, em reuniões sociais e nos bares, onde o contato físico entre homens estabelece uma espécie de solidariedade e, portanto, de igualdade. No trabalho, esta espécie de familiaridade física apenas se usa para pôr em destaque que o sujeito tocado é um subordinado.

Um vice-presidente pode tirar partido de espetar brincalhonamente o dedo no peito de um homem, mas na realidade está apenas apontando que o superior é ele, que pode tocar na figura do outro sem ser tocado por sua vez, Um executivo sênior pode colocar o braço em volta dos ombros de um colega, para demonstrar aprovação, mas o subordinado dificilmente poderia fazer a mesma coisa. Tais gestos ou são patronais ou são ameaçadores, e o grande mestre deles foi Lyndon B. Johnson, que costumava apertar os joelhos dos seus subordinados, dar-lhes socos, espetar o dedo no estômago deles e, de modo geral, usar de todos os meios físicos para mostrar quem tinha o poder.

É óbvio que muitas mulheres retrucam com seu próprio jogo de sinais-sexo. Em certas indústrias e negócios, elas dispõem de grande poder e o usam implacavelmente. Lembro-me perfeitamente da editora de uma grande revista, que tinha desenvolvido, ao longo dos anos, uma autoridade e uma capacidade de comando dignas de um papa Bórgia. Seu gabinete tinha sido desenhado para sobressaltar os homens - para fazer que eles se sentissem como se tivessem entrado no banheiro das mulheres, por engano, com suas braguilhas abertas. O carpete era imitação de pele de leopardo; as paredes eram cobertas de papel brilhante com desenho de flores; havia grandes jarras de lírios sobre todas as mesas de Parson; e as próprias mesas eram cobertas de pele de cobra. Não havia mesa de trabalho - apenas uma grande mesa redonda de jardim, confeccionada em palha e vidro, e todas as cadeiras eram pequenos objetos delicados de bambu e veludo limão, a espécie de coisa em que a maioria dos homens se senta tremendo, com medo de as quebrar com o seu peso. Como era uma dona de pequena estatura, tinha mandado cortar toda a mobília para adequar ao seu tamanho, fato que não se tornava notado a qualquer um que entrasse no gabinete, mas que conseguia dar a um homem de um metro e setenta a sensação alucinante de estar fora de escala, como se tivesse subitamente se transformado num desajeitado e grotesco gigante, por efeito de uma varinha de condão. Como não fumava, ela não tinha cinzeiros no gabinete, de modo que o visitante que acendesse um cigarro se veria na situação aflitiva de procurar por toda a parte um lugar para colocação do fósforo e da cinza, enquanto a dona fingia não se dar pelo drama. Cada centímetro quadrado de espaço da mesa estava recoberto de quinquilharias: ovos de pássaro, conchas marinhas, vasilhas de cristal cheias de contas de vidro, porcelanas, animais empalhados, caixas de Battersea, flores secas embutidas em plástico, peixinhos de marfim entalhado nadando em lagos de jade, ícones, amostras de tecidos, pequenas rãs verdes esmaltadas (a sua marca registrada - tudo que ela possuía, sobre que escrevia ou oferecia era marcado com uma rãzinha) e pum peso de cristal. O único espaço para trabalhar era a área da mesa diretamente em frente da cadeira da dona.

Ambas as suas secretárias se sentavam dentro do gabinete, não do lado de fora, a mesas verde-limão, com máquinas de escrever IBM verde-limão (tinha sido dada uma demão especial de spray), com telefones verde-limão. Estavam sempre presentes, durante qualquer conferência ou reunião, o que se destinava a dar aos executivos masculinos a sensação de que Mrs. Lynch (era esse o seu nome de casamento então vigente) temia ser estuprada por eles e desejava ter duas testemunhas femininas em qualquer conversa ou entrevista, como as matronas que estão por perto durante o interrogatório policial de uma prisioneira. Em momentos de stress, Mrs. Lynch voltava-se para as secretárias e dizia, "Não creio que possamos fazer isso, vocês acham, meninas?": e as meninas respondiam em coro: "Não, Mrs. Lynch". Era o suficiente para congelar o sangue de qualquer homem, e muitos executivos masculinos se sentiam, em relação a uma entrevista com Mrs. Lynch, como um aristocrata francês deveria se sentir à perspectiva de um encontro com Mme. Defarge e as tricoteuses.

Como muitos editores de revista, Mrs. Lynch tinha limitado poder; seu controle da própria revista (e seu pessoal) era absoluto e ditatorial e, por isso mesmo, indiscutível. Por outro lado, ela tinha pouco ou nenhum poder na corporação proprietária da revista, que era inteiramente composta de homens bem relacionados, membros, sem exceção, do Clube Universitário, do Clube Metropolitano e do Coffee House. Por mais tirânica que pudesse ser sobre o layout da sua revista e seu conteúdo, Mrs. Lynch não passava de uma empregada da corporação, tal como as secretárias. Acima dela, havia uma corporação, com um comitê executivo, um comitê financeiro e um conselho de diretores, todos constituídos por homens cujos pais tinham compartilhado quartos em Groton e em Harvard. De modo geral, Mrs. Lynch se contentava em deixá-los entregues aos seus negócios, fossem quais fossem, e ir tocando o seu próprio emprego; não tinha ambições de subir para o andar executivo e gastar o seu dia aborrecendo-se com questões de ações e de preço do papel. Em todo caso, em raras ocasiões, os executivos da corporação aventuravam-se a entrar no domínio dela, com uma ou outra tímida sugestão, como um relatório mostrando quantos milhões de dólares por ano se poderiam economizar se se cortasse uma fração de polegada às amplas e elegantes margens das páginas; ou a sugestão,de que ficaria mais barato não reescrever todas as matérias depois de compostas; ou a ameaça definitiva de um anunciante que queria o seu nome mencionado num artigo especial como preço por uma campanha de um milhão de dólares. Mrs. Lynch permanecia indiferente a tais desafios - simplesmente insistia em que qualquer emissário do andar executivo deveria ir ao gabinete dela - e afinal nada mais havia do que delicadeza, uma vez que ela era mulher e viúva (dois de seus maridos tinham morrido).

A maior parte dos executivos achava difícil atravessar a entrada do gabinete dela e davam por si em pé, fora da porta, com uma desagradável sensação de culpa de estarem fora do seu lugar, como pessoas que tivessem tomado o elevador errado num magazine e tivessem ido parar, por acaso, no departamento de roupas íntimas de senhoras. Era fácil prometer que seriam firmes, mesmo duros, na atmosfera calma e colaboradora do andar executivo, onde as paredes eram cobertas de ilustrações esportivas; as cadeiras eram grandes, pesadas e estofadas em cabedal acolchoado; as mesas eram sólidas fortalezas masculinas de mogno e bronze. Aqui, no "fauverie" do covil de Mrs. Lynch, a história era diferente. O espírito de determinação se esvaía, à medida que eles iam caminhando através do carpete de pele de leopardo, procurando uma cadeira para sentarem, que não quebrasse com o peso, tentando não varrer com as mangas nenhum dos objetos de arte quebráveis. Como não havia onde colocar as pastas de papéis, eram obrigados a ficar com elas no colo, como vendedores de seguros. Se entravam decididamente, em tom agressivo, no assunto que os levava ali, as secretárias de Mrs. Lynch mexiam-se ruidosamente e tossiam; mas se abordavam o assunto delicadamente, Mrs. Lynch respondia com a decisão de um capitão de rebocador, fazendo-os perder as estribeiras.

De qualquer modo, ela tinha o dom de se exprimir em frases cheias de vivacidade e de dramatismo. Uma ocasião, mandou-me explorar a possibilidade de usar como modelo uma campeã de pára-quedismo; a idéia era fotografá-la em pleno ar, com vários modelos de roupa esportiva. Regressei de uma tarde desagradável de voltas e reviravoltas pelo céu em cima de Nova Jersey, duvidoso de que fosse praticável o lançamento de uma pára-quedista e de um fotógrafo, simultaneamente, do mesmo avião. Mas ainda acrescentei: a dama não tinha constituição física para modelar vestuário, quer no ar, quer no chão; tinha ombros e músculos de um instrutor de judô da marinha. Sabendo, porém, que Mrs. Lynch não gostava de "pessimismo", apressei o meu relatório com o comentário de que a pára-quedista me tinha informado, durante uma tarde que gastamos visitando as hospedarias de beira de estrada em Nova Jersey, que sempre tinha um orgasmo quando caía do céu. "Por que razão você pensa que isso acontece? ", perguntou Mrs. Lynch. Respondi que, em minha opinião, isso tinha algo a ver com a excitação de saltar, com o fato de que ela era empurrada do avião por um simpático mestre de saltos no vazio, com a velocidade da queda. O conjunto de tudo isso, raciocinei eu, constituía uma experiência muito freudiana. Mrs. Lynch pensou durante um momento e depois abanou com a cabeça. "Não", disse com firmeza, "é por causa da maneira como as tiras de suporte de pára-quedas lhe roçam entre as pernas, quando ela puxa o cordão para que o pára-quedas se abra."

Perante uma lógica e uma linguagem tão francas, os executivos seniores da corporação sentiram-se indefesos. Homens poderosos no seu andar, ficaram reduzidos à impotência no de Mrs. Lynch. Desde o momento em que entrava no gabinete dela, o único pensamento que tinham era sair de lá tão depressa quanto possível e voltar à segurança de seus próprios gabinetes, onde eram respeitados como executivos, como homens, como maridos e como pais. "Uma corja de invertebrados", dizia Mrs. Lynch, quando eles se retiravam derrotados, dos domínios dela; e tinha razão. Se eles tivessem podido forçá-la a ir ao andar deles, ela fatalmente ficaria sem poder.

Algumas mulheres tentam resolver a questão travando luta com os homens em base de mano a mano; se eles bancam o durão, elas se mostram mais duras que eles. A minha amiga Carla dirige o seu departamento numa grande rede de televisão, com força e energia, suando como um cavalo do exército, atirando com o telefone sobre o gancho depois de cada uma de suas curtas e incisivas conversas, e acendendo um cigarro com outro enquanto dita os memorandos cáusticos de termos fortes que a tornaram famosa na sua indústria. Carla recusa-se ostensivamente a receber as pequenas cortesias habitualmente concedidas às damas. Já antes do início do movimento de liberação das mulheres ela costumava empurrar os homens para o elevador à sua frente, como para provar que eles é que eram o sexo fraco. Não permitia que qualquer homem pagasse as suas refeições e foi a primeira mulher na companhia a usar maleta de executivo e máquina de ditar. Um executivo declarou, a esse propósito: "Eu sempre tinha pensado nas máquinas de ditar de um modo muito tradicional, como se elas fossem constituídas por unidades separadas, de sexo diferente. Sabe, a unidade masculina tem um microfone e a feminina um pequeno dispositivo que se adapta ao ouvido. Quando vi Carla ditando para a sua máquina, pegando naquele microfone, isso me chocou. Eu nunca tinha visto antes mulher usar uma coisa daquela e a cena não me pareceu natural. Acho que foi uma reação muito freudiana". Depois disso, Carla fez outra ainda melhor: tem um secretário (um homem), a quem dita e às vezes, quando há homens no seu gabinete, manda-o lá fora buscar café. Nada a detém. Quando um executivo sênior interrompeu uma discussão com ela dirigindo-se para o banheiro dos homens, Carla o seguiu e lá ficou de pé, falando, enquanto ele respondia ao chamado da natureza. "Não fiquei nem um pouco embaraçada", disse ela depois, "e, se ele ficou, problema dele. O homem não poderia me mostrar nada que eu não tivesse visto antes."

Não resta dúvida de que Carla é uma mulher poderosa, mas os meios pelos quais afirma e mantém seu poder são auto-limitativos. Ninguém pode lhe tirar o que ela conseguiu, mas ao mesmo tempo não há caminho para ela chegar
a algo melhor. Como a maioria das mulheres, ela joga na
defensiva - os jogos agressivos interessam-lhe menos. A sua famosa combatividade praticamente impossibilita que ela seja promovida para uma função que requeira supervisão hábil de vários departamentos e o sucesso que obtém no desempenho da função atual, uma vez que é mulher, dá aos homens um excelente pretexto para a manterem lá. Carla atingiu o nível mais elevado a que os seus jogos do poder a podiam guindar. Ficou encalhada.

Muitos dos jogos praticados pelas mulheres para segurarem o poder são assim limitativos e defensivos, o que explica a razão de tão poucas mulheres chegarem à cúpula, por mais talentosas e operosas que sejam. Talvez a principal razão seja a intensidade da luta que elas têm que travar no início de suas carreiras, para simplesmente se tomarem notadas; não há caminho fácil para elas conseguirem uma promoção; geralmente, partem de nível mais baixo do que os homens; ficam muito tempo em posições subordinadas; e têm que subir enfrentando maiores obstáculos. Sendo raramente bem-vindas aos círculos íntimos do poder, vêem-se obrigadas a forçar a entrada, o que leva os homens a lhes resistirem ainda mais. Principalmente, não dispõem de modelo de poder para seguirem. A maioria dos homens cedo aprende a imitar seus maiores em posições de poder, mas à mulher é difícil imitar os homens - é mesmo impraticável, em certos casos. Mulher usando uma saia dificilmente poderá colocar os pés em cima da mesa de alguém, ou entrar em conversa, no elevador, com o seu presidente, sobre as aventuras de pesca e façanhas de rugby de cada um. Num mundo em que os homens estão na cúpula, a mulher permanece uma estranha.

Muitas mulheres, naturalmente, se contentam com aceitar uma parcela limitada de poder e preservá-lo pelos seus meios. Uma boa amiga minha, por exemplo, é executiva numa organização de cinema - um mundo em que se travam violentas e impiedosas lutas pelo poder, nas quais as mulheres raramente desempenham algum papel, a não ser como atrizes. Rodeada de gente que pragueja, grita e passa os dias e as noites construindo impérios, ela permanece fria, calma e controlada, firmemente senhora, implacavelmente polida e bem falante. Nunca levanta a voz e raramente discute. Quando alguém se lhe opõe, ela repete serenamente o seu ponto de vista, sempre num tom comedido, deixando perfeitamente claro que, se necessário, se sentará ali e ficará explicando o que deseja, até o conseguir. Dona de uma boca grande, determinada e firme, e de uns olhos cinzentos azulados, desprovidos de qualquer malícia, é inamovível como um rochedo. Não é possível ser condescendente com ela, chocá-la, ameaçá-la ou vencê-la pela lisonja. Basta olhar aqueles olhos para se ter a certeza disso - mesmo que se tenha crescido dentro de uma empresa em que a lisonja, o grito, a choradeira e a amabilidade oriental são as normas do comportamento.

Uma parte de sua força provém do fato de ela aparecer sempre bem vestida, perfeitamente controlada, bem penteada, bem engomada - uma daquelas pessoas cujas roupas parece nunca se terem amarrotado com uma corrida de táxi em meados de agosto, nunca terem sido suadas, nunca terem pegado uma nódoa e nunca terem apanhado nem chuva. "E como se ela estivesse sempre usando um par de pequenas luvas brancas", queixava-se um homem. "Por mais zangado que eu esteja com ela, olho aquelas luvas brancas, e é como se estivesse falando com uma mocinha decidida e obstinada. Ela me faz lembrar a minha filha, Deus me perdoe: não consigo vencer uma discussão contra nenhuma das duas. Elas apenas me fitam pacientemente, e depois continuam dizendo o que querem, num tom de voz muito normal, como se tivessem que ser indulgentes comigo. Se ela viesse para mim com violências, eu poderia pô-la fora do meu gabinete, mas eu sei quando estou diante de uma parede de tijolo, e isso é o que ela é. E paciente! Cada vez que eu lhe digo Não acerca de alguma coisa, ela volta, e volta, sempre pálida, e me diz que eu não tenho razão. O diabo é que eu acabo admirando-a pela sua tenacidade, e estou perdido. Mostrem-me um homem que possa olhar firme, de cima para baixo, para uma mulher acostumada a proceder do seu jeito! Está dentro de nós. A gente se dá por vencido. É por isso que, agora, os melhores agentes são mulheres. A maioria dos homens está simplesmente programada para se darem por vencidos quando se trata de mulheres."

Talvez as mulheres dêem bons agentes - é certo que a grande maioria dos bons agentes literários são mulheres mas, se dão, não é exatamente porque os homens estão "programados para se darem por vencidos." Quando os homens realmente "se dão por vencidos", estão normalmente fazendo, conscientemente, algumas concessões sem importância, para protegerem seus maiores interesses. Muitas vezes os homens fingem uma retirada, quando na verdade estio apenas se colocando em novas posições. Quando fortemente pressionados, eles desistirão de dinheiro, títulos, grandes gabinetes, ajudas de custo - seja o que for, menos o poder. Enquanto um homem continuar com o direito de poder dizer a última palavra, ele desistirá de qualquer outra coisa com razoável satisfação, embora, evidentemente, não sem luta. Muitas mulheres, ansiosas por subirem e obterem sucesso, acabam ficando atoladas na luta pelas pequenas coisas que desejam e sabem que merecem. Assim, uma mulher que se tornou vice-presidente pode achar, sucessivamente, que o seu gabinete é menor do que os dos demais vice-presidentes, que precisa de autorização de alguém para ter o nome no papel timbrado da companhia, que a sua secretária ganha menos do que as secretárias de seus colegas (um modo muito simples de humilhar uma executiva), que seu nome continua sendo misteriosamente omitido em toda a espécie de convite e comunicações, que a notícia da sua promoção na imprensa especializada é invulgarmente curta e traz fotografia... Nenhuma destas coisas, sozinha, significa muito, mas o efeito cumulativo é levá-la a ter impressão de que sua promoção é menos valiosa do que a de um homem.

Mulher que luta por causa de cada uma destas pequenas injustiças pode vir a descobrir que suas energias estão sendo consumidas em sucessivas questiúnculas sem sentido, enquanto ela vai adquirindo reputação de resmungona e de rebelde. Ao mesmo tempo, um jogo muito mais sutil está sendo disputado em todo processo deste tipo - todas estas pequenas distinções estão sendo deliberadamente sopradas e se transformando em questões importantes. Quando se pensa nisso, chega-se à conclusão de que poucas pessoas se importam grandemente com o fato de seu nome estar ou não gravado no papel timbrado da firma, a não ser que alguém lhes tenha dito que elas têm direito a esse privilégio, ou descubram que têm que obter autorização para isso. Então, a coisa se torna importante, evidentemente, e uma insignificante questão de prestígio se transformou em assunto relevante.

Os homens em geral são peritos em armar estas ratoeiras às mulheres. Uma delas é promovida e isso, em principio, deveria torná-la feliz. Ela encomenda papel com o seu nome e o seu novo título. A secretária volta dizendo que o gerente não pode mandar executar a encomenda sem autorização de um executivo mais antigo - um homem, evidentemente. Furiosa, ela tem agora que se humilhar, obtendo a autorização dele. A beleza do jogo reside no fato de se tratar de uma questão trivial. Os homens podem tornar tão difícil quanto quiserem aquilo que ela pretende; depois, concedem, sem terem abdicado de nada importante. Ao mesmo tempo, podem alegar que é típico de mulher ficar tão aborrecida por uma coisa tão sem importância: "Por amor de Deus! Será que não temos problemas mais importantes a tratar do que botar o nome dela no cabeçalho do papel?"

Transformando pequenas questões de prestígio, de conforto e de tradição em confrontações mais sérias, os homens não apenas distraem a atenção das mulheres de problemas mais vastos de poder e de controle, mas ainda fabricam um enorme suprimento de pequenos privilégios, que poderão oferecer, quando for necessário, como se fossem grandes concessões. Você quer um apontador elétrico de lápis? Lute por ele, menina! Dez paus por semana para a sua secretária, para que ela ganhe o mesmo que as outras moças da ala executiva? Vamos falar nisso, balancetes de seis meses, corte de despesas, até que o rimel se acabe e sua secretária tenha ameaçado abandonar o emprego e ir por aí trabalhar como free-lancer!

Naturalmente, todas essas coisas, e muitas outras, serão eventualmente concedidas, mas não antes de ter havido luta por elas - e quantas concessões se pode pedir? Você quer um aumento? Já lhe demos um carpete novo e aumento para a secretária, não demos? Você quer fazer parte do conselho de diretores? Nós lhe permitimos que fosse para a convenção, depois de você nos ter aborrecido por causa disso, não foi?... E de qualquer modo, aqui entre nós homens, uma mulher que desperdiça todo o seu tempo tornando a vida da gente um inferno por causa de montes de titica de galinha como estes não é exatamente a espécie de voz de que nós precisamos num grupo que, por princípio, discute assuntos de política, a linha geral, de um modo razoável e cooperativo, não é assim? Fazer negócios não é uma arte de fazer concessões?

Apesar de tudo, há mulheres que aprenderam a utilizar este jogo em seu favor, por mais talento e perseverança que ele exija - e exige. Elas respondem a estas pequenas estocadas com o argumento direto de que não teriam que desperdiçar o tempo alheio com estas coisas triviais, se na realidade tivessem poder.

Cynthia Ransom, executiva de uma agência de propaganda de médio porte, levou esta tática até os mais extremos limites. Ela tem talento e trabalha duro; sem esses atributos, não faria nada mesmo, mas quantas mulheres que dão duro e têm talento conseguem poder? Muito poucas. Cynthia o tem. Ela trava uma guerra de nervos sem fim contra a administração e contra os executivos seniores masculinos, aparecendo cada semana e às vezes cada dia com um novo pedido, às vezes trivial, às vezes (muito raro) de mais importância. Sabe de antemão que a cada pedido deparará com uma reação de raiva, de dúvida, de rejeição. Tem o cuidado de pedir só aquilo que normalmente alguém (habitualmente um homem) já tem - sem nunca pisar em novo terreno. Se um homem tem um quadro de cortiça, de parede a parede, para afixação de boletins, ela quer o mesmo. Se os executivos seniores têm cartão de crédito telefônico, ela insiste em ter também um. Se a cúpula administrativa voa para Washington em primeira classe da American Airlines, em vez de ir de trem, ela faz a mesma coisa. Cada pequena exigência de igualdade é acompanhada de lágrimas, de fúria, de ameaças de pedir demissão, de Angst interdepartamental, e o que ela pretende acaba quase sempre sendo concedido. Ninguém quer perder Cynthia e poucos homens têm pertinácia para lhe resistir por muito tempo. Afinal, ela faz questão e eles não fazem, e aquilo que ela pretende eles geralmente já têm. Isso lhes torna difícil recusar.

A verdadeira esperteza dela é misturar pedidos maiores entre os insignificantes, como se todos tivessem o mesmo nível de importância. A administração já está tão habituada a este estado de guerrilha, que ninguém mais pode distinguir entre um pedido significativo de Cynthia e a costumeira trivialidade dramática. Assim, depois de infernizar todo mundo, durante meses, lutando pelo direito de ter crédito num serviço de limusines, ou de ter cartões de visita gravados em vez de simplesmente impressos, Cynthia aparece com um pedido discreto de aumento de 5.000 dólares, ou solicita a sua nomeação para membro do comitê de administração, em que jamais houve um executivo do sexo feminino. Tal pedido, que normalmente causaria horror e consternação, é tratado como se fosse apenas mais um de seus incomodativos caprichos, simplesmente mais uma escaramuça na longa batalha de extorsão que Cynthia vem travando contra seus colegas. Eles estão de tal modo habituados a se dar por vencidos com ela em pequenas coisas, que se dão também por vencidos nas grandes, por ação reflexa, sem mesmo se darem conta de terem feito uma concessão substancial, que vai materialmente aumentar o poder de Cynthia. O que ela fez foi esconder cada pedido de poder autêntico numa moita de aborrecidas queixinhas. O fato de ela ter conseguido estar agora em todos os comitês importantes, de ter um título e de sua autonomia ser talvez maior que a de qualquer outro executivo dentro da companhia, simplesmente passou despercebido. Cynthia costuma dizer que, quando eles dão pela coisa, já é demasiado tarde - ela já adquiriu poder suficiente para defender a sua posição na agência e já atingiu um salário suficientemente gordo para lhe ser possível "cair fora", como se diz, para um emprego lucrativo, em outro lugar, se lhe aprouver.

"Eu sou cuidadosa", diz ela. "Nada de festinhas para celebrar promoções, nada de exibições públicas de poder, nada que provavelmente possa amedrontar os homens ou fazê-los me encararem como uma rival. Eu os deixo 'ter paciência com a mulherzinha'. Também só raramente ponho questões de dinheiro, porque o dinheiro sempre os amedronta. A coisa a fazer é pedir o título, obter o respeito e o poder, sem falar em dinheiro. Desse jeito, eles pensam que a gente é inocente, ingênua, e está pretendendo se vender por um título ou um gabinete mais amplo, sem saber o que realmente é importante. Mas, no momento em que a gente tem o título e o gabinete, eles não podem nos negar o dinheiro. Vá para uma vice-presidência, se você acha que a merece, mas não exija mais dinheiro. Provavelmente, eles lhe darão o título sem o aumento e ficarão pensando que o negócio lhes saiu barato. Mas, a partir do momento em que você é vice-presidente, pode exigir o mesmo salário que todos os outros vice-presidentes e eles dificilmente poderão responder com um Não. O dinheiro vem por si mesmo, exatamente como deve acontecer. Os homens são diferentes. Esses sempre falam conjuntamente de poder e de dinheiro, mas a mim me parece que estão enganados. Apanhe o poder; depois, o dinheiro virá por si mesmo."

Em geral, os homens têm a impressão de as mulheres serem mais dadas a trivialidades do que elas realmente são, e acabam dizendo Sim, após uma pequena resistência simbólica, aos pequenos pedidos delas. Se os pedidos importantes de uma mulher podem ser apresentados de modo a parecerem sem importância, é quase certo que ela consegue o que pretende.

As mulheres têm, em qualquer caso, certas vantagens sobre os homens. Em primeiro lugar, os homens raramente as consideram como rivais, já que a vaidade chauvinista masculina é como é. Nas lutas pelo poder, eles porfiadamente menosprezam as mulheres. Pior: os homens falam demais. Mesmo aqueles que aprenderam a conservar a boca fechada diante de outros homens (e esses são poucos) falam abertamente diante de uma mulher, supondo que ela esteja abertamente do lado deles", ansiosos por impressioná-la com seu poder e seus planos. Há uma tendência natural para se confiar nas mulheres, como se elas tivessem por missão natural ser ouvintes e dizer Sim, e qualquer mulher inteligente pode facilmente explorar isso, não precisando mais que um ar simpático e algumas palavras encorajantes. É espantoso como certos homens, incapazes de dizerem a seus colegas seja o que for, dizem tudo a uma mulher. "Esses bastardos convencidos", diz Cynthia, "pensam realmente que as mulheres não contam. Ficam tão enfatuadamente felizes em nos dizerem todas as maravilhosas coisas que andam fazendo, como se nós fôssemos estudantinhas que tivéssemos saído com eles, ou esposas lavando pratos enquanto o marido lhes conta o que aconteceu durante o dia... Simplesmente eles não acreditam, lá bem no íntimo de si mesmos, que uma mulher conta. De uma vez que estávamos fazendo uma jogada secreta para ganhar uma grande conta - tratava-se realmente de coisa altamente confidencial - um dos executivos contou-me tudo, supondo que para provar que era suficientemente importante para estar por dentro e eu não. Naturalmente, ao descobrir que não estava incluída no grupo da conta, eu me queixei. Quiseram saber como eu tinha descoberto; quando lhes disse, foram ter com o cara e lhe perguntaram por que tinha dado com a língua nos dentes. Resposta dele: Eu não disse a ninguém, a única pessoa a quem falei nisso foi a Cynthia. Claro: eu não sou ninguém! Mulher que mantém os ouvidos abertos ouve tudo. Sabe mais acerca do que se está passando do que qualquer homem".

Uma vez que os homens, normalmente, não consideram as mulheres como rivais pelo poder, não têm maneira de mentalmente as integrar na estrutura local do poder, o que constitui grande vantagem para a mulher. Os homens sabem exatamente onde outro homem deverá se sentar numa reunião, por exemplo, mas muitas vezes lhes é impossível saber qual o lugar certo para uma mulher e relutam em lhe dizer em que lugar querem que ela se sente. Um homem, ao entrar numa reunião, olha em volta e descobre instintivamente o seu lugar no grupo do poder; na verdade, a sua maior preocupação será se colocar corretamente, não muito no alto e não muito em baixo, porque a primeira hipótese seria perigosa e a segunda denotaria fraqueza. Uma mulher, pelo contrário, pode quase sempre se sentar onde lhe apeteça, desarranjando a ordenação do poder e por vezes apoderando-se de uma posição que pode vir a ter dramáticos efeitos na sua carreira. Homens que teriam dito a um jovem presunçoso para sair do lugar que ocupou têm grande dificuldade em dizer a mesma coisa a uma mulher - o velho hábito do respeito e da delicadeza leva tempo a morrer, se é que morre. Mais de uma mulher, desconhecendo as normas de uma reunião e os caminhos do poder, se sentou numa zona de poder e lá ficou, conquistando posteriormente o salário e o título correspondentes ao lugar.

Imagine-se uma reunião em que todo mundo se senta mais ou menos em círculo:

A mesa (A) é, obviamente, a posição de controle. Quem se senta ali é a pessoa em cujo gabinete a reunião tem lugar.

Uma cadeira sem braços, (B), é a segunda posição de poder, por estar situada mais perto da mesa, e isola a pessoa sentada no lugar principal, de modo que ela (ou ele) fique em posição normal de domínio da sala. É de se notar como, em situações desta espécie, a cadeira simples é mais poderosa do que uma grande cadeira de braços, como (C) e (D). Uma pessoa sentada numa cadeira simples sente-se mais alerta e fica mais alta do que quem se sente numa cadeira de braços, baixa. Se uma pessoa está sentada numa cadeira simples e duas outras se afundam em poltronas (e a maioria das modernas poltronas da espécie que existe pelos gabinetes foram desenhadas para a gente se afundar), quem está sentado de cabeça no alto e costas direitas dará um ar de comandar e dominará os ocupantes das poltronas; ainda mais: os ocupantes das poltronas sentirão que esse é o caso, por mais antigos que sejam.

O sofá (E) não é uma posição de poder, em parte por estar de frente para a direção errada, e em parte porque as pessoas sentadas nele nunca têm a certeza de quantas mais terão que se sentar junto delas. Podem vir a ser comprimidas; formando um subgrupo desconfortável, e nesse caso se sentirão sem poder, mesmo que se trate de vice-presidentes seniores. Na maioria das reuniões, o sofá é o último lugar a ser ocupado e habitualmente fica vazio até que não haja mais lugar para os retardatários se sentarem. (F) evidentemente é a posição de menos poder e a pessoa que ali se acomoda pode se sentir na obrigação de tomar notas, e podem mesmo lhe mandar fazer isso. Ser mandado tomar notas reduz a gente, naturalmente, ao nível de um estenógrafo e elimina a pessoa como fator de poder em qualquer grupo.

Por conseguinte, (B) foi sempre o lugar em que se senta o numero dois em poder e sempre foi função dessa pessoa ler os itens da agenda preparada e apresentar as várias opções e quaisquer informações a dar. Foi o lugar cativo de um certo vice-presidente sênior, até o dia em que uma mulher, recentemente eleita para o grupo, entrou e sentou-se ali. Homem algum teria feito aquilo e, na hipótese de que algum o fizesse, o vice-presidente sênior o teria simplesmente mandado mudar de lugar. Não podendo pedir à mulher que se levantasse, em parte porque a mulher não parecia representar uma séria ameaça ao poder dele e principalmente por estar amordaçado pela delicadeza (onde está a etiqueta de mandar uma senhora se levantar?), ele se viu obrigado a se encolher no meio do grupo do sofá, tornando-se parte do público (pois todas as reuniões se compõem de atores e público).

Infelizmente para ele, a cadeira em si e o lugar ocupado por ela representavam um símbolo de poder. A assistência estava habituada a se dirigir àquela cadeira, fosse quem fosse que a ocupasse, quando queria fatos ou o próximo item de discussão. A jovem senhora, surpreendida com tantas perguntas que lhe faziam, e tratada com tão inusitado respeito, respondeu o melhor que lhe foi possível e preparou-se melhor para a reunião seguinte, na qual conseguiu ocupar o mesmo lugar, chegando mais cedo. Na terceira reunião, o lugar era dela; e, com o lugar, todas as responsabilidades que anteriormente haviam pertencido ao vice-presidente sênior. Não demorou muito para que ela fosse realmente elevada a vice-presidente, enquanto a pessoa cujo assento ela tomara era espirrada do sofá, relegada para a posição (F) e reduzida à função de elaborar minutas das reuniões. Tinha se iniciado uma carreira de sucesso, por alguém se sentar na cadeira certa.

Nenhum homem se teria saído bem de tal empreendimento, nem homem algum o teria tentado. A própria mulher comentou: "Acontece que as mulheres são mais livres para quebrar as normas e levar as coisas adiante. Nem sequer se espera que elas saibam quais são as normas".

Não conhecer as normas - e não querer tomar conhecimento delas - pode ser muito útil. Um dos mais sérios receios que os homens têm das mulheres é que elas precisamente não são amordaçadas por normas, sejam quais forem. A hierarquia de respeito e poder, dentro da qual, e segundo a qual, os homens vivem, difere de instituição para instituição, mas baseia-se em convenções. O poder de um alto executivo depende da boa vontade das pessoas para que o considerem poderoso. Obviamente, ele pode ser temido por poder mandar embora e por poder dar ou negar aumentos, mas em última instância o seu poder depende do respeito pela sua posição e pela sua pessoa. De um modo geral, os homens entendem esta convenção e põem todo o cuidado em prestar respeito à autoridade, quanto mais não seja porque não poderiam manter seus lugares na hierarquia, se não tomassem a hierarquia a sério. Isso explica por que os homens tantas vezes perdem a cabeça com as mulheres, mesmo com suas esposas, quando elas fazem pouco de um homem da organização a que eles pertencem. Por mais que eles odeiem ou desprezem outro homem do seu próprio grupo de poder ou hierarquia, não toleram que um estranho o ridicularize - embora eles mesmos o façam permanentemente. Por mais ridículos que achemos os outros membros do nosso grupo, somos obrigados a respeitá-los diante de estranhos. Se não o fazemos, o grupo perde a sua razão de ser e a nossa filiação a ele deixa de ter sentido. O presidente de um grande conglomerado pode ser um neurótico pequenino e irritante, uma criancinha vingativa, de rosto ossudo em forma de machado, um sádico irritante, um deus maluco"(2), mas, ainda que seus executivos o considerem como tal, dificilmente o admitirão perante si mesmos, e nem falemos de permitirem que os estranhos o digam. Eles têm que acreditar uns nos outros e nele, sejam quais forem, lá no íntimo, suas dúvidas e seus sentimentos. Acima de tudo, têm que aceitar um ao outro pelo valor facial. Se têm que o fazer (e muitas vezes o fazem), chegarão a qualquer extremo para não fazer caso da excentricidade, da má educação, da falta de atrativos físicos, da ausência de charme, do mau hálito, ou de maneirismos pessoalmente ofensivos, uma vez que a própria existência do grupo depende da manutenção do relacionamento entre os seus membros. Quando estão em causa os nossos interesses, o novo manto do rei sempre nos parece maravilhoso.

O que alarma os homens é que as mulheres tenham uma visão mais clara. Eles podem estar perfeitamente seguros do respeito de seus colegas masculinos na hierarquia, que nem os consideram bem como seres humanos e portanto podem aceitar ou ignorar suas peculiaridades físicas e emocionais. Mas poderia uma mulher vê-los mais realisticamente? Todos eles sabem muito bem que é esse o caso com suas esposas, suas namoradas (se as têm) e até com suas secretárias; por isso, a noção de mulher como colega, como membro do grupo, é realmente inquietante. Um executivo de uma instituição financeira me disse que o comportamento do seu presidente nas reuniões se alterou radicalmente, quando ele teve que lidar com uma primeira mulher vice-presidente. "Até então", disse-me ele, "nós mal dávamos por Harry, quer dizer: ninguém se preocupava com ele. Era o presidente, e pronto. Acho que poderia ter dito que ele é gordo, usa óculos e está ficando calvo, mas nunca me preocupei muito com isso, nem ele. Ele tinha poder na hierarquia e eu tinha um lugar dentro dela e fazia do homem uma idéia de pessoa poderosa. Quando Sheila principiou a ir às reuniões, notei subitamente que Harry ficava nervoso e, especialmente, que tinha adquirido o hábito de bater na cabeça, como se estivesse tentando esconder o fato de ser calvo. Principiou também a tirar os óculos muitas vezes. Deu-me um bocado de trabalho conseguir, mas finalmente entendia - Sheila tornara-o inseguro. Não era nada de sexual - ela não era exatamente uma beleza, nem precisamente uma gata - mas Harry tinha medo de que ela o encarasse de um modo diferente do nosso. Ele não tinha a certeza de que ela o respeitava como nós. Na presença dela, a calvície passava a ter importância para ele, quer tivesse quer não tivesse importância para Sheila, e eu estou certo de que não tinha. Isso destruiu o seu equilíbrio emocional, o que não teria tido grande importância, se não fosse um pormenor: ele se tomou muito sensível a tudo que Sheila dissesse nas reuniões, a ponto de tomar as mais inofensivas observações dela como críticas pessoais. Por fim, isso me ensinou o seguinte: numa hierarquia masculina, uma mulher é sempre uma estranha e uma ameaça, por mais talentosa que possa ser. Não há maneira de uma mulher se tornar um dos rapazes."

Por outro lado, há muitos modos de ela poder lhes passar a perna. Um homem fará não importa o que para evitar confrontação face a face com mulheres, e a mulher fará bem em insistir em tais confrontações, em vez de tratar dos assuntos através de memorandos. Os homens têm tendência para não ligar importância ao que as mulheres lhes comunicam por escrito, mas, frente a frente, preferem ceder a discutir. Uma observação de mulher: "Os homens querem, fundamentalmente, que a gente saia do gabinete deles tão depressa quanto possível, de modo que nós possamos obter o que pretendemos simplesmente entrando no gabinete deles e pedindo. Tudo que há a fazer é sentar e colocar a bolsa no chão, como se fôssemos ficar ali para sempre. A bolsa é importante. Por alguma razão, os homens têm horror às bolsas, e a presença de uma num gabinete, especialmente se jogada diretamente em cima da mesa, tende a distraí-los." O decote também os distrai, talvez ainda mais, não tanto porque os homens o achem atrativo (isso depende do homem e do decote) mas porque, num mundo movido por símbolos do poder, o decote constitui um símbolo de alguma outra força, possivelmente mas poderosa, mas não facilmente assimilada em termos hierárquicos. Os homens são tão morbidamente afetados pelo medo de que as mulheres possam usar o sexo em negociações por poder ou dinheiro, que o menor aceno sexual tem probabilidade de os amedrontar: a mulher não tem que fazer nada, tem apenas que ser mulher.

Com o devido respeito pela posição assumida pela maioria das liberacionistas, o desequilíbrio entre homens e mulheres é tão grande, em termos de poder, que elas deveriam ter o direito de usar todas as armas de que dispõem. Se você pode subir explorando o medo e a fraqueza dos homens, afigura-se bobagem não o fazer, até porque é muito fácil fazê-lo. Afinal, até mulheres tão bem sucedidas quanto Katharine Graham, do Washington Post, comentaram que: "As mulheres não são uma minoria, mas estão no mundo dos negócios... Ainda há preconceitos da parte dos homens, em todos os lugares: na sociedade e em nós mesmos - dentro das próprias mulheres". E Dorothy Chandler, descrita por um dos homens de negócios de Los Angeles como "a mais forte individualidade que passou pelo Times Mirror nos últimos vinte ou vinte e cinco anos", podia ainda dizer: "Acho que provei que tenho o direito de estar aqui, mas mesmo eu nunca fui recompensada como um homem o teria sido. Estou aqui com um título que não representa nada e uma retribuição inferior à dos homens". Se Mrs. Chandler, que levantou 18,5 milhões de dólares para ajudar a construção do Los Angeles Music Center, que é uma alta executiva da Times Mirror Corporation e uma mulher rica por direito próprio, se sente assim a respeito do seu emprego, é fácil imaginar os sentimentos das mulheres ambiciosas na maioria das corporações.(3) Nestas circunstâncias, faz sentido lutar, jogar o jogo do poder duas vezes mais violentamente do que um homem o faria, tirar partido, por todos os meios possíveis, de ser mulher. Há provas suficientes de que apenas o trabalho dedicado e duro não leva a mulher a lugar nenhum, de que o dinheiro lhe será dado de má vontade, de que todos os esforços se farão para que ela não chegue a ter poder autêntico. Enquanto a mulher não possuir a sua parte proporcional de poder - o que, por, exemplo, implicaria 50 mulheres no Senado dos Estados Unidos, elas serão mais ou menos obrigadas a abrir à força o seu caminho para o mundo do poder, por métodos clandestinos, infiltrando-se no que continua sendo uma estrutura obstinadamente masculina, com símbolos masculinos, tradições masculinas e leis masculinas.

Tive uma boa amiga chamada Dee, que era uma bonita jovem de ilimitada energia e ilimitada ambição. Sua aparência era, no mínimo, deslumbrante (embora ela não fosse, como se diz, "o meu tipo"), mas o que de mais extraordinário havia nela é que Dee simplesmente não reconhecia que ser mulher pudesse ser uma desvantagem. Não quero dizer que ela não tivesse consciência de ser mulher - longe disso, como veremos - mas simplesmente agia partindo do princípio de que não havia obstáculos no seu caminho, de que nenhuma discriminação seria possível. Parecia cega e surda à realidade, o que por vezes a fazia parecer ingênua e inocente, mas funcionava como tática.

É preciso dizer que Dee trabalhava muito e bem, ninguém podia lhe apontar uma falha. Tinha tanta vontade de saber, que conseguiu amedrontar uma quantidade de executivos de uma grande firma financeira que a havia contratado como assistente de um analista de seguros, numa decisão fria para atender pedidos de igual oportunidade de emprego. Ela era, na realidade, a mulher de teste, embora sua função consistisse em mais uma Radcliffé Summa Cum Laude, fazendo trabalho de escritório, que nenhum graduado de Harvard teria sequer tocado. Dee aprendeu com facilidade as tarefas relativamente simples de sua função e depois principiou a pressionar o chefe - um sujeito com cara de peixe, de mãos suadas e nervosas e de óculos tão redondos e grossos que parecia que as lentes tinham sido feitas de fundos de garrafa - para que lhe permitisse visitar clientes e assistir a reuniões com ele. O profundo conhecimento que ela tinha dos assuntos, a aparência, e os modos imperiosos que usava em breve deixaram o chefe na sombra; além disso, a opinião geral era que ele tinha acedido invertebradamente aos pedidos de uma mulher, daí resultando que a reputação dele se esvaia, enquanto a dela crescia. Dee simplesmente não aceitava um Não como resposta. Quando lhe recusavam autorização para uma despesa, com base no argumento de que jamais uma moça com a idade e o nível dela tinha obtido tal autorização, ela displicentemente saia e abria contas da firma nos restaurantes que lhe apetecia utilizar e deixava que mandassem as contas ao chefe. Não discutia, não pechinchava, simplesmente agia. E é claro que isso funcionou. As contas vinham em nome dele, eram todas de restaurantes que ele habitualmente freqüentava e o chefe dificilmente poderia deixar de as pagar sem com isso destruir a sua própria reputação.

Dee tomava a palavra nos lugares em que se partia do princípio de que as mulheres deveriam ficar caladas, tratava os homens como iguais e pura e simplesmente se recusava a se comportar ou ser tratada como mulher. Dentro de um ano, estava pronta para tomar o lugar do chefe, e ele estava pronto para o abandonar, embora de má vontade. Nessa altura, ela aderiu à oposição ao seu superior, um macho chauvinista da velha linha tradicional, que se tinha sempre empenhado em evitar Dee, na medida do possível. Na realidade, tinham chegado a uma trégua profissional, cada um procedendo como se o outro não existisse, mas agora ele tinha necessidade de um encontro franco com Dee, para lhe explicar por que ela não podia ocupar o lugar do chefe: principalmente, é claro, por ser mulher, e mulher agressiva. As tentativas para chegar até Dee através de um intermediário falharam e, finalmente, ambos tiveram que se defrontar no gabinete dele. Se ela fosse um homem, tudo teria sido simples. O homem teria respeitado o poder do executivo, talvez discutido, mas com respeito. Um homem ter-se-ia sentado à distância, para mostrar respeito e reconhecimento de sua posição inferior, teria colocado uma das mãos sobre cada joelho, com os pés apoiados no chão (a postura usual masculina de respeitosa submissão), um palminho acima da posição de humildade (em que as mãos se juntam à altura do estômago, com os dedos entrelaçados), com o busto inclinado para a frente. (Está aqui uma distinção importante: a inclinação para trás é auto- afirmativa, uma posição agressiva; a inclinação para a frente é um ato de rendição, como que um oferecimento do pescoço ao vencedor; sentar-se direito é o meio do caminho e permite a quem se senta adotar qualquer uma das posições extremas rapidamente, se tiver necessidade disso.)

Dee não fez nenhuma dessas coisas - não podia, não estava nela, e tais atitudes não teriam parecido naturais numa mulher. Empurrou uma cadeira para diante, para ficar perto da cadeira do executivo (violando assim o espaço dele), colocou um dos braços sobre a mesa e inclinou-se para a frente, expondo um seio algo generoso, e fitou o outro decididamente nos olhos. Desconcertado, o executivo foi citando as várias razões espúrias pelas quais considerou de melhor aviso não dar à moça o lugar a que ela tinha direito. Ela escutava, gravemente, com uma atenção embevecida e sem tomar fôlego. Quando ele terminou, ela sorriu, como uma garota alegre e maliciosa e disse, num tom claro, muito distinto, "Eu sei que o senhor tinha que dizer isso, e o senhor sabe que tinha que o dizer; mas agora deixe de besteiras e diga-me mesmo por que é que eu não posso ficar com o lugar!"

Houve um silêncio medonho. Uma das convenções da hierarquia é que a gente aceita sempre a razão dada para uma decisão de cima, mesmo que se saiba não ser verdadeira; isso é agir dentro das normas. O executivo não teve resposta. Tinha preparado a "história", a explicação que um homem teria sido obrigado a aceitar, mas não conseguiu dizer, por exemplo: "Reconhecemos que você tem qualificações, mas não estamos dispostos a dar o lugar a uma fêmea; portanto, esqueça". Como é que se pode discutir com alguém que não aceita as nossas razões? Talvez ele pudesse tê-la despedido, mas também não se tinha preparado para isso; portanto, sentou-se em silêncio durante alguns momentos, e o silêncio era uma forma de rendição. Por fim murmurou: "Nós vamos considerar o assunto", ansioso por evitar uma segunda entrevista. E, dentro de pouco tempo, deu o lugar à moça.

Agora, ela tem o lugar dele.