Capítulo Sétimo

SÍMBOLOS DO PODER

 

Ele tinha por fim atingido seu objetivo. A batalha estava ganha. Mas tinha dado um trabalhão submeter esta elite, exercitar estes homens até que eles ficassem cansados, domesticar os ambiciosos, ganhar a adesão dos indecisos, impressionar os arrogantes.
Hermann Hesse
THE GLASS BEAD GAME

 

Havia uma semelhança em relação a todos estes homens... Todos comiam nos mesmos restaurantes, usavam os mesmos temos e calçavam sapatos Gucci.
Zan Thompson

 

O PODER DO PÉ

Talvez você nunca tenha pensado que os pés são símbolos do poder, a não ser naqueles quadros que representam antigos tiranos com o pé sobre o peito do inimigo vencido, ou descansando negligentemente um pé com armadura e esporas sobre a cauda de um dragão moribundo. A maioria das pessoas só expõe as solas dos sapatos quando se sente em posição de poder protegido ou de superioridade. Isso não acontece porque temam mostrar buracos nas solas dos sapatos, e sim porque a planta do pé é uma peça anatômica particularmente sensível. Até a pessoa mais forte hesitará antes de caminhar descalça sobre pedregulhos ou areia quente, e a maioria de nós é extremamente sensível - e por isso vulnerável - nessa área. Quando os homens cruzam as pernas, tendem a abaixar os dedões, como se estivessem protegendo as plantas dos pés, não obstante o fato de que essa atitude coloca sob considerável tensão os músculos e tendões do calcanhar. um ato reflexo, uma denúncia do fato de que sentimos o máximo de conforto quando temos ambos os pés apoiados no chão, firmemente plantados, prontos para saltar, se tivermos que fazê-lo.

Observe-se um executivo em ação, falando sobre um problema. Ele se recosta para trás, com uma perna cruzada sobre a outra, aparentemente seguro e relaxado. No momento em que a discussão se torna séria e difícil, ele quase sempre descruza as pernas, coloca ambos os pés sobre o assoalho e se inclina para a frente, com as mãos sobre os joelhos, assumindo a sua posição de máximo poder. Nesse ponto, a, outra pessoa tem à escolha uma de duas atitudes: pode fazer o mesmo, e nesse caso ambos ficarão curvados um na direção do outro, em posição de luta; ou pode cruzar as suas pernas e inclinar-se para trás, demonstrando indiferença e ausência de medo pela posição de poder do outro. Sim, mas os nossos pés nos denunciam: balançam para trás e para diante, mostrando impaciência ou dúvida; nós os enfiamos debaixo da cadeira, fora de vista, nos momentos de timidez e de medo; nós os colocamos firmemente diante de nós, para indicar que não vamos ceder nem mudar de idéia; voltamos os dedões um para o outro, numa posição de servil deferência, quando falamos com pessoa muito poderosa, e afastamo-los um do outro, com os dedões apontando para fora num ângulo de quarenta e cinco graus, para mostrar nossa desdenhosa superioridade.

Os poderosos são muito suscetíveis com relação aos pés, talvez porque só recentemente aflorou a questão de saber o que fazer com eles. No passado, isso era uma questão de cuidadosa etiqueta, mas o advento da mesa de tipo caixa, no século dezenove, que protegia o homem de suas visitas e de seus empregados, como uma Linha Maginot de madeira, tomou o comportamento dos pés e a sua linguagem uma arte perdida. Presentemente, que as mesas se tomaram simplesmente mesas, por vezes apenas uma placa de vidro ou de compensado de madeira sobre finas pernas cromadas, os pés voltaram a ficar penosamente visíveis.(*) Poucos sabem o que fazer com eles, embora a maioria dos poderosos prefira deixá-los apoiados no chão, que é o lugar deles, e mantê-los tão quietos quanto possível.

O que calçar neles é outro problema. Quando se escondiam atrás de uma mesa pesada, era possível usar botas pretas, esses objetos resistentes e úteis que garantiam a manutenção dos pés do portador agasalhados e enxutos, e que indicavam o poder e a classe apenas pela qualidade do cabedal e pelo requinte do brilho. As botas de J. P. Morgan não eram muito diferentes das de seus empregados, a não ser pelo fato de ele ter um criado para as lustrar e tomar cuidado para que os saltos não estivessem gastos. Essa foi, neste sentido e não em qualquer outro, uma era de igualdade. Hoje, que os pés estão uma vez mais à vista, eles podem ser usados para marcar toda a espécie de distinções sociais e para realçar as mais variadas pretensões ao poder.

Uma coisa é básica: os poderosos mandam engraxar os sapatos, ou engraxam-nos eles mesmos. Em todas as culturas em que os homens usaram sapatos, e em todas as eras, sapato sujo é sinal de fraqueza. Os cavalheiros latino-americanos da velha escola gastam horas sentados ao longo das ruas, enquanto lhes engraxam os sapatos, e o melhor lugar para se ver uma série de gente importante é na engraxadoria de qualquer grande edifício de escritórios, por volta das nove da manhã. Muita gente de importância engraxa novamente depois do almoço, quando o engraxate faz a sua vista da tarde aos gabinetes para restaurar o lustro da manhã. À noite, quando volta para casa, essa gente pode trazer os sapatos empoeirados e sujos, porque está abandonando o mundo do poder. Isso explica por que não existem engraxadorias nas estações do metrô, e poucas das outras estão abertas depois das cinco - ninguém precisa de engraxar, no caminho para casa.

Os poderosos usam, de modo geral, sapatos simples Peal & Co. Ltd., sapatos de cinco ilhoses Brooks Brothers, por exemplo, colocam sempre os cordões através e nunca entrecruzados e usam cordões redondos. Sapatos que tenham biqueira quadrada, saltos altos, grandes fivelas de metal, costuras em lugares estranhos, ou que sejam cortados ao jeito de culotes, não constituem, definitivamente, símbolos de poder, e devem sei evitados. O investimento de sessenta ou setenta dólares num bom par de sapatos é uma boa jogada para quem está interessado em poder. Desde que as pessoas façam tudo que é possível para não olhar para o rosto dos outros e para não expor o seu a um exame direto, elas acabam olhando mais para os sapatos de um homem do que para qualquer outra parte dele e, quando pensam nos outros, a imagem que está na sua cabeça é a dos sapatos.

Recentemente entraram em moda sapatos com pequenas fivelas de metal em forma de bridão, e esses podem ser usados, desde que sejam Gucci genuínos, vindos de Nova York. As imitações são sutilmente reconhecíveis e estão absolutamente por fora. David Mahoney, por exemplo, usa Guccis pretos de cromo, patenteados, com uma tira de pano vermelho e verde e uma fivela de metal atravessada no peito do pé - isso são fortes símbolos de sucesso e de confiança, embora, como objetos de moda, possam já estar ultrapassados quando você compra um par. De momento, no entanto, são aceitáveis. Eu ouvi, recentemente, dois homens de negócios conversando no bar King Cole do Regis Hotel, em Nova York, e um deles estava dizendo para o outro: "Escuta, não te esqueças de que me prometeste levar-me ao Gucci e ajudar-me a comprar um par de sapatos". O segundo homem, usando seus sapatos Gucci, é claro que acenou com a cabeça sabiamente e respondeu: "É claro que irei, mas, se você precisa de ajuda, talvez ainda não esteja pronto para usar Gucci. Não se podem calçar Guccis em pés Florsheim, entende?"

Sapatos Florsheim! A última degradação a que o pé desceu, em pessoas que usam soquetes pelo tornozelo, expondo desagradáveis superfícies de pele cada vez que cruzam as pernas, cujo uso é quase tão terrível quanto o de sapatos cobertos de tiras cruzadas, no verão. Entende-se: o sapato certo não nos torna poderosos, mas é preciso principiar por algum ponto a aprender a ler os símbolos do poder, e os sapatos são básicos.

"TELEFONE-ME PEDINDO O CARRO"

Em sociedades mais simples do que a nossa, os símbolos de poder são instantaneamente reconhecíveis, quer consistam num colar de contas de vidro, quer numa coroa e num cetro. Quando existe apenas uma estrutura visível de poder, os símbolos são geralmente fáceis de ler. Aliás, essas hierarquias relativamente simples existem também em nossa sociedade, maior e mais complexa - no Exército, por exemplo, o poder relativo de cada um está claramente marcado, de modo que qualquer soldado ou oficial pode instantaneamente dizer qual a posição de alguém que lhe é inteiramente desconhecido. Nas Forças Armadas, a carreira de um homem está resumida nos seus ombros, nas suas mangas e no seu peito, para que todos vejam, e o mesmo se passa com os oficiais de justiça, os empregados postais uniformizados, os bombeiros e as equipes de jovens. Trata-se de um modo simples de marcar diferenças de poder, como no caso da coroa de penas de águia de um chefe índio Pawnee; das esporas de ouro de um cavaleiro medieval; dos sapatos castanhos que era costume distinguirem os aviadores navais queimados do sol de verão, dos oficiais comuns; e de mil outras peculiaridades de vestuário e de tradição.

No mundo do nosso dia-a-dia, as insígnias do poder são necessariamente mais ambíguas e boa parte da ansiedade patente na vida moderna provém da luta constante para adivinhar a posição relativa de poder dos outros. Uma vez que não podemos usar divisas nas mangas nem estrelas nos ombros, somos obrigados a inventar distinções mais sutis e apenas nos cabe esperar que elas sejam reconhecidas como sinais do que pretendem significar.

O problema é que os símbolos de poder de uma pessoa podem não significar nada para o vizinho: é tudo uma questão de adivinhar e daí resulta que, por vezes, alguém toma como importante uma coisa insignificante. Um executivo das minhas relações tem um preconceito muito forte, embora absurdo, contra punhos franceses de camisa; um outro despreza quem use colarinho postiço; ainda um terceiro, figura marcante do ramo de edição de livros, acredita que um homem que usa cinto em vez de suspensórios é mais digno de confiança. Muitos destes preconceitos são totalmente irracionais, embora, no final das contas, seja tão razoável promover um homem porque ele gosta das mesmas camisas que nós (ou nos imita) como por qualquer outra razão. De qualquer modo, o importante é que estes preconceitos não formam um sistema que possa ser facilmente decifrado: quem anda atrás do poder tem que adivinhar o que querem dizer os sinais importantes, e adivinhar certo. Dado que a maioria das fixações das pessoas nesta área se baseia em lembranças ancestrais pouco claras do que seus antepassados costumavam usar, ou do que na escola e no colégio as ensinaram a usar, ou da noção de que tudo que não tenha a marca Brooks Brothers é espalhafatoso e digno de desconfiança, os sinais de poder, fora das Forças Armadas, desnorteiam e, num mundo em que as mulheres principiam a ocupar posições de poder, chegam por vezes a se tomar incompreensíveis.

O fato de serem confusos não quer dizer que tais sinais não existam. O enorme gabinete de David Mahoney, com vista para o centro de Manhattan e para ambos os rios, é um símbolo de poder, e um símbolo óbvio, mas também o são o seu terno azul bem cortado, os seus sapatos Gucci, a sua pele curtida pelo sol do verão e o fato de ter uma limusine. A síndrome da limusine é de fato um barômetro muito comum do poder. Por um lado, a limusine é, evidentemente, um meio confortável e desejável de a gente se deslocar na cidade, uma das prerrogativas óbvias do sucesso; mas, por outro lado, é importante porque define clara e instantaneamente uma categoria. Um executivo sênior disse-me uma vez: "Quando eu entro na limusine, numa tarde chuvosa de dezembro, e olho para fora pela janela, não é na velocidade que fico pensando. Por amor de Deus, o metrô seria mais rápido. Não, o que eu digo para mim mesmo é: 'Essa gente lá fora anda pegando frio e chuva, enquanto eu, aqui dentro, estou aquecido e enxuto. Eu tive que fazer um bocado de sujeira para chegar onde estou, mas, ao ver os outros esperando um ônibus à chuva, acho que valeu a pena. Os outros sabem que eu consegui. Eu sei que consegui'. Quanto a isso, nada pode bater uma limusine".

Mesmo entre os que possuem limusines, há distinções de poder. As limusines alugadas dão menos prestígio do que as compradas, um Rolls Royce dá mais prestígio do que um Cadillac e nada chega aos calcanhares de um Mercedes 6OO preto, com as janelas de trás esfumadas para tomarem o ocupante invisível. Telefone em limusine já se tornou de tal modo lugar-comum que não é mais um símbolo significativo de poder, embora seja interessante notar que algumas companhias fornecedoras de rádios oferecem uma imitação de antena de radiotelefone para limusine, ao preço de dezenove dólares e noventa e cinco - que não estão ligadas a coisa nenhuma. Afinal, o jogo da limusine é muito semelhante a outro qualquer. Um homem de negócios que conheço aluga uma limusine sempre que necessita e a primeira coisa que faz é perguntar o primeiro nome do motorista a dar-lhe dez dólares. Depois, diz-lhe: "Escuta aqui, Harry, acho que hoje vamos pegar o túnel Midtown, entendeu? " - para significar que o carro e o motorista são dele, não alugados. Também se senta na frente, para tomar ares de proprietário e dar a ilusão de familiaridade com o condutor. Em relação a símbolos de poder, é a atenção para os detalhes que conta. Eu próprio vi um respeitável homem de negócios dar cinco dólares de gorjeta ao garçom do bar de um grande hotel na hora do almoço, com estas instruções. "Quando eu chegar, à tarde, você se dirige a mim dizendo boa tarde, sr. X; o sr. deseja o costume?"

Não pertencendo às Forças Armadas, a gente tem que fabricar o nosso próprio sistema de sinais de poder, utilizando todas as oportunidades e materiais ao nosso dispor, buscando todos os modos de provar que somos, como diz um produtor da Costa Ocidental, "pessoas muito importantes".

Há símbolos de poder em toda a nossa volta, bradando para serem reconhecidos, mudando com cada nova moda de vestuário e decoração, tornando-se mais numerosos e mais complexos à medida que mais gente busca poder. Quando eu principiei a trabalhar numa editora, um telefone era considerado mais que suficiente para cada pessoa. No caso de pessoas muito importantes e muito ocupadas, o aparelho podia ter uma série de botões, permitindo ao usuário utilizar uma campainha para chamar a secretária e ter duas ou três linhas extra. Com o passar dos anos, o telefone floresceu como símbolo de poder, e no mesmo gabinete em que era costume haver um aparelho discretamente colocado sobre a mesa, existem agora quatro - um na mesa, um de cada lado do sofá, e um particular, com brilhantes botões vermelhos, que não passa pelo PBX e fica ao lado da mesa. O número de linhas disponíveis não aumentou, a não ser que se inclua o telefone particular que não vem na lista, nem houve qualquer aumento real de eficiência, mas a vista de todos aqueles telefones certifica que ali está um "centro de poder", onde são necessárias, e existem, comunicações importantes e constantes.

Os telefones não são necessariamente uma utilidade, para muitos são um pretexto. Conheço muita gente que prepara as coisas para que a secretária chame na hora do almoço, de modo que tenham que lhes trazer um telefone para a mesa, e ligá-lo a uma tomada; essa gente, inclusive, não almoça em restaurante em que não possa ter um telefone portátil na mesa. Um alto executivo de Nova York tem um banheiro privado com telefone na parede junto à bacia, coisa que na verdade é uma comodidade para um homem muito ocupado, mas não um símbolo público de poder. Um outro executivo de uma grande corporação tem telefones metidos em pequenas caixas acústicas verdes presas às árvores de sua propriedade, de modo a poder fazer e receber chamadas mesmo enquanto caminha para a piscina ou para a garagem de barcos, deliciando-se com o toque insistente das campainhas sobreposto aos ruídos macios do bosque, dos pássaros e do vento. Uma vez que alguém associou telefone com prestígio, não há limite para o que ele pode fazer. Há radiotelefones metidos em elegantes maletas de couro, que dão um som suave, muito distinto, quando chamam a gente, e chegam a custar mais de 2.000 dólares - mas que valem bem o preço, no caso de alguém nos chamar enquanto caminhamos do nosso escritório para a nossa limusine. Os viciados mais plebeus do telefone trazem nos bolsos rolos de moedas, novinhas, saídas da Casa da Moeda, e montam banca nas cabinas telefônicas, desesperadamente ansiosos por "entrarem em contato" a cada momento.

O telefone é um perfeito exemplo de como conseguimos aproveitar o que se nos depara para criar símbolos de poder.

O que foi inventado como utilidade mundana sem atrativos, nós transformamos, como que por instinto, numa complexa marca de status e de poder. Se temos uma visita no nosso gabinete, podemos humilhá-la recebendo chamados telefônicos enquanto ela está falando, ou impressioná-la, dizendo-lhe: "Desculpe, é o presidente da companhia que está chamando" - ou o presidente dos Estados Unidos, ou uma chamada de além-mar - e finalmente, se desejamos lisonjear a visita, podemos dizer à telefonista: "Cancele todos os telefonemas para mim, seja quem for que chame". Nada melhor para colocar alguém no seu lugar do que travar um diálogo com um homem que tem um telefone encaixado entre a orelha e o ombro e diz: "Vá falando, que eu estou escutando; apenas tenho que atender esta chamada".

O telefone pode, efetivamente, estabelecer o nosso poder sobre as pessoas em nossa presença, especialmente porque o instrumento está em nossas mãos. Os outros têm que se limitar a falar para nós, ou a preencher o tempo conversando em voz baixa entre si, enquanto nós podemos nos ligar com qualquer lugar do mundo e fazer chamadas para pessoas muito mais importantes do que as nossas visitas. Nem temos mesmo que fazer chamadas, basta dizermos à nossa secretária: "Não recebo mais telefonemas, mas se Henry Kissinger chamar, pode passar a chamada".

Faz alguns anos, fui convidado para um almoço, por um diretor de cinema mundialmente famoso, que tinha mostrado "interesse" - é assim que se diz, nesse, ramo de negócio, para designar um capricho passageiro mal contado - por uma idéia minha, e havia sugerido vagamente que eu poderia voar para Los Angeles e "desenvolvê-la". Ele me convidou para almoçar no The Four Seasons, de Nova York, às 12:45h, juntamente com o seu advogado, o meu advogado e dois homens do estúdio. Na hora marcada, nós cinco estávamos sentados junto à piscina refulgente, mas o nosso hospedeiro mantinha-se conspicuamente ausente. De vez em quando, chegava um mensageiro, trazendo-nos boletins "Ele está a caminho", "Ele vai chegar a qualquer momento", "Ele diz para tomarem um drink" - e serviam-nos bebidas. Por volta das 13:15h, todo mundo à mesa estava vidrado de fadiga e álcool, e todo apetite que pudéssemos ter tido havia desaparecido, à custa de cestas de pãezinhos, de salgadinhos e de croissants, juntamente com meio quilo de manteiga. Mas ninguém tinha tido a coragem de pedir nada.

Quando o grande homem finalmente chegou, às 13:3Oh, alegre e sem pedir desculpas, sentou-se e, antes de nos dizer uma palavra, pediu que lhe trouxessem um telefone para a mesa. Tão logo lhe ligaram o telefone à tomada, pôs-se em contato com o seu motorista, que nesse momento andava na limusine pelas ruas do centro da cidade, e principiou a dar-lhe animadamente uma série de endereços, muitos dos quais tinham a ver com ternos, a ir buscar no alfaiate ou na tinturaria. Uma vez que estava feita a ligação da sua mesa de almoço com a limusine, pediu uma chamada para a Costa Ocidental e então, aconchegando o receptor à orelha, pareceu dar por nós, pela primeira vez. "Olá", disse ele, "vocês ainda não pediram? Eu tenho que ligar para a minha mulher, mas por que é que vocês não tomam mais uma rodada?"(*)

Poucos símbolos de poder são tão versáteis quanto o telefone. Digamos que você precise mostrar a um associado em negócios que ainda está vivo e empregado, mas, por várias razões, não queira muito conversar com ele, talvez para que ele não o prenda com um convite para almoçar. Ou talvez haja um negócio pendente, a que você não quer dizer Não, mas também ainda não resolveu dizer Sim, e não queira perder por não ter mostrado interesse. Usando o telefone, você pode manter as suas opções abertas por um considerável espaço de tempo - simplesmente telefona a essa pessoa, em uma hora em que tenha a certeza de que ela está ausente (à hora do almoço, por exemplo) e pede para lhe comunicarem que você telefonou. Você está agora na posição de ter iniciado uma comunicação; aconteça o que acontecer, sempre poderá dizer: "Tenho estado a tentar entrar em contato consigo". Quando a outra pessoa telefonar, você não recebe a chamada; a sua secretária responderá que você está falando em outro ramal e chamará em seguida. No dia seguinte, volte a chamar, mas tendo o cuidado de escolher a hora em que sabe que a pessoa não está lá - digamos: cinco minutos antes da hora da chegada dela ao escritório. Quando vier o telefonema de resposta, obviamente você estará em reunião. Com um pequeno esforço, esta troca de chamadas pode ser mantida, pelo menos, durante uma semana, sem que as partes mantenham contato verbal, mas também sem você poder ser acusado de não ter tentado. Pelo contrário, como pessoa que iniciou a série de chamadas, você ganhou o crédito de iniciador das tentativas de estabelecimento de comunicação, mesmo que esta nunca tenha acontecido. Isto explica por que as pessoas com consciência de poder não gostam de responder sistemas mecânicos de serviço. Uma pessoa qualquer apenas tem que fazer uma chamada, e você fica responsável por se pôr em contato com ela. A reação adequada a uma chamada que não se deseja receber é dizer à secretária que diga a quem telefonou para ligar para a nossa residência às 6:30h, desde que se tenha a certeza de quem ninguém estará em casa a essa hora para receber o recado. De outro modo, a partir do momento em que a mensagem foi recebida, a bola está na sua área e é de você toda a responsabilidade posterior pela complementação da comunicação.

Como regra geral, o jogo do poder pelo telefone consiste numa combinação de máximo de habilidade para fazer chamadas, com mínimo de possibilidade de as receber - em outras palavras: a vazão deve ser sempre para fora. Quando o "input" iguala ou excede o "output", há perda de poder. Este não é um truque tão difícil quanto parece. Quanto mais chamadas a gente faz menos tempo fica disponível para as receber. Levando este procedimento ao extremo, é possível adiar praticamente qualquer assunto até que ele deixe de ter importância para qualquer das partes, sem se poder ser acusado de negligência ou de indiferença.

Um aspecto peculiar do poder do telefone é que fazer-lhe girar o disco ou carregar-lhe nos botões diminui a pessoa que o faz. Para gente com consciência de poder, está bem pegar num receptor, mas ficaria mal fazer uma chamada. Por mais que as companhias telefônicas pesquisem para tornar a marcação de chamadas mais fácil (e, com códigos de área, discagem direta e botões, dificilmente se poderá facilitar ainda mais), fica ainda a impressão geral de que uma pessoa perde poder, se não tem outra pessoa para fazer o trabalho digital. A impressão geral resulta, pelo menos em parte, da relutância tradicional dos jogadores do poder em pegarem no telefone antes que a outra pessoa esteja realmente já na linha, esperando. Trata-se de um jogo tão familiar, que dificilmente se dá por ele, mas há também uma imprecisa sensação subliminar de que marcar uma chamada é, de algum modo, trabalho manual. Por isso, com raras exceções, os poderosos não marcam chamadas telefônicas, não manipulam máquinas de xerox, não fazem somas, não datilografam e não apontam lápis. O primeiro sinal de poder em ascensão é muitas vezes a incapacidade arrasadora de pessoas que durante anos marcaram chamadas em seus telefones, ou corriam para a máquina de xerox, para tirar uma cópia de uma carta, não só deixam de fazer essas coisas, mas pretendem convencer os outros de que não sabem fazê-las. Uma secretária me contou: "Tínhamos aqui um cara, um gerente adjunto, que principiou por separar a correspondência, e um dos trabalhos que lhe competiam era tomar conta das máquinas de copiar, Quando elas não funcionavam, a gente telefonava para a manutenção, ele vinha e consertava. Há dias, foi promovido, e a primeira coisa que me surgiu diante dos olhos foi ele, junto da minha mesa, com um pedaço de papel na mão, dizendo-me que lhe tirasse algumas cópias, porque ele não sabia como usar a máquina. Também esqueceu como se faz uma chamada telefônica. Até que chegue a sua nova secretária, ele anda por aí pedindo a todo mundo que lhe faça as chamadas. Mas ele não é tão bobo assim. Quanto menos coisas tivermos que fazer por nós mesmos, mais poder temos".

SINAIS DE STATUS - UMA GARRAFA TÉRMICA DOURADA É O MELHOR AMIGO DO HOMEM

As peças mais elaboradas e dispendiosas do equipamento de escritório raramente são símbolos de poder - o simples fato de se saber como usá-las, ou mesmo onde elas se encontram, indica um baixo grau de poder. As calculadoras eletrônicas de bolso tinham um certo apelo quando apareceram, e ainda é possível usá-las em negociações, resolvendo o que parece ser um complicado problema de alta matemática, quando se está discutindo sobre dinheiro. Quando se nega um pedido de aumento de, por exemplo, 1.250 dólares por ano, é conveniente fazer um cálculo rápido na calculadora de bolso e perguntar se a pessoa tem alguma idéia da porcentagem que o aumento representaria em relação ao salário atual. A pergunta é irrelevante, mas também irrespondível por quem não tenha uma calculadora à mão.

Se as calculadoras nunca se impuseram como símbolos do poder, foi, em parte, porque parecem ter relação com as máquinas de somar e se associam à imagem das moças de caixa dos supermercados e aos empregados de contabilidade, e em parte porque os poderosos não se interessam por matemática - eles estão interessados em tudo-para-o-vencedor, não em lucros-e-perdas. Se podem forçar você a concordar com o ponto de vista deles sobre uma situação ou sobre um negócio, podem normalmente confiar em que alguém mais apurará os detalhes e acabará tirando lucro em algum ponto do caminho. Demasiada atenção à matemática parece-lhes coisa de espírito tacanho e auto-limitadora. "Assim que um cara puxa uma calculadora", diz um famoso negociador, "eu sei que já o apanhei. Ele está interessado na matemática do negócio e isso quer dizer que já comprou a idéia. Quem faz isso, nunca vai pensar se, em primeiro lugar, o negócio deve ou não ser feito. Fica demasiado ocupado com saber quanto vai ganhar, ou quanto a coisa vai custar."

Uma calculadora de escritório em cima da mesa é, portanto, um sinal de fraqueza e de super-atenção a detalhes. Por outro lado, o exemplo presidencial transformou o bloco amarelo de notas em símbolo de poder, embora se trate de um objeto barato. Se a gente se recosta para trás e vai escrevendo tudo num bloco de notas amarelo, enquanto a outra pessoa vai falando, estamos em posição de ficar com o relato, de ter os fatos. Não há nada mais inibidor do que a visão de alguém escrevendo cuidadosamente tudo que a gente diz, e muitos negociadores bem poderosos perdem a calma quando defrontam um oponente que calmamente vái acenando com a cabeça e escrevendo criteriosamente.

Uma vantagem adicional do uso de blocos amarelos de apontamentos é que eles nos fornecem uma perfeita desculpa para não olhar nos olhos da pessoa que está falando, e isso nos permite esconder as nossas reações - enquanto os olhos estão no papel, não deixam perceber nada. Ainda mais: pode-se pontuar a discussão, arrancando uma folha, ao chegar ao fim dela; o ruído funciona como aviso de que o encontro já foi longe demais, ou não está mais nos interessando.

Quem usa um bloco amarelo de apontamentos num jogo de poder quase sempre cruza uma perna sobre a outra e se recosta para trás, a fim de esconder a superfície da folha. O segredo é essencial ao uso adequado do bloco, principalmente se ele está apenas sendo usado para garatujas ou para calcular o nosso imposto de renda durante a negociação de um contrato. Os jogadores prendados do poder desde há muito aprenderam que um homem escrevendo enquanto os outros falam, se pára de escrever, já tomou uma resolução. Está na hora de calar a boca. Noah Levine, um conhecido advogado trabalhista e hábil negociador, transformou o uso do bloco amarelo de notas em mais uma das belas artes. "Repare", diz ele, "até certo ponto, trata-se apenas de um instrumento de trabalho para advogados, certo? Mas, para além disso, trata-se também de uma arma. Todos estão falando, falando, e você vai acenando conspicuamente e escrevendo no seu bloco. Se os outros caras não estão também escrevendo, em breve você terá em mãos o controle da situação. Se mais alguém está escrevendo, eu olho o seu lápis. Caso ele se mova depressa, o dono está interessado, mas não muito; se o lápis passa a escrever mais devagar, o dono está se interessando mais; se principia a sublinhar coisas com traços grossos, de duas uma: ou o sublinhador está ficando zangado, ou vai dizer Não; se o lápis principia a se mover a toa, em círculos ou em zigue-zagues, o cara perdeu totalmente o interesse, está garatujando, está deixando você falar para você mesmo, está esnobando você; e, se deixa de escrever, já decidiu o que é que vai fazer. E importante esperar por esse momento. Talvez esteja ali um sujeito pronto para assinar, mas se você continua apresentando o seu caso depois de o lápis parar, o negócio pode estourar. É como diz um velho aforismo de vendedor: "Quando acabar de vender, cale-se". Outra coisa: se dois caras estão negociando e ambos têm blocos de notas, temos um "nada feito" mexicano. Não se chega a lugar nenhum, porque ambas as partes estão ocupadas com a própria defesa. Se você está vendendo ou persuadindo, não use o bloco - vá de mãos vazias. O bloco é uma clássica arma defensiva.

As máquinas de ditado pertencem a uma categoria algo diferente; em outros tempos tiveram um certo prestígio, porque a sua presença sobre a mesa queria dizer, pelo menos, que a pessoa tinha que usar uma secretária e precisava responder a muita correspondência. Mas não se pode mais dizer que ainda confiram algum prestígio. Um anúncio recente da IBM apresenta três executivos (curioso: um homem de meia idade, uma jovem e um negro), sentados em três mesas idênticas, em fila, cada um ditando em um pequeno microfone. Duas moças, sentadas a mesas mais discretas, estão diligentemente transcrevendo o ditado, por meio de um sistema centralizado. O gabinete não tem sinais de status de nenhuma espécie, a não ser uma jarra de cravos sobre a mesa da jovem executiva. Longe de servir de símbolo de poder, o "sistema de input de ditado" coloca os "executivos" e as secretárias mais ou menos ao mesmo nível, e na verdade o único rosto feliz e sorridente no quadro é o de uma das secretárias - todos os outros parecem zumbis. Na vida real, evidentemente, cada executivo teria procurado distinguir a sua mesa das outras, de algum modo, e um deles estaria curvado sobre a mesa modesta de fórmica da secretária sorridente, tentando persuadi-la a datilografar primeiro o seu memo. Ninguém, na fotografia, parece ter um lápis, ou um bloco de apontamentos, ou uma cadeira para visitas - é uma visão igualitária do trabalho executivo, muito distante de qualquer realidade reconhecível.

O único produto IBM que serve como símbolo de poder é a máquina de escrever IBM Selectric II, desde que, evidentemente, seja usada pela secretária do executivo, e desde que esteja equipada com fita de tipo Bookface-Academic. As cartas datilografadas nessa máquina têm mais autoridade do que aquelas que não o são, e a maioria dos executivos se bateria mais depressa por obter essa máquina do que por um aumento para a sua secretária. Em certas companhias, o uso de tais máquinas é restrito a executivos mais antigos e certa qualidade de trabalho datilográfico é reservada para os mais poderosos - o presidente ou o diretor executivo, por exemplo. Pequeninos sinais como estes constituem muitas vezes confiáveis indicadores de poder. Uma senhora que eu conheço, que tinha pedido um aumento de 10.000 dólares por ano, recebeu como contraproposta 5.000 dólares, uma IBM para sua secretária e o direito de ter o nome impresso no seu papel de carta. "Eu aceitei a contraproposta", disse-me ela, "por mais estúpida que ela pareça. Acima de certo nível, eles podem dar-nos apenas um tanto, a maior, parte do resto das coisas que nos oferecem são simbólicas. Todas as pequenas coisas, como o nosso próprio papel timbrado, o direito de viajar em primeira classe de avião, ou o telefone particular, contam algo também. O truque está em descobrir o que é importante para quem está lá em cima. Se o círculo íntimo do poder é constituído por pessoas que usam em suas cartas o tipo Elite, você pode ter a certeza de que quer dizer algo o fato de mandarem trocar a máquina de sua secretária por uma de tipo Elite. Não se trata apenas de um sinal de aceitação, trata-se de uma espécie de emblema, de uma promessa de estarem pensando em você, de que, eventualmente, você conseguirá o que pretende em termos de dinheiro, embora isso não possa ser feito já. É preciso ler os sinais.

"No primeiro lugar em que eu trabalhei, o símbolo do poder era uma garrafa térmica dourada. Alguns a tinham e outros não, mas não se podia simplesmente ir lá fora e comprar uma. Isso teria minado o sistema, teria sido um insulto, um ato revolucionário. Em dada altura, a gerente simplesmente colocava uma garrafa térmica dourada sobre a mesa da gente, numa bandeja com dois copos, e pronto. Nunca descobri quem é que dava a ordem - talvez ela apenas soubesse - mas um cara que estivesse à espera de um grande aumento, digamos 5.000 dólares, e que os merecesse, embora ganhando apenas 2.500, receberia a colocação da garrafa térmica em sua mesa como se a administração estivesse lhe dizendo: 'Não se importe, nós tomaremos conta de você, tão logo nos seja possível; aí fica o emblema do seu mérito'. Em outros lugares, costumava ser a chave do banheiro dos executivos. Isso era uma coisa importante em muitos lugares, na década de 50, e eu me lembro de que meu ex-marido ficou extasiado, ao encontrar, certa manhã, sobre a sua mesa, um envelope com a chave dentro. Isso, porém, não era tudo. Uma vez que você tivesse uma chave, o chefe do departamento de correspondência colocava todos os dias uma toalha limpa na gaveta da sua mesa - não mais toalhas de papel! Hoje, a fechadura do banheiro dos executivos caiu muito de moda, talvez porque excluía automaticamente as mulheres, ou talvez porque nos novos edifícios de escritórios o sinal autêntico do poder é o banheiro próprio, com chuveiro.

"Ninguém é imune. Conheço um cara que tinha a sua própria companhia e estava sendo namorado por um grande conglomerado. Ofereceram-lhe tudo quanto lhes veio à cabeça, ações, um lugar vitalício no conselho de administração, uso do avião da companhia, limusine - e ele tudo recusou. Então, ofereceram-lhe mais uma coisa: dois andares num edifício novo, com um banheiro privado - um banheiro com uma banheira autêntica, um chuveiro e um porta-toalhas aquecidas! - e um elevador particular. Isso resolveu. Ele aceitou. Mais tarde, estávamos conversando e ele parecia um pouco triste. "É como se eu tivesse vendido um filho", disse-me, "mas eu não pude evitar. Não tanto pelo dinheiro - eu já sou um homem rico e, objetivamente, teria menos poder, porque eles controlarão tudo. Mas havia algo naquela idéia de um elevador em tamanho natural, só para mim, um elevador com apenas um botão, que só ia para o meu gabinete, a que eu não pude resistir. Foi como se me tivessem oferecido uma chance de representar Deus.

Na cúpula, a chance de representar Deus é talvez a maior de todas as recompensas. Ninguém imagina que os lucros de uma empresa aumentarão sensivelmente com o uso de um helicóptero para transportar o presidente de sua casa, em Connecticut, para o heliporto do centro da cidade e volta, nem se pode argumentar que a comodidade de tal arranjo valha o preço enorme que custa. Como símbolo de poder, porém, não se pode fazer melhor. "Eu não sabia quão rico e bem sucedido era", comentava o presidente de uma companhia, "até o dia em que entrei no nosso novo helicóptero e levantei vôo do relvado da minha casa."

Para outros, os símbolos do poder supremo são menos grandiosos. O presidente de uma companhia sentiu que tinha "chegado ao topo", quando aposentou a sua maleta, para nunca mais pegar nela. "Quando você está na administração", diz ele, "carrega a sua maleta para as reuniões, e essa maleta, de certo modo, é mais importante do que você. Você vai com relatórios, contratos, documentos, pastas, informação, e o seu papel é interpretar tudo isso, ou entregar tudo isso. Qualquer outra pessoa poderia levar essa mesma maleta cheia de material; você é, na realidade, uma espécie de mensageiro de idéias, a 100.000 dólares por ano. Mas, quando você tem poder autêntico, o que eles querem é você. Você se apresenta sem nada nas mãos, porque o que traz não é conhecimento especializado, nem informação, mas o direito de dizer Sim ou Não... O cara que tem o poder é aquele que se apresenta de mãos vazias, Os que trazem maletas de attaché são transportadores de espadas - podem discutir os fatos, apresentar os casos, estabelecer os parâmetros do negócio, mas o sujeito sem maleta tem o poder".

Obviamente, há um significado progressivo das maletas, como de todas as coisas. Quanto mais volumosas elas forem, menor o poder, geralmente, dos respectivos portadores, correspondendo o menor status de poder à mala de amostras do vendedor, uma volumosa peça de bagagem em forma de caixa, feita de pesado plástico. As maletas de assessor, que se abrem para cima, apresentando uma mesa de trabalho completa, com pastas e mata-borrão, só servem para impressionar as senhoras de idade nos aviões. As elegantes maletas delgadas de adjunto, por mais caras e magnificentes que sejam, parecem sempre um presente de aniversário de alguém para um executivo em vias de nascer. As que têm motivos decorativos gravados, sejam ou não autênticas Vuitton, constituem vitrinas insignificantes de poder. Tudo que se pode dizer é que um homem que ganha menos de 50 mil dólares deve usar uma maleta de couro ordinário, com tampa de abrir para cima e duas pegas, velha, com arranhões e muito viajada; homem ganhando mais de 50.000 dólares, mas menos de 100.000, deve usar uma pasta fina de couro, quanto mais simples melhor; um homem que ganhe mais de 100.000 dólares não deve carregar coisa nenhuma. Como disse uma vez Richard L. Simon, editor e co-fundador da Simon & Schuster, a um preparador de textos que suava para levar para casa uma caixa cheia de manuscritos e contratos, enquanto Simon permanecia de pé, com as mãos vazias, esperando pelo elevador: "Você, preparador de textos; eu editor". Quando houver dúvidas, é melhor levar algo de que se precise num envelope; isso quer dizer que, habitualmente, você não leva nada, mas desta vez se viu obrigado a se fazer acompanhar de alguns documentos, à última hora. Em contraste, uma maleta, mesmo que esteja vazia, sugere que você tem o hábito de transportar consigo enormes cargas de trabalho, como um burro.

É de se notar que as mulheres executivas quase sempre usam maletas. A posição delas é diferente - tendo emergido ainda recentemente como grupo de poder, sentem a necessidade de andar com um símbolo inconfundível da autoridade masculina. À mulher com maleta confere-se automaticamente status de poder executivo, contanto que ela não carregue também uma bolsa.

Uma das mais comuns finalidades do uso de símbolos em negócios é para que eles sirvam de incentivo a um melhor desempenho. Um excelente exemplo é o sistema de Ewing Kauffman encorajar os seus vendedores a aumentar as vendas dos produtos dos Laboratórios Marion. Kauffman, cuja máxima é "produza, ou vá embora", é, ele próprio, um vendedor magistral, que faz crescer um investimento de 5.500 dólares numa pílula para aliviar a fadiga, transformando-o numa enorme empresa e numa fortuna pessoal de 15O milhões de dólares - fortuna amontoada, em parte, à custa da idéia de moer cascas de ostras jogadas fora pelos processadores de alimentos e transformando-as numa pílula suplementar de cálcio, mas principalmente à custa de um conhecimento instintivo de como motivar o desempenho das pessoas. Embora, vez por outra, ele reúna os executivos e lhes diga que uma de três coisas acontecerá antes que saiam daquele escritório - ou serão despedidos, ou pedirão demissão, ou terão que mudar - o gênio autêntico de Kauffman para levar os outros a fazerem entregas para ele reside em fazê-los aceitar um sistema de prêmios simbólicos, estruturado à imagem e semelhança das monarquias européias.

A revista Fortune noticiou que "muitos dos prêmios por bom desempenho nos laboratórios Marion têm tanto valor simbólico quanto monetário. Um homem que aumente as suas vendas o suficiente para ganhar um bônus ganha também um anel de sinete Marion. Se, em dois anos, ele ganha dois anéis e mais um prêmio nacional ou regional de vendas, toma-se membro das Águias Marion. A dúzia, mais ou menos, de Águias tem direito a usar casacos especiais, papel de carta próprio, cartões de visita, além de férias extras e um Buick Centurion comprado pela companhia (Os vendedores a partir da fábrica andam em Fords, em Chevrolets, ou em Plymouths). Águia que ganhe três anéis pode se tornar elegível para entrar nas fileiras ainda mais elevadas do Marion M. Clube, que também tem cerca de uma dúzia de membros. Os membros do M. Clube andam em Oldsmobile 98 e têm direito a outras regalias, inclusive o "privilégio de assalto", que lhes dá direito a tomar o lugar de qualquer diretor, mesmo o de Kauffman, nos banquetes e outras celebrações da companhia".

Estas mesmas notas de aprovação existem, revestindo-se de várias formas, em quase todas as grandes companhias. Na National Liberty Life Insurance há convites para "Intervalos de Inspiração" no refeitório, durante os quais aparecem astronautas, campeões esportivos e evangelistas, para encorajarem os executivos a "vir para Cristo" e lhes explicar que "O sócio mais velho da companhia é o Senhor"; estas reuniões conferem status especial, constituindo uma espécie de retiro para oração em que, na frase de um executivo, "quando temos um problema, rezamos".(2) Na matriz de Holiday Inns, em Memphis, os executivos seniores são presenteados com distintivos de lapela "grande sinal" (réplicas de tabuleta do uma Holiday Inn); um livro encadernado em verde sobre "Atitudes", listando 1O4 "traços positivos da personalidade"; e são convidados a tomar parte em "primeiros almoços de confraternização de executivos", às quartas-feiras às 7:3Oh, presididos por quem talvez possa ser considerado o primeiro "capelão corporativo" do mundo americano dos negócios o rev. W.A. ("Dub") Nance.(3)

MOBÍLIA

O mobiliário do escritório tem grande valor simbólico. Consideramos os fichários - em si mesmos, eles não têm qualquer significação. Muitos executivos até os colocam fora da vista, na sala da secretária, ou em cubículos. Coloque-se, porém, uma fechadura no armário e ele se torna um símbolo de poder, embora feio e grandalhão. Quem quiser tirar de lá uma pasta tem que caminhar até ele e abri-lo, dando a impressão de que o imóvel contém material confidencial de grande importância. Desde que tenha uma fechadura, o armário pode se tornar um símbolo central de poder, digno de ser mantido na nossa sala, por mais espaço que ocupe.

A mobília pode revelar muita coisa sobre uma pessoa. Um repórter do New York Times disse o seguinte acerca de um magnata: "Os visitantes, os solicitantes e os vendedores que se dirigem ao gabinete do 42o. andar (o do presidente) sentem-se engolidos e perscrutados por ele até entre os joelhos, "desamparadamente afundados em profundas poltronas macias."(4) Este é um jogo de poder muito comum, que pode ser observado em muitos gabinetes. Uma moça à procura de emprego notou que quase todo o executivo sênior do ramo editorial tem um sofá baixinho. "Você entra", diz ela, "e mandam-no sentar no sofá, que é 1,25m mais baixo do que a mesa, de modo que o executivo fica olhando para você de cima para baixo e você olhando para ele de baixo para cima, com o traseiro praticamente apoiado no chão e os joelhos no ar. Não se poderia conseguir um jeito melhor de fazer os outros parecerem realmente sem importância."

Isto não é inteiramente verdade. Há modos mais sofisticados para fazer com que as pessoas não pareçam importantes. Harry Cohn, o tirânico presidente da Columbia Pictures, desenhou o seu gabinete à imitação do de Mussolini: uma longa sala com a mesa lá no fim, sobre um estrado. A entrada da posição de poder era uma porta maciça a prova de som, sem puxador e sem buraco de fechadura do lado de fora. Só podia ser aberta através de um dispositivo elétrico operado da mesa do próprio Cohn ou da de sua secretária... Nos últimos anos, Glenn Ford notou uma mancha de descoloração no umbral, à meia altura - tinha sido provocada pelo suor de inumeráveis palmas de mãos de quantos haviam passado por ali para uma audiência com Harry Cohn.(5)

Este é um exemplo algo externo de decoração do poder, mas mesmo jogadores mais modestos arranjarão habitualmente seus gabinetes de modo a que os visitantes sejam obrigados a se sentar o mais desconfortavelmente possível. E especialmente vantajoso ter-se a certeza de que todos os cinzeiros se encontram ligeiramente fora de alcance, para que as visitas, sentadas em cadeiras baixas e impossibilitadas de se levantarem, tenham que se esticar grotescamente para sacudir a cinza do cigarro.

A disposição da mobília é uma indicação ainda mais significativa do que a própria mobília. Alguns gabinetes chegam à decoração luxuosa e outros não, mas o grau de luxo tende a depender mais do capricho da administração do que do status do ocupante. Na sede do Playboy, em Chicago, por exemplo, até os editores juniores têm "luxuosos compartimentos apainelados de cortiça, muitos deles equipados com cadeiras macias, aparelhos de estéreo e secretárias estonteantes, (6) numa atmosfera de luxúria, que emana do conceito que Hugh Hefner faz de si próprio, e não do poder que tenham os ocupantes.

O poder reside no modo como se usa aquilo que se tem, não no equipamento em si. Todo o couro e todo o cromo do mundo não substituem um esquema de poder bem engendrado. Um grande gabinete só tem sentido se estiver disposto de modo que a visita tenha que percorrer todo o comprimento dele para chegar à nossa mesa, e é conveniente colocar no caminho tantos objetos quantos seja possível - mesinhas de café, cadeiras e sofás, por exemplo - para impedir o avanço. Por mais acanhado que seja o gabinete, é importante dispor a cadeira do visitante de frente para quem é visitado, deixando entre ambos o espaço da mesa. Esta é uma posição de poder muito melhor do que aquela em que a visita se senta junto da mesa, embora possa dificultar o acesso ao lugar do ocupante do gabinete. Quando um pequeno gabinete é muito estreito (e muitos são), é normalmente vantajoso ter a mesa colocada com certo avanço, reduzindo ao mínimo o espaço à disposição da visita e aumentando a área para a qual o visitado pode se retirar, pelo menos psicologicamente. Assim, num pequeno gabinete típico, as alternativas do relacionamento cadeira/mesa são as seguintes:

Da esquerda para a direita:
1. Posição fraca de poder para o executivo
2. Posição de médio poder.
3. Posição de forte poder.

Destas possibilidades, é sem dúvida a de número três a mais forte posição de poder para o ocupante. Ele deixou, por trás da mesa, muito espaço para si, e não há, por conseguinte, probabilidades de se sentir com as costas contra a parede, quando discutindo com um estranho ou com um colega, enquanto o visitante se encontra encurralado, com pouco espaço psicológico para respirar. No esboço número dois, a visita fica colocada numa posição agressiva, dispondo de mais espaço do que o ocupante e numa situação demasiado avançada. No esboço número um, o ocupante não tem posição de poder e é obrigado a se voltar para a direita, num ângulo desconfortável, para falar com a visita. O poder, tenhamos isso bem presente, move-se ao longo de linhas retas (As tentativas para dispensar a mesa, embora bastante usadas no negócio de rádio e televisão, nunca se impuseram. A mesa desempenha uma função social importante, em termos de poder, e é algo difícil de eliminar.)

Nos escritórios amplos, os arranjos de poder são mais variados. A maioria das pessoas prefere dividi-los em duas seções separadas, uma contendo o sofá, que pode ser usado para discussões semi-sociais, informais, em que não têm que ser tomadas decisões, e a outra contendo a habitual mesa e a habitual cadeira, para "situações de pressão" e confrontações, em que todo o objetivo é chegar a uma decisão firme. Ao entrar num gabinete destes é, por conseguinte, muito importante notar em que área o ocupante deseja que a gente se sente. Se viemos para negociar um acordo e o homem se dirige para o sofá, podemos estar seguros de que ele decidiu ser evasivo e ganhar tempo; se ele indica que nos sentemos à mesa, podemos estar igualmente seguros de que ele está pronto para uma negociação séria. Ao mesmo tempo, a gente pode exercer influência sobre ele. Sentando-nos firmemente à mesa, tornamos claro que desejamos uma resposta; sentando-nos no sofá, demonstramos que não estamos muito ansiosos por fechar o negócio. Por vezes, torna-se evidente uma luta decisiva entre as duas partes, com diferentes finalidades em vista: hospedeiro" tentando empurrar o visitante para o sofá, com o pretexto de que ele fique mais confortável, e o visitante obstinadamente dirigindo-se para a mesa - ou vice-versa.

Há quem seja mais do que mestre neste jogo. Quando vem ao meu gabinete, um conhecido advogado das minhas relações tenta se sentar no sofá, entre mim e o telefone colocado no extremo dele, sempre que pretende me convencer de algo que eu preferiria não fazer. Em primeiro lugar, apanha-me numa posição semi-social, levando-nos para o sofá; em segundo lugar, corta-me efetivamente do telefone, impedindo-me de ser interrompido por uma chamada. Nesta posição, ele me tem à sua mercê - estamos sentados lado a lado, ao mesmo nível, ambos de frente para a janela e separados da mesa e do telefone. Quando pretende me vender algo, senta-se na cadeira em frente à minha mesa e depois vai gradualmente se deslocando em volta, até que a sua cadeira fique ao lado da minha, passando, digamos assim, para o meu lado da barricada. Há várias habilidades de que ele se vale para conseguir tal posição, sendo a primeira delas colocar a sua pasta, o chapéu e o agasalho sobre o sofá, de modo a que não possamos nos sentar lá. A segunda habilidade consiste em fingir-se ligeiramente surdo, para ter um pretexto de vir para o meu lado da mesa, o que implica em invasão do meu território. Uma tentativa para impedir a sua aproximação, comprando uma cadeira tão grande e tão pesada que se tomava praticamente irremovível, falhou; ele se queixa de uma dor nas costas e pede à secretária que lhe consiga uma cadeira simples, de encosto direito, que então ele coloca onde quiser.

Este sutil uso do espaço pode ser mais bem compreendido, analisando como as duas áreas, a semi-social e a de pressão, se relacionam uma com a outra:


 

Escritório típico, dividido em "área de pressão" e "área semi-social". Se o ocupante está com séria intenção de fazer negócio, deverá tentar colocar a visita na posição A, diretamente em frente da mesa. Se deseja adiar uma decisão, ou acalmar um visitante, deverá colocá-lo na posição D no sofá. Um visitante agressivo, ou moverá a cadeira para a posição B, ou se apropriará da posição C no sofá, forçando o ocupante a se sentar em D, cortado do seu telefone por um intruso. A cadeira E representa a mais fraca posição de poder e reserva-se para terceiras pessoas sem importância. Note-se como a mesinha do café separa as áreas uma da outra, e que o sofá deve ser tão baixo quanto possível.

Alguns escritórios ainda mais amplos apresentam-se por vezes divididos em três áreas, sendo um dos extremos reservado para uma grande mesa de reunião com cadeiras em volta. Isso acontece freqüentemente com os gabinetes dos conselhos de administração e é geralmente um sinal de que eles desejam manter o controle sobre o conselho, realizando as reuniões em seu próprio território, em vez de utilizarem uma sala especial. Como regra geral, os conselhos que se reúnem em gabinete com um canto reservado para reuniões têm menos poder e autonomia do que aqueles que se reúnem numa sala própria e, na medida em que valem menos, interessa menos dominá-los.

As mesas de reuniões de conselho, convém notar, quase nunca são redondas, pois é necessário ter-se uma graduação muito precisa do poder e, acima de tudo, é imperativo que a pessoa mais importante, geralmente o "chairman", se sente na extremidade, junto à janela, de costas para a luz, enquanto a segunda pessoa em importância, geralmente o presidente do conselho de administração, ou o diretor executivo, se senta à sua direita. Se este último se senta na extremidade oposta da mesa (fazendo de "mãe", digamos assim, em termos de mesa de jantar), não só terá o sol batendo-lhe no rosto, mas quase sempre se estará colocando numa posição adversária em relação ao "chairman" - sinal de que, ou existe uma luta pelo poder entre eles, ou é muito provável que venha a surgir. Se o "chairman" tem uma cadeira de braços e os restantes têm cadeiras simples, isso é indicação de que a companhia está sendo administrada numa firme linha autoritária. Se as cadeiras são todas iguais, as perspectivas de conquista de poder provavelmente se apresentarão muito melhores.

Até os banheiros podem ter importância. Evidentemente, o melhor de tudo - é ter-se um banheiro privativo no gabinete, o melhor em segundo lugar é ter o gabinete perto de um banheiro, e o pior de tudo é trabalhar num gabinete longe do banheiro. Como dizia um agente literário, explicando por que razão desejava mudar um autor muito vendido do seu editor atual para outro: "Ele deveria ter um belo gabinete para ir lá e usar o banheiro, sabe?, algum lugar em que pudesse se sentar em atitude social quando o desejasse, sem se sentir num gabinete. O banheiro deveria ser no próprio gabinete. Se o banheiro é no hall não é tão bom. Onde ele está agora, tem que descer ao hall para lavar as mãos quando se serve do banheiro, isso não é bonito".

As mesas podem dizer muito acerca do quociente de poder. Os objetos que se colocam sobre elas não estão lá por acaso e normalmente dão uma pincelada de status, de poder ao ocupante, Um bem sucedido organizador de conglomerados era descrito como tendo a mesa "disposta de modo - com uma janela por trás - que a luz, de fora cegava o visitante, ao mesmo tempo que fazia faiscar dois pesos de vidro polido, dando a impressão de que se estava submetido ao exame de dois globos oculares translúcidos, de que os pensamentos da pessoa estavam sendo lidos e sua capacidade testada em um segundo ou dois".

O material de escritório - habitualmente uma caneta e um lápis sobre uma base de mármore ou de ônix - eram usados como símbolos fortes do poder, talvez devido à sua aparência fálica, mas têm-se eclipsado, em parte por causa da popularidade da onipresente caneta de marcar com bico de feltro, e principalmente porque já muita gente comprou um jogo de caneta e lápis. Diplomas emoldurados estão definitivamente fora, como símbolos de poder, tal como peixes empalhados, fotografias de família, pinturas infantis, gravuras coloridas de Harvard Yard em 1889, tudo que seja cartaz, impressos de Audubom (a não ser que sejam autênticos), granada de canhão de 37 mm servindo de peso, qualquer coisa feita de plástico ou de mármore e cinzeiros roubados de restaurantes ou hotéis famosos. A simplicidade é o melhor meio de sugerir poder. É também conveniente manter um certo grau de desordem, o suficiente para dar a entender que somos pessoas muito ocupadas, mas não o suficiente para parecer que somos desmazelados. Um belo toque é deixar abandonadas duas ou três pastas com a anotação de "Confidencial" e retirá-las de vista logo que uma visita as tenha notado. Pilhas de revistas dão uma boa impressão, particularmente se têm porções de papel. entre as folhas, como se fosse para futura referência. É preciso, no entanto, tomar cuidado para que não sejam revistas como Playboy ou Penthouse - Foreign Affiairs dá um certo prestígio, Psychology Today sugere interesse por estilos alternativos de vida, uma grande pilha de Fortune parece muito bem e Forbes dá a impressão de sério interesse por dinheiro, o que nunca é má idéia. Os aparelhos de televisão tornaram-se populares como símbolos de poder, talvez porque o falecido Lindon B. Johnson tinha três no seu gabinete (assim, conseguia ver-se em três canais ao mesmo tempo). Acredita-se que um aparelho de televisão no gabinete tem conotação com um interesse ardente pelos eventos do dia-a-dia e pelos acontecimentos internacionais (ninguém vai supor que o proprietário fique vendo reprises de "I Love Lucy" durante as horas de expediente) e significa também que o ocupante do gabinete trabalha em horas irregulares e inusitadas, o que é sempre um sinal de poder.

Na verdade, os objetos semi-domésticos constituem um símbolo muito bom de poder, por sugerirem que o gabinete é uma espécie de lar fora do lar e não apenas um lugar em que se vai trabalhar das nove às cinco, nos dias úteis. Mesmo aqueles que vão religiosamente para casa as cinco e meia gostam de dar a impressão de que ficam até as oito ou nove da noite - é isso que explica a popularidade dos rádios, dos rádios-relógio, bares, pequenas geladeiras, liquidificadores, almofadas de aquecimento, barras para exercícios e balanças Health-O-Matic, tudo isso objetos que eu já vi em gabinetes de algumas pessoas. Os pequenos fogões portáteis, por outro lado, estão fora, pois dão a idéia de que não se tem suficiente autoridade para mandar a secretária buscar café fora.

Deveríamos estabelecer uma categoria especial de equipamento de gabinete para o meu amigo Tim Hennessey, um próspero executivo de vendas, que tinha um sofá-cama conversível instalado na sua sala. Isso era um símbolo duplamente expressivo de poder, pois sugeria que ele tinha de trabalhar tanto fora de hora, que era forçado a passar a noite no gabinete; e ao mesmo tempo sugeria que o seu sucesso sexual com as funcionárias era tal que justificava o fato de ter à mão um sofá-cama. Até onde eu sei, o objeto nunca era aberto, mas o seu possuidor adquiriu uma valiosa reputação de esforçado trabalhador e de macho audacioso, tornando-se, da noite para o dia, uma figura lendária. Hennessey tinha também um cadeado no telefone particular, um pequeno toque de distinção, que na verdade impressionava muita gente, e um reostato debaixo da mesa, que lhe permitia diminuir as luzes, em parte porque ele imaginava que isso poderia facilitar a sedução, e em parte porque gostava de pensar que, diminuindo e aumentando a intensidade da luz durante as reuniões, poderia convencer os executivos mais velhos de que estavam ficando cegos. Foi ele também a primeira pessoa no ramo editorial a ter três relógios de parede, um para a hora de Nova York, outro para a hora da Califórnia e um terceiro para a hora de Londres, sugerindo uma amplitude internacional para as suas funções, que era pura imaginação.

O PODER DO TEMPO

Os relógios, quer de parede, quer de mesa, quer de pulso, são de fato os maiores símbolos de poder; o tempo, num sentido muito real, é poder.

Para quem trabalha em regime horário, tempo é dinheiro, em sentido direto. Os analistas, por exemplo, consideram inevitavelmente o dia como um todo dividido em tantas sessões horárias (na realidade, vinte e cinco minutos), a tanto por hora. Os analistas freudianos tendem a manter um certo poder sobre os seus clientes, não tendo um relógio à vista - o paciente sabe que a sua hora terminou, quando o analista lho diz, aumentando assim o controle do analista sobre o paciente, que dificilmente poderia olhar o seu relógio e assim é mantido em suspense, sem a certeza de quanto tempo lhe levou arrastar para fora da mente um sonho aborrecido, ou comprimir em poucos minutos toda uma vida rica em experiência.

O maior cumprimento que um executivo ocupado pode fazer a uma visita é pegar ostensivamente o relógio e colocá-lo de mostrador para baixo, em cima da mesa. E um jeito de dizer: "O meu tempo lhe pertence, enquanto o sr. precisar de mim". Pelo contrário, tirar o relógio de pulso e colocá-lo sobre a mesa, com o mostrador para cima, é um jeito de anunciar que se é uma pessoa muito ocupada e não se pode perder muito tempo com problemas alheios; portanto a visita fará bem em expor o seu caso rapidamente e ir embora.

Pessoalmente, eu sou um tal tirador e colocador de relógio no pulso, que tenho de ir regularmente à Cartier para proceder a um reaperto, e muitas vezes consigo deixá-lo sobre a minha mesa, ou até mesmo sobre a mesa de alguém (deixar o relógio na cama de outra pessoa constitui uma coisa perigosa, que leva a cenas e divórcios).

Um executivo que eu conheço tem na parede um grande relógio de piscina, com algarismos de cinco centímetros de altura e um ponteiro suplementar que faz "clic", para lembrar o passar do tempo. Está colocado precisamente em frente da visita, significando que o tempo é mais importante do que ela, e exerce sobre a maioria das pessoas o mesmo efeito que as palavras escritas na parede durante o desafortunado banquete de Balthazar ("Deus contou os dias do teu reinado e pôs-lhe fim"). Este efeito um tanto opressivo pode ainda ser reforçado, incumbindo-se a secretária de entrar, a espaços regulares, para anunciar que o chefe está atrasado, ou que Edward Bernett Williams está lá fora esperando para ser recebido, mas o jogador consumado do tempo não precisaria de nada tão óbvio quanto isso para confundir um visitante e despertar nele uma terrível sensação de culpa por desperdiçar o precioso tempo de uma pessoa ocupada.

Os advogados, que normalmente estabelecem a sua remuneração numa base de tempo, dispõem de uma técnica própria para evidenciar a sua importância. Ao mais modesto nível, eles têm relógios na sua frente, sendo o status revelado pela espécie do relógio. Um relógio redondo, com a parte de cima em forma de cunha, trabalhando a bateria, que assenta sobre a mesa e só é visível ao próprio advogado, parece ser o favorito, embora eu admire muito um causídico que tenha um complicado Atmos suíço em caixa de vidro, sobre a mesa, com o mostrador de frente para ele, deixando o cliente ficar hipnotizado pelo movimento incessante do pêndulo de bronze e pelo "clic" das rodas e das engrenagens, sem jamais poder ver que horas são. Neste palco de poder, o advogado precisa saber quanto tempo o cliente esteve com ele, mas prefere que o cliente não saiba. Os advogados mais importantes anunciam que o seu tempo é caro colocando um relógio de frente para o cliente, sendo os relógios digitais os preferidos dos advogados de empresa, e os antigos, barulhentos relógios do vovó e da estrada de ferro os preferidos dos advogados mais tradicionais, da velha guarda. Os advogados mais importantes simplesmente não têm relógio. Isso quer dizer que cada cliente que recebem está em regime de consulta e, se não está, tem uma secretária lá fora tomando nota. Os advogados divorcistas, que têm que escutar um infindável Angst pessoal dos clientes, como os analistas, parecem não ter relógios, nem de pulso, embora um que eu conheço possua um Mickey Mouse que nunca exibe, alegando como motivo que isso o torna uma figura simples, que não amedronta, em vez de um símbolo de poder, ou um marido.

Tal como existe moda nos relógios de mesa e de parede, existe moda nos relógios de pulso, que podem revelar muita coisa acerca da pessoa que os usa. Na Costa Ocidental, o relógio-símbolo-de-poder deverá ter as letras do nome do dono impressas no mostrador em vez dos algarismos, embora isso só funcione quando se tem um nome de doze letras, como Ernest Lehman, o produtor de cinema; a não ser que se abrevie o nome, como Irving Mansfield, o volúvel marido da falecida Jacqueline Susan, em cujo relógio se lê "Irv Mansfield". Esta moda não parece ter vingado em Nova York, onde o relógio de status é ainda o velho Cartier, com uma daquelas pulseiras de ouro articuladas, que é quase invisível, a não ser para o conhecedor, para aquele que sabe. No seu conjunto, porém, as pessoas que usam relógio dividem-se em duas categorias básicas: as que gostam de relógio impossível de ler, por não terem algarismos ou terem apenas quatro pontinhos quase invisíveis; e as que gostam da espécie de relógios usados pelos astronautas, pelos pilotos e pelos mergulhadores, com enormes mostradores luminosos e anéis de bizel, permitindo computar quanto ar ainda resta ou que horas são pelo meridiano de Londres, caso se precise saber essas coisas. Um executivo que eu conheço usa um relógio que realmente marca o tempo em Londres e Nova York simultaneamente, simplesmente carregando-se num botão, mas a minha experiência me ensinou que quanto menos poderoso é o executivo, mais complicado é o relógio. O mais baixo grau de poder é o daqueles que usam calendários na pulseira do relógio, indicando duas coisas: que ele não tem meios para comprar um relógio de ajuste automático da data; e que se trata de pessoas a quem é preciso lembrar que dia é hoje. Um relógio complicado como o Rolex Submariner geralmente quer dizer que o portador é vítima de grande ansiedade pelo tempo, e por isso está muito em baixo na escala do poder. Os executivos mais poderosos usam relógios que mal chegam a indicar as horas, tão finos são os ponteiros e tão obscuros os sinais do mostrador, As pessoas realmente seguras de seu poder às vezes o revelam pelo fato de não usarem relógio, confiadas em que, de qualquer modo, nada de importante pode acontecer sem elas.

Os estilos de uso do relógio de pulso são muito limitados - afinal, apenas temos dois pulsos - mas eu tenho notado que muitos homens usam agora o relógio do lado de dentro do pulso, afetação essa que me intrigou algum tempo. Na minha juventude era um desses misteriosos costumes militares britânicos, como um lenço enrolado na manga direita do casaco, e indicava que se pertencia à casta profissional dos oficiais. Acho que os oficiais usavam seus relógios do lado de dentro do pulso para que o mostrador luminoso não pudesse ser visto pelo inimigo durante a noite, ou possivelmente para poderem ver as horas enquanto seguravam as rédeas do cavalo com a mão esquerda (muitos gestos militares afetados foram inspirados pela cavalaria). Nenhuma destas razões me pareceu aplicável aos modernos homens de negócios, que dificilmente poderiam ter sido influenciados pelas tradições de vestuário de Sandhurst ou Carnwell, mas uma observação mais atenta acabou revelando que esse hábito tem a sua razão de ser no mundo moderno. Um homem com o relógio do lado de dentro de seu pulso esquerdo pode jogar o braço em volta de uma mulher e beijá-la, olhando para o relógio, que nesse momento estará em frente dele, mais ou menos ao nível da orelha da mulher, sem poder ser visto por ela. Este hábito pode ser observado em muitos bares do centro da cidade e restaurantes, à hora do almoço, quando os homens têm que tomar a decisão difícil de ficar e sugerir uma tarde na cama, ou voltar para o escritório e responder suas chamadas telefônicas. Seria, evidentemente, um gesto de imaturidade olhar abertamente para o relógio; no entanto, até certa altura - digamos uma e quarenta e cinco, ou quando se chega ao momento de pedir o café - é preciso saber que horas são e proceder de acordo. Um braço em redor dos ombros e um beijo rapidamente indicará se a proposta tem probabilidade de obter sucesso e, simultaneamente, caso o relógio esteja na posição correta, se se tem tempo para ir em frente.

O tempo tem as suas próprias regras, suas próprias vitórias e derrotas, os seus próprios símbolos. Numa cidade como Nova York, Chicago ou Los Angeles, você pode ver todos os dias os perdedores, se quiser, à hora do almoço, sentados à mesa de restaurantes (geralmente, perto da entrada - os vencedores sentam-se tão longe da porta quanto possível), olhando para os seus relógios, como se tivessem todo o tempo do mundo e pretendessem almoçar sozinhos. São pessoas que chegaram na hora combinada e vão ficar esperando pelo menos meia hora, porque o convidado, ou quem convidou, ainda está ao telefone do escritório, enquanto eles já vão no quarto Rye-Krisp e lamentam não terem trazido uma revista consigo.

Naturalmente, os almoços e as refeições em geral são muito ligados a conceitos de tempo. O falecido M. Lincoln Schuster, por exemplo, tinha o hábito de cumprir quatro compromissos para o almoço com o almoço de um só dia: mareava com diferentes pessoas no mesmo restaurante e tomava a sopa em uma das mesas, o prato principal em outra, a sobremesa em uma terceira e o café na última. Se se tratasse de um bebedor, poderia ainda ter conseguido tomar um coquetel de aperitivo com uma quinta pessoa. Conseguir agüentar esta corrida de estafeta gastronômico exige um estômago de ferro ou indiferença total pela comida.

O truque de poder quanto a compromissos para almoços, além de garantir que ninguém nos deixará esperando (nem que tenhamos que jogar às escondidas numa cabina telefônica para vigiar a porta do restaurante), é ganhar a batalha preliminar marcando o encontro para uma hora de nossa escolha; e nas grandes empresas, especialmente as das grandes cidades, gasta-se uma boa parte da manhã para determinar se o encontro deverá ser às 12h30, às 12h45 ou às 13h00; a questão é que quem se propõe a ganhar deve estabelecer a hora e conseguir chegar depois da outra.

Seja num restaurante ou em qualquer outro lugar, o aspecto mais importante do jogo do tempo é fazer esperar os outros, seguindo o familiaríssimo exemplo de não falar a um telefone enquanto a outra pessoa não esteja na linha, luta esta pelo poder suscetível de ocupar muitos minutos que de outro modo ficariam improdutivos no dia de um executivo muito ocupado. "Dê um toque para mim quando X estiver na linha", diz o jogador de poder, enquanto X está, naturalmente, dizendo à sua secretária para lhe dar um toque quando Y estiver na linha. Alguns jogam esta espécie de jogo atendendo eles próprios todas as chamadas, pedindo a quem chama para esperar "apenas um segundo", e deixando-o à espera ate que haja três ou quatro na fila. Quem joga a sério o jogo do poder jamais estará livre da tirania do tempo, nem deseja estar, pois uma agenda muito congestionada, além de despertar uma certa sensação de importância, constitui uma escusa perfeita para não se fazer seja o que for que os outros desejam que se faça. Uma agenda sobrecarregada é prova de poder e por essa razão a maioria dos poderosos prefere blocos de agenda pequenos, mais fáceis de encher e que dão a impressão de uma atividade frenética, especialmente se a letra é bem grande. Um dos melhores símbolos de poder é um diário de mesa que mostre toda a semana com uma só olhada, com cada centímetro quadrado de espaço escrito ou cortado por uma cruz. Isso é a evidência visível de que se está ocupado - demasiado ocupado para receber alguém que está ansioso por apresentar uma queixa ou fazer um pedido inoportuno. Ao mesmo tempo, proporciona oportunidade de se fazer um favor, cortando um compromisso já tomado e escrevendo a lápis o nome de alguém que deseja ser recebido. Uma inspeção mais atenta de tais diários revela que muitos dos apontamentos dizem "terno cinzento para a lavanderia" ou "aniversário de Betsy - presente? ", mas o efeito à distância é terrivelmente estimulante.

Muitos executivos vão para o trabalho vagarosamente, parando para olhar as vitrinas e detendo-se para dar uma olhada nas garotas bonitas, mas, tão logo cruzam a porta giratória dos seus edifícios de escritórios, transformam-se numa espécie de Groucho Marx corcovado, como se quisessem correr mas se sentissem constrangidos a evitar um passo apressado, capaz de impedir a respiração. Quando estão chegando aos seus gabinetes, estão se movendo com alta velocidade, e já vão ditando enquanto lutam para se livrar dos sobretudos. Homens que poderiam muito bem se permitir dispor de uma hora para chegar ao aeroporto para pegar um avião, perderão alegremente o tempo até terem que fazer uma partida dramaticamente apressada, gritando instruções de última hora enquanto vão descendo para o hall, perseguidos até o elevador por pessoas com mensagens telefônicas e cartas para serem assinadas.

Uma outra tática excelente é marcar meia hora para reuniões que se sabe levarão pelo menos uma hora, de modo que as pessoas que chegam para serem recebidas em seguida são obrigadas a esperar, sem saberem muito bem quando chegará a sua vez. Esse é o famoso jogo do "espere por aí", em que as pessoas são aconselhadas a "esperar" por uma reunião que deveria se realizar às dez da manhã e provavelmente não acontecerá até à tarde, ou talvez tenha que ser adiada para a semana que vem. Nesse meio tempo, evidentemente, tais pessoas são mais ou menos obrigadas a ficar por perto dos telefones e talvez tenham que cancelar seus compromissos para o almoço.

Quanto mais ocupado se estiver, mais facilmente se pode impor aos outros o nosso horário; e quanto mais se impõe aos outros o horário da gente, mais poder se tem. De fato, poderíamos definir o poder como uma situação em que mais pessoas se incomodam por nossa causa, do que pessoas por causa das quais nós seríamos capazes de nos incomodar. No topo da pirâmide do poder - o presidente dos Estados Unidos, por exemplo - quase toda a gente tem que esperar, ficar sem almoço, "aguardar por aí", ou oferecer jantar com mulher bonita em hora do poderoso. Há motivo para duvidar, por exemplo, de que todo mundo na Casa Branca necessariamente deseje almoçar correndo, para voar para Camp David no helicóptero presidencial, à última hora, cancelando seus planos de fim de semana e suas partidas de golfe. Mas, quando o poder acena, a maioria das pessoas segue, à custa do próprio conforto e sacrificando sua vida privada. O importante é nos conservarmos em movimento e arrastar em nossa esteira tanta gente quanto possível.

Um horário apertado é uma garantia de poder, como qualquer um pode avaliar pela descrição da partida de David Rockefeller do seu gabinete. "O homem que toma conta da garagem no edifício do Chase Manhattan Bank tinha estado alerta. Quando viu David Rockefeller deixar o Banco da Reserva Federal dos Estados Unidos... gritou: "OK, Chester!" (8) Mal Chester tinha arrancado com a limusine Cadillac grená, já o sr. Rockefeller estava dentro dela (seus auxiliares esperavam dentro do carro, tendo, presumivelmente estado lá sentados durante horas, na garagem do subsolo, para estarem prontos para aquele momento) e, abrindo sua pasta de papéis rotulada de "Para Ação Imediata", principiava a dar suas ordens para aquela tarde, a caminho do helicóptero que o esperava com o rotor já em movimento, para o levar a um coquetel em Albany".

Poder-se-ia perguntar se um coquetel em Albany mereceria tal esforço de mobilização, mas, merecesse ou não, os elementos do poder tempo estão perfeitamente exemplificados na corrida sem fôlego do sr. Rockefeller para o helicóptero, envolvendo o tempo do piloto; de Chester; do motorista; dos auxiliares que tinham estado à espera no carro; do encarregado da garagem, que dera o aviso a Chester; e provavelmente de outras pessoas em ambos os extremos da jornada, todas em regime de "aguarde por aí" durante horas, para fazerem chegar um homem a um coquetel. O poder de David Rockefeller não teria sido colocado em evidência, se ele tivesse saído a pé do seu gabinete, com tempo suficiente para assobiar a uma garota que passasse, para comprar uma barra de chocolate e um exemplar do Penthouse e dirigir-se ao heliporto de Wall Street sem chegar atrasado. Quanto mais alto se chega, mais valioso deve parecer o nosso tempo.

Estreitamente ligado ao tempo está a habilidade para levar as outras pessoas a fazerem por nós as coisas desprezíveis da vida. Os homens não pedem às suas secretárias uma xícara de café necessariamente por serem preguiçosos, ou por machismo chauvinista, ou porque não saibam onde está a máquina de fazer café. Irmos nós próprios buscar uma xícara de café é sinal de que o nosso tempo não é assim tão importante, pois pode ser desperdiçado com inconseqüentes afazeres pessoais. Pessoas conscientes de seu poder deverão, em vez disso, sentar-se às suas mesas com os olhos fechados, "pensando", sem se levantarem para ir buscar o seu café, ou a sua toalhinha de papel, ou a sua correspondência. Em casos extremos, essas pessoas se "libertam" de quaisquer tarefas triviais; como dizia John Z. DeLorean, o flamejante ex-gerente geral da divisão de caminhões da General Motors: "Não me consta que os chefes de Estado de muitos países admitam proximidade. Viaja-se como um xeque do petróleo". Os executivos seniores da GM deslocam-se em jatos particulares, são transportados em limusines, dispõem de time de homens de relações públicas que partem um ou dois dias antes de suas visitas, para se assegurarem de que tudo está em ordem, marcarem as suítes dos hotéis e "terem a certeza, entre outras coisas, de que há flores nos devidos lugares".(9) A Fortune noticiou que um homem de RP descobriu uma mancha suspeita, que lhe pareceu de sêmen, num sofá de uma suíte reservada para o presidente da GM, e gastou a tarde que precedeu a chegada do grande homem limpando o estofo com o lenço.

Nem todos podem aspirar a este isolamento da vida do dia-a-dia, mas ele representa o supremo símbolo do poder em nossa cultura - a noção de que não se tem tempo para pequenos detalhes e de que o nosso conforto e a nossa comodidade são de responsabilidade dos outros.

Dizia um executivo, "Eu sempre associei, de algum modo, poder com limpeza, talvez porque, no fundo de nossos corações, todos temos medo de voltar a cair no trabalho manual, de voltarmos a sujar as mãos, como nossos pais e avós. Desde sempre venho notando que os poderosos parecem nunca se sujar. Consideremos um dia de chuva na cidade: todo mundo chega com as calças amarrotadas e os sapatos molhados, mas quem tem poder surge, magicamente, com vincos de gume de faca afiada e sapatos secos faiscando. Como é que conseguem isso? Eu não sei. Nem mesmo posso imaginá-lo e suponho ser essa a razão pela qual estou aqui neste andar de baixo, enquanto eles estão lá em cima. Será que eles mudam de roupa quando chegam ao escritório? Será que caminham dentro de envoltórios selados de plástico? Será porque não têm que pegar o metrô e ficar à espera na parada do ônibus da Quinta Avenida, debaixo de chuva? Quem sabe! Mas a verdade é essa - eles mantêm essa aparência mágica impecável, nunca suam, ninguém os vê chegar depois de um táxi ter jogado um esguicho de lama para cima deles. Bem sei, cá no meu íntimo, que isso não é inteiramente verdade, que muitas dessas coisas têm algo a ver com limusines e aviões da companhia e coisas que tais, mas, para mim, homem poderoso é sempre aquele que consegue ir ao trabalho sem meter o pé numa poça. Depois de tudo dito e tudo feito, é como na velha canção de vaudeville acerca do sex-appeal: "Há quem tenha e há quem rijo tenha; eu tenho".