Capítulo Sexto

O EXERCÍCIO DO PODER

Os que estã empenhados na luta sempre a superestimam, sempre exaltam a sua própria iniciativa - mas tudo que pretendem é o poder brutal, bestial, material... essa velha estúpida escalada do ambicioso em busca de poder, do escalador em busca de um lugar ao sol...
Hermann Hesse
THE GLASS BEAD GAME

Sou transigente e negociador. Pretendo obter algo. É assim que o nosso sistema funciona...
Lyndon B. Johnson
NEW YORK TIMES, 08-DEZ-1963

 

No mundo dos negócios, é possível levar-se uma vida de rico, integralmente, sem ter que contratar, despedir, aposentar ou promover seja quem for; de fato, algumas empresas mantêm na folha de pagamento alguns "homens-machadinha" para poupar aos executivos seniores essas tarefas difíceis. No entanto, para quem pretenda ter poder, isso também são atos a serem praticados.

Em determinadas circunstâncias, o poder tem que ser posto à prova e isso só pode ser feito exercendo-o sobre os outros, de um modo que eles raramente apreciarão. Alguns gostam desta aplicação direta do poder, mas são poucos; para a maioria, constitui o preço, desagradável mas necessário, do sucesso. Por exemplo: quase toda a gente prefere encontrar um meio indireto de despedir alguém, em vez de o fazer numa confrontação cara a cara, talvez porque todos podemos imaginar o que seria sermos despedidos e termos a sensação melancólica de pressentir os caprichos incertos do destino. Do mesmo modo que a morte alheia desperta na maioria das pessoas a sensação da própria mortalidade, a presença de alguém prestes a ser despedido perturba e enerva até os mais poderosos executivos, a maioria dos quais é meio inclinada a temer que o fracasso possa ser contagioso. Em nosso tempo, fizemos um acordo com a morte na esfera privada, escondendo-a em "casas mortuárias"; na esfera pública, fazendo da matança em massa um evento de mídia ou uma curiosidade histórica. O que tememos não é tanto a morte como fracasso; apenas consideramos o fracasso uma espécie de premonição de uma perda maior e mais definitiva, que há de vir - a perda do poder. As mortes de nossos contemporâneos, se nos é permitido exprimir a verdade de nossos sentimentos, não nos chocam tanto quanto as notícias de eles terem perdido os seus empregos ou terem sido forçados à aposentadoria compulsória. Em compensação, a morte é muitas vezes encarada como bem-vinda libertação da impotência e do fracasso. Enfim, perdido o poder, que outra coisa resta para ser feita, senão morrer?

"TENHO MÁS NOTICIAS PARA VOCÊ..."

Demitir pessoas é uma coisa relativamente simples, desde que antecipadamente consigamos nos persuadir de que o demitido foi para a rua por incompetência, ou por ter cometido um abuso tão grande, que a demissão é virtualmente um ato de piedade. É sempre interessante ver como aqueles que estão no poder tendem a se enraivecer contra alguém que pretendem demitir e como, prontamente, voltam a gostar da pessoa, uma vez consumado seu ato de a demitir, simplesmente por se sentirem aliviados ao acabar com aquilo. Parte da habilidade em despedir eficientemente reside na capacidade de inventar motivos pelos quais a pessoa merece ser despedida; entre eles, os mais persuasivos são, evidentemente, pessoais e irracionais. As pessoas que têm que despedir muita gente insensibilizam-se para isso inventariando cuidadosamente os traços de caráter desagradáveis da vítima, as roupas e as características físicas, e procurando no passado esquecidas ofensas e descortesias. A verdadeira razão pode ser ineficiência, corrupção ou estupidez, mas essas causas válidas raramente bastam àquele que tem que despedir. É preciso algo de pessoal. A vítima pode ter perdido todas as pastas importantes do escritório, ou pode ter sido responsável pela perda de milhares de dólares, mas o que finalmente possibilita que nos vejamos livres dela é o fato de usar sapatos castanhos com terno azul, ou mastigar ruidosamente os cubos de gelo da bebida, ou ter um olhar matreiro. Ninguém é tão cuidadosamente observado como quando está prestes a ser despedido. Quando alguém desempenhou caladamente uma função em relativa obscuridade, sem atrair muito as atenções e sem ofender ninguém, e de repente descobre que a importância do seu trabalho aumentou aos olhos dos outros, isso pode constituir um sinal de que a sua demissão está iminente.

Um executivo sênior conta o seguinte acerca de um assistente de chefe de departamento, moço agradável e respeitado, cujas funções mais ou menos nebulosas se afiguravam uma boa oportunidade para principiar a fazer economias, quando do alto chegou ordem para "cortá-lo": "Todo mundo gostava de Martin, mas ninguém sabia exatamente o que ele fazia. Ninguém poderia dizer que ele estava desempenhando mal as suas funções, porque não se sabia explicar que funções eram essas; apenas se sabia que ele guardava uma quantidade de atraentes mapas de parede, com marcadores coloridos, geralmente lembrando às pessoas coisas que elas já tinham feito, ou deviam ter feito há muito tempo mas não fizeram. A partir do momento em que o comitê de administração principiou a considerar o moço como "material a mandar para a rua", o seu lugar foi elevado a função importante no âmbito da gerência, como se este pobre bastardo, que vinha ganhando doze ou quinze mil dólares, fosse o responsável por todos os azares de uma companhia de muitos milhões. Martin foi transformado em bode expiatório, sem mesmo dar por isso, e as altas patentes da casa, que nem sabiam quem ele era, principiaram a descobrir cada erro cometido nos últimos anos nos quadros de parede de Martin, para os quais nunca ninguém tinha olhado antes. Até então, ele tinha sido um cara de quem todos gostavam, mas em breve todos principiaram a se queixar de tudo a seu respeito, desde os sapatos raspados até a forma do rosto. Todos os hábitos que o tinham tornado benquisto às outras pessoas, ou pelo menos tinham conseguido tornar a sua presença tolerável, passaram a irritar essas mesmas pessoas. Martin tinha sido sempre um homem calmo, uma personalidade de características positivas, durante todo o tempo em que ali foi desejado, mas agora era acusado de preguiçoso e desinteressado. Tinha sempre sido pontual, e um executivo queixava-se de que ele era o tipo do sujeito que chega a tempo para fazer esquecer que não faz coisa nenhuma. Como nunca tinha sido puxa-saco, agora chamavam-no de "fica-de-fora", de "conviva piolhento" , de "neurótico incapaz de conviver". Quando chegou a hora de dar-lhe a má notícia, cada membro do comitê tinha conseguido se persuadir de que Martin era uma espécie de desajustado ou de psicopata, ou que tornava mais fácil mandá-lo para a rua. Nunca ninguém lhe prestou tanta atenção como nas últimas semanas antes de lhe darem a machadada."

Ninguém gosta de despedir - é isso que explica o fato de todas as empresas estarem cheias de gente que, pelas normas racionais de eficiência e de senso comum, deveria ser despedida. Um amigo meu, normalmente não supersticioso nem desagradável, explicou-me um dia a razão por que não gostava de se sentar junto de um colega cuja demissão fosse inevitável. "Não quero ficar muito perto dele, para evitar que a má sorte me contagie." Este receio é muito comum e, para muitos, o primeiro sinal de que o futuro do seu emprego está sendo "discutido" é sentirem-se de quarentena, votados ao ostracismo. Os outros cumprimentam-nos com um pouquinho de cordialidade, mas, enquanto o fazem, vão logo atravessando cuidadosamente para o outro lado do corredor, para não ficarem muito perto. Quando entram numa sala, estabelece-se silêncio e surge uma certa relutância em alguém ocupar as cadeiras ao seu lado, durante uma reunião. "Eu soube que estava despedido", disse-me um executivo, "quando estava esperando o elevador, depois do trabalho, e um sujeito que eu conhecia saiu, me viu ali e disse "tenho que voltar para buscar uma coisa que esqueci", em vez e compartilhar o elevador comigo. No dia seguinte, principiei a telefonar, à procura de outro emprego."

A MITOLOGIA DAS REUNIÕES

Além de nos preocuparmos, em termos humanos, com aqueles que são despedidos, e além da empatia que eles possam nos despertar, existe um significado ritual do despedimento. Há um toque de exorcismo a respeito: a esperança de que, sacrificando-se uma pessoa, os deuses se dignem sorrir para as restantes. Quando as coisas estão indo mal, as pessoas se deixam levar não tanto pela preocupação de cortar uma verba no orçamento (os funcionários despedidos certamente serão substituídos por outros, trazidos de fora, com salários mais altos), como pela satisfação da necessidade de um sacrifício ritual, semelhantemente aos tânitas, que em outros tempos eram massacrados, no solstício do inverno, e seu sangue espalhado para que as árvores frutificassem, as searas vingassem e os rebanhos aumentassem, na esperança de uma farta colheita na primavera. (1)

O ato de demitir tem, por conseguinte, uma temerosa potencialidade para além da má sorte do indivíduo em questão, ou da justiça da decisão, e destina-se a levar o detentor do poder a sacrificar o impostor tribal simbólico, diante dos olhos de seus subordinados. Como a sacerdotisa ritual da Europa pré-helênica, o despedidor tem que praticar pessoalmente o sagrado ato, residindo na escolha da vítima certa a sobrevivência de sua tribo ou de seu grupo. Tal como a vítima de outrora costumava levar consigo para a morte os símbolos de todas as culpas, de todos os crimes e de todas as desgraças do solstício anterior, para que desaparecessem com ela, purificando a tribo, assim a pessoa a ser demitida, como vimos, tende a aumentar de importância anteriormente à demissão, para poder ser responsabilizada por tudo de mau que tenha acontecido.

Todo poder é ritual e mítico, tal como sempre foi, e quem procura poder deve estar preparado para praticar os seus rituais, e ocupar o seu lugar na mitologia local. Certos eventos têm significado totêmico. Uma reunião convocada por uma pessoa para um fim específico realiza-se por causa do motivo da convocação - ou por causa da pessoa que a convoca. Mas as reuniões regulares, quer de comitês com sessões em datas marcadas, quer de conselhos de diretoria, reuniões essas que não se realizam a capricho de uma pessoa mas obedecem a uma pauta, automaticamente se revestem de significado mágico. De um ponto de vista, representam a reunião dos velhos da tribo, nomeados por si próprios ou por alguém mais; mas, de outro ponto de vista mais profundo, simbolizam a alma e a continuidade da tribo, razão pela qual é tão difícil mudar-lhes a data ou o local. Não é necessário que tais reuniões sejam produtivas, ou mesmo que nelas se discutam questões substantivas; apenas é necessário que se realizem, para que o ritmo da vida tribal se mantenha sem solução de continuidade. Sem essa rotina, a vida se tornaria caótica, desorganizada, e não existiria calendário de eventos para ordenar o trabalho.

Quem joga o jogo do poder tem noção disso, mesmo inconscientemente, e toma medidas para transformar todas as reuniões que controla em encontros regulares, tão cedo quanto possível. Com o hábito, até as mais disparatadas e inúteis reuniões se tornam um rito, investindo a pessoa que se "apodera" delas no status de velho da tribo. Do ponto de vista do poder, é muito menos vantajoso presidir reuniões esporádicas, quando sejam necessárias, por mais urgentes e produtivas que possam ser. O importante é arranjar uma finalidade para a qual possa legitimamente ser convocada uma reunião, e depois tomar providências para que ela se realize na data marcada e no mesmo lugar, ficando devidamente registrada na agenda de todo mundo, quer exista quer não exista algum assunto de negócios para ser discutido. Uma vez que todos os convidados para a reunião são obrigados a considerá-la importante (se não fosse o que é que eles iriam fazer lá?) em breve surgirá alguém sentindo fel de ressentimento por não ter sido convidado para tomar parte, e isso dará à pessoa que preside uma chance para fazer favores e impor a sua autoridade, convidando mais uns tantos co-participantes. Há um limite para o número de pessoas que podem ser convidadas para uma reunião - se ela perdesse a exclusividade, perderia o poder - mas não há limite para o número de reuniões separadas, com diferentes finalidades, que possam ser criadas por uma pessoa imaginativa. Mais cedo ou mais tarde, todos podem co-participar de alguma reunião, e evidentemente haverá quem co-participe de tantas, que pouco tempo lhe resta para qualquer outra coisa. Mas precisamente o número de reuniões a que se comparece assegura que uma pessoa é considerada importante também pelos superiores, até porque não tem tempo suficiente para se tornar um rival dos que detém o poder. E é também um modo de manter os olhos abertos em relação a rivais potenciais ou a descontentes.

A participação em ritos de grupo representa a forma de iniciação na estrutura do poder tribal. E possível haver quem trabalhe durante anos, sem receber essa iniciação, que pode chegar de diferentes maneiras. Ser escolhido para diretor (não, evidentemente, um diretor vindo de fora) é uma forma de iniciação no círculo central do poder simbólico da tribo, e geralmente é assim que se interpreta a escolha. Reuniões para discussão do salário dos outros representam a iniciação no poder autêntico e conferem especial prestígio, tal como certas reuniões sobre política da empresa e algumas convenções. O privilégio talvez mais avaramente guardado, na maioria das corporações, é o de fazer declarações a pessoas de fora, especialmente à imprensa, mas, neste caso, o poder não se liga às pessoas que legitimamente exercem a função. Elas são meros portadores de mensagens - o poder autêntico consiste em passar por cima de tais pessoas e tratar diretamente com a imprensa os assuntos de "política da empresa", ou algum escândalo ocasional. Dispor de um canal de comunicação próprio com a mídia, ainda que seja apenas com a imprensa econômica, propicia enorme vantagem e certamente conduzirá à iniciação no grupo do poder - a não ser que o grupo de poder decida despedir a gente, por não utilizarmos os canais autorizados.

Todas as formas de iniciação obedecem à fórmula de "separa os homens dos mocinhos", mesmo quando os mocinhos na realidade são moças, como tantas vezes é o caso hoje em dia. Nas reuniões, os executivos poderosos instruirão por vezes um júnior, para atacar uma proposta ou um plano de alguém mais; assim, o "homem do poder" terá oportunidade de se mostrar imparcial, escutando dois juniores em debate sobre uma questão, sem ter que tomar conhecimento de que um deles está apresentando o ponto de vista antecipadamente escolhido para levar a melhor, Esta espécie de delegação implica iniciar o executivo júnior nos caminhos do poder, na verdade subornando-o, simultaneamente. Tal procedimento é particularmente eficaz como recurso para mortificar os executivos velhos, à beira da aposentadoria. Pegando gente jovem, com menos poder, e opondo-a aos velhos, é possível fazer sentir aos rivais mais idosos que eles estão sendo ridicularizados e menosprezados; entretanto, quem usa essa técnica mantém a sua fachada calma de imparcialidade. No caso de a confrontação aberta com um dos líderes tribais poder falhar, resta sempre o recurso de o jogador persuadir os membros mais jovens da tribo a fazerem pouco do velho, até que a posição deste seja minada pelo desrespeito vindo de baixo. Uma vez que a dignidade de um executivo sênior não permite a discussão com moços nem com executivos mais jovens, o sênior não tem como devolver o golpe: ele apenas poderia tirar desforço de um igual; não existindo esse igual, está condenado à destruição.

O aspecto ritual dessas lutas pelo poder é sempre um elemento mais importante do que as próprias conseqüências. Muitos homens poderiam chegar ao poder sem eliminar os seus rivais, mas esse poder não seria confirmado, em termos rituais, se eles deixassem de os eliminar. É indispensável um sacrifício para legitimar a promoção - sem ele, o ato está incompleto, como no caso de algumas tribos que exigem que o guerreiro novo se besunte com o sangue de seus inimigos vencidos. Apenas matá-los não seria suficiente - o jovem guerreiro deve juntar a força dos vencidos à sua, se realmente pretende se tomar poderoso, ao jeito dos aborígines dos mares do sul, que costumavam comer a carne de seus inimigos para se tomarem mais fortes, e dos índios americanos das planícies, que colecionavam escalpos para se protegerem com a magia daqueles que tinham matado. Uma vez que a maioria das pessoas em ascensão não está disposta a colecionar escalpos de covardes e de pobres diabos sem importância, torna-se-lhes indispensável exagerar a valia daqueles sobre quem obtiveram seus triunfos. Isso explica por que a mitologia do escritório está tão cheia de lendas acerca de executivos astuciosos e predadores do passado; no entanto, se esses executivos tivessem sido tão astuciosos e tão poderosos, não teriam abandonado o campo e dado lugar a quem os venceu. Apenas acontece que a sua reputação deve ser glorificada, para tomar significativas as vitórias de quem os derrotou.

O RITUAL DO PODER

As refeições, e a comida, de modo geral, oferecem outros exemplos de ritualização. Neste caso, o significado religioso é forte e óbvio: parte-se do princípio de que uma refeição compartilhada estabelece uma noção de unidade, como se conta de despesas do almoço constituísse uma espécie de transubstanciação eucarística. Nós "partimos o pão com todos", "compartilhamos uma refeição", "damos uma mordida no mesmo bocado", em obediência a leis antigas de ritual, em que a hospitalidade desempenha um papel mínimo. Não é tanto o caso de as pessoas desejarem almoçar com fornecedores, colegas, rivais, inferiores, superiores, agentes, vendedores, advogados, contadores, inventores, autores e especialistas em relações públicas; nem é o caso de se acreditar que se possa comprar concordância pelo preço de um almoço - o caso é que existe uma memória inconsciente de que o ato de comer tem significado de intenções pacíficas. Em muitas tribos, e em muitas culturas, o estranho deve compartilhar algo de comer com um membro da tribo, antes de ser aceito. Do ponto de vista tribal, foi-lhe oferecida hospitalidade e, conseqüentemente, foi-lhe imposta uma obrigação; do ponto de vista do estranho, ele anunciou suas intenções, pacíficas e aceitou as da tribo. Realizou-se uma troca, mas essa troca não envolveu comida senão em sentido ritual.

A questão de obrigação é o elemento central de tais ritos, e pode ser apreciada em sua forma mais extrema na cultura tradicional do Japão e na boa vontade da maioria das pessoas para pagarem a conta de um almoço. Trata-se de mostrar civilidade e amizade e, ao mesmo tempo, forçar a outra pessoa a assumir uma obrigação para conosco. Considerado deste ponto de vista, o ato de pagar a conta do almoço - aparentemente provocado por um instinto de generosidade - é, de fato, um gesto disfarçado de agressão. No Japão, esta noção de obrigatoriedade foi sofisticada até se transformar num código complexo de comportamento, ou em que o pagamento das obrigações foi perfeitamente definido e transformado numa fórmula esquemática.(2)

Um sistema rígido, que define exatamente as obrigações de cada um para com o Estado, os amigos e a família, pode muito bem ter tornado a vida mais fácil para os japoneses, libertando-os de todas as embaraçosas dúvidas e complicações de que está cheio o relacionamento social do ocidente, mas é possível notar, por trás da imponente fachada do seu código de boas maneiras, o esqueleto de um complexo jogo de chantagem social semelhante à nossa. O "On" é muito preciso acerca do modo como as obrigações devem ser pagas, até mesmo acerca do prazo em que elas devem ser pagas, mas também deixa bem claro que quem aceita a obrigação fica sendo o perdedor. Os diálogos do On são perfeitos exemplos, em nível ritual, da espécie de lutas travadas, durante o dia inteiro, para impor obrigações aos outros, sem aceitar obrigações em troca. Daí, a nossa notória inabilidade, como cultura, para resolver o problema de quem entra primeiro por uma porta, questão que, em outras sociedades mais codificadas, pode ser solucionada com uma ordem precisa de precedências. Cinco homens, saindo conjuntamente de um escritório, não apenas executarão extraordinárias contorções para encontrar a ordem certa, chocando uns de encontro aos outros, perdendo a sua vez nas portas giratórias e tomando o lugar dos outros, mas repetirão a mesma confusa manobra no regresso. Numa sociedade democrática, nenhuma solução para um problema social é permanente e por isso a ordem tem que ser estabelecida novamente junto de cada porta, sem oferecer chave para o comportamento de amanhã, se os mesmos homens voltarem a ir almoçar juntos. Mais ainda, a complexidade do On, num caso como esse, é infinitamente maior. Em princípio, o homem presente mais velho em idade ou em autoridade deverá ser contemplado com a chance de ser o primeiro a atravessar a porta, e é isso que habitualmente acontece. No entanto, é costume ele recusar a honra, por princípio, para mostrar a sua modéstia, e passar a obrigação para cima de outro. Se esse outro também se recusa a entrar primeiro, o mais velho pode ceder e dar-se ao luxo de entrar. Mas, muito provavelmente, desencadear-se-á uma pequena luta de palmadinhas e empurrões no ombro, entre o mais velho, que tenta não ser o primeiro a entrar, e aquele que ele pretende que o substitua. Este último, evidentemente, está tentando mostrar que não merece tal honra e recusar uma oferta que, bem vistas as coisas, colocará sobre seus ombros uma obrigação para com o mais velho, além de poder desencadear a hostilidade dos outros, que estão à espera. Se ele aceita ser o primeiro a passar a primeira porta, tomará posição junto da segunda para poder assegurar que o mais velho será ali o primeiro, e esperará que todos os outros entrem (ou saíam) para que ele seja o último, libertando-se assim da obrigação que assumiu na primeira porta. Considerando que esta mesma luta se repete com os restantes membros do grupo, cada um tentando entrar (ou sair) atrás do outro (ou à frente, no caso de algumas poucas almas agressivas e ignorantes), compreende-se que existem excelentes oportunidades de confusão, de colisão e de demora, mesmo na mais curta das jornadas.

Há quem leve até à superstição este cuidado em não aceitar obrigações - à mínima oportunidade, tais pessoas estarão ansiosas por fazer favores aos outros, mas determinadas a não aceitar qualquer favor como pagamento. Essas pessoas simplesmente não podem deixar que os outros paguem contas de restaurante, abram a porta para elas, ou lhes emprestem um jornal, como se o simples fato de aceitarem os atos de civilidade normal as colocasse em posição de obrigação ritual para com quem as distingue com esses atos de civilidade. Infelizmente, não estão inteiramente enganadas - o propósito autêntico da civilidade social é colocar os outros em posição de obrigação, por meio de uma atitude que custa muito pouco. Nada torna mais nervoso um jogador do poder do que sentir-se incapaz de recusar, ou de pagar na hora, um favor qualquer. Os jogadores do poder vivem segundo um sistema próprio de On, composto de normas por vezes pessoais e obscuras, mas absolutas. Experimente alguém batê-los no pagamento de uma conta de restaurante, e eles moverão céus e terra para convidar para um almoço a sua custa, tão depressa quanto possível, ou para prestar algum favor não pedido, que pague, a seus próprios olhos, se não também aos dos outros, a dívida contraída. Mais do que isso, esses pagamentos são cuidadosamente graduados na vida dos jogadores mestres, Para manterem uma contabilidade pessoal dos favores recebidos e pagos, eles vão atribuindo um determinado valor a cada transação. Digamos que, na mente da pessoa cujo almoço a gente pagou, uma refeição no Italian Pavillion vale 5 numa escala que vai de 1 a 1O. Nós ganhamos, ao pagar a conta, e ficamos 5 pontos na frente, na sua escala mental, situação que o jogador mestre não pode deixar continuar, porque nós já conquistamos On, ou poder, sobre ele. Ele tem de encontrar um meio de pagar a obrigação com algum favor, ou ato, que não se limite a retribuir os 5 pontos, saldando a dívida e libertando-o, mas que aumente a diferença em seu favor. Se, por exemplo, acontece o nosso aniversário, ele pode nos mandar uma garrafa de champanha, que vale 8 pontos na sua escala, e ficará com a sensação de que, agora, nós ficamos com um On, ou uma obrigação, de 3 pontos para com ele. Pode, portanto, ficar tranqüilo, no que nos diz respeito, embora o seu instinto o leve a pretender aumentar o valor da obrigação tanto quanto possível, até conseguir que a gente lhe deva tanto On, que nunca mais consiga vir a pagar. Para o jogador do poder, as contas devem se manter equilibradas, mas, se isso não for possível, é preciso não dever nada.

A aceitação e o oferecimento de presentes é outro exemplo de comportamento On - poucas pessoas são capazes de aceitar um presente, sem imediatamente ficarem preocupadas com o modo de pagar por ele. Não é por acaso que se diz "você não deveria ter...", quando nos encontramos perante um inesperado presente, nem é por acaso que o Natal desperta uma neurótica intensidade de troca de presente. O instinto de não nos colocarmos em posição devedora para com os outros é tão forte em nós como entre os membros da tribo Ik, de Uganda, onde o homem tenta construir a sua casa às escondidas, durante a noite.(3) As boas maneiras e o costume obrigam os seus vizinhos a ajudá-lo a erguer a casa, e ele fica obrigado, em troca, a pagar o auxilio, dando comida aos vizinhos. Como os Iks vivem em nível de fome, ou abaixo dele, os vizinhos de uma pessoa podem, simultaneamente, cumprir as suas obrigações sociais e matá-la de fome. O contrato social foi cumprido com a ajuda, mas a última coisa que o pretendente a dono de uma casa deseja é assumir tão inoportuna, e na verdade fatal, obrigação. Ele não pode se permitir ser grato, nem aceitar favores, porque entende muito bem os motivos que estão por trás da "generosidade" de seus vizinhos. Muitos de nós têm a sensação de não estar em melhor posição, a este respeito, do que o Ik, embora a fartura nos permita o luxo de pensarmos que não é bem assim. A pior das notícias de Natal é a chegada de um presente ou de um cartão de pessoa a quem não mandamos nada, especialmente se já é muito tarde para comprarmos um presente e mandar de volta, cancelando a nossa obrigação. Fica pendendo sobre nós uma obrigação On, e nós bem o sabemos. Mesmo um presente caro enviado agora à pessoa para com quem nos encontramos em dívida não pagará o nosso On para com ela, e nós podemos vir a nos encontrar na posição de lhe enviar amargamente presentes durante muitos Natais futuros, ou a tomar a decisão de nunca lhes por a vista em cima.

Neste sentido, todos os hábitos sociais são agressões disfarçadas, perpetradas como boas maneiras, mais ou menos ao jeito de Clausewitz quando definiu a guerra como diplomacia levada a cabo por outros meios. Apertamos as mãos uns aos outros para provar que não trazemos armas na mão direita (costume que explica a má reputação dos canhotos como traidores); pomo-nos de pé quando um estranho se aproxima da nossa mesa, não por boa educação, mas porque os nossos antepassados não podiam desembainhar as suas espadas em posição de sentados; e, se acreditamos que os velhos e os mais respeitados devem atravessar as portas em primeiro lugar, é simplesmente porque, em outros tempos, só o mais forte e mais corajoso guerreiro tomava o primeiro lugar, na previsão de uma emboscada, vindo a tomar-se uma honra o "primeiro, você". A troca de obrigações está no mais íntimo de nossas relações com o resto do mundo e pode ser observada em ação em quase todas as situações que envolvam poder.

"...NINGUÉM SUARÁ, SENÃO PARA SER PROMOVIDO"

"Eu gosto da Jarreteira; não há nela nem um pingo de mérito", disse uma vez Lorde Melbourne acerca da mais antiga e mais exclusiva das condecorações britânicas. Esse ponto de vista se aplica às promoções em geral. Quase todos neste mundo têm a sensação de que merecem uma promoção a um posto mais elevado, seja qual for a altura a que já tenham chegado. Uma vez que o número de posições diminui à medida que o nível do poder sobe, a maioria do mundo é automaticamente condenada a viver em desapontamento e em inveja. Este sistema tem muitas vantagens, sendo a principal delas o fato de que, não fora a esperança da promoção, poucas pessoas trabalhariam mais do que o necessário para a sobrevivência. É importante que se acredite que o trabalho leva à promoção, mas, como frisou Melbourne, o mérito é de fato algo que as pessoas, que estão no poder, não gostam.

Visto de cima, o mérito apenas confunde a questão: as razões para promover alguém, que não têm nada a ver com mérito, são sempre as mais persuasivas, quando mais não seja porque são mais fáceis de notar e de lembrar. Os que se penduram acabam subindo. A maioria das promoções se baseia mais num sistema de recompensa à fidelidade do que em qualquer tentativa real de acesso ao mérito. É preciso considerar que ninguém pode ser promovido a um posto, enquanto a pessoa que o ocupa não saia dele, fato esse que é muito simples mas muitas vezes se esquece. Se a pessoa que ocupa o lugar está prestes a ser despedida, então convirá que o candidato se mostre tão diferente quanto possível do atual ocupante do cargo; se o ocupante está prestes a ser promovido, é mais sensato pautar o comportamento pelo dele; se está prestes a se aposentar, pode-se ser como se é. Afinal, se o ocupante está em vias de ser despedido, seus superiores estarão procurando "alguém diferente"; se estão pensando em o promover, estarão pensando em alguém tão semelhante a ele quanto possível, não só porque o têm em alta conta, mas também porque o "material de promoção" será consultado acerca do seu substituto e naturalmente recomendará alguém como ele próprio; no caso de alguém que esteja para se aposentar, a administração será incapaz de decidir o que quer e pode até estar na disposição de considerar o perigoso expediente de "trazer alguém de fora". Convém nunca esquecer que as administrações, tal como os indivíduos, se aborrecem com o que têm e, não estando muito empenhadas em se substituírem a si mesmas, para provocarem mudanças, apenas ficam com o recurso de chacoalhar as coisas abaixo delas. Como um executivo dizia a respeito de um outro: "Ele gosta de mexer a panela, de tempos a tempos, para mostrar quem é que tem a colher".

Para quem está no poder, só há uma coisa mais importante do que promover as pessoas, como exercício de uso da autoridade: demiti-las. Como jogo, a promoção tem a vantagem de envolver muitas pessoas - afinal, como norma, só se pode despedir uma pessoa de cada vez, mas pode haver uma dúzia à espera de serem promovidas a um determinado posto. As oportunidades de jogar alguém contra alguém são infinitas. Mais ainda: essas ocasiões apresentam uma excelente chance de avaliar a lealdade daqueles que estão abaixo de nós. Como dizia o velho imperador Francisco José, da Áustria-Hungria, quando lhe recomendaram um ministro para promoção, alegando que ele era um patriota: "Mas ele é um patriota por mim?" Quando as pessoas estão sendo entrevistadas com vistas a uma promoção o entrevistador, tal como o velho imperador, está procurando lealdade pessoal, tentando determinar em que medida o entrevistado ficará obrigado, na hipótese de conseguir o posto. Trata-se de um diálogo normalmente delicado; poucos chegam ao limite de dizer "eu coloco o lugar ao seu alcance, se você concordar em vir para o meu campo", mas a razão fundamental que está por baixo da promoção é muito semelhante à vassalagem medieval, com cada executivo tentando formar um pequeno exército de torcedores que lhe devam o salário que ganham. Esses torcedores constituem o campo de recrutamento em caso de necessidade e, quanto mais alto estiver o executivo, de maior número deles precisará; mas, quanto mais eles forem, mais difícil será sustentá-los. Como um exército medieval, eles têm que ser vestidos, alimentados, alojados e contemplados com despojos. O líder deles pertence-lhes, tal como eles pertencem ao líder, e as obrigações do líder para com eles são tão fortes quanto as deles para com o líder. Estes grupos existem em todas as corporações e a necessidade urgente de lhes facultar promoções, títulos, trabalho que eles possam executar e aumentos salariais explica muito da incessante atividade e intriga que tornam fascinante a atividade dos escritórios. Dado que existe sempre pressão de baixo e necessidade, da parte de cada executivo, de formar suas colunas de seguidores leais, é sempre muito forte a tentação de criar oportunidades em todos os níveis e isso naturalmente leva a muita despedida desnecessária e a transferências internas que caracterizam a vida das corporações.

A boa norma para os que estão no poder promoverem os outros é manterem absoluto controle do processo. Muitos executivos insistem, com boa razão, em serem os portadores das boas novas e não poucos são viciados em criar falsos rumores, dando esperanças e geralmente espalhando um nevoeiro que toma a situação pouco clara, de modo a manter o mundo em suspense e dramatizar a decisão final. Quanto mais as pessoas estiverem nervosas por causa de uma promoção, tanto mais a apreciarão, se a obtiverem; algumas, inclusive, se sentirão lisonjeadas pelo simples fato de serem incluídas nos boatos. Dando ao maior número possível de pessoas a chance de acreditarem que podem ser escolhidas para um lugar, mesmo que já tenhamos escolhido a pessoa para ele, podemos chamar a atenção de cada um para o nosso poder, transformando, ao mesmo tempo, em sensacional evento uma corrida de um só cavalo. Além disso, como diz um apreciador da arte de administrar: "Você não quer que um cara se torne arrogante, ainda que seja a única escolha possível para um lugar. Faça-o suar um bocado. Ele ficará muito mais agradecido quando conseguir, e isso dará a você uma chance de mostrar quem é o patrão".

Para os que pretendem ser promovidos, há certas normas que convém observar. Em primeiro lugar, a vizinhança ajuda. Se podemos mudar a nossa sala para cada vez mais perto da sala da pessoa cujo lugar desejamos, não apenas essa pessoa se sentirá ameaçada (ou ficará com a impressão de sermos nós os seus sucessores lógicos), mas também acabaremos criando um sentimento de inevitabilidade no espírito daqueles a quem cabe tomar a decisão da promoção. Portanto, vale sempre a pena mudar a nossa sala para mais perto do lugar que cobiçamos. Logo que estejamos instalados no gabinete contíguo àquele que desejamos, os outros aceitarão a idéia de que o próximo passo é nosso por direito de sucessão. Regra geral, o executivo mais próximo daquele que deverá ser substituído é o primeiro da linha sucessória, razão pela qual todas as precauções devem ser tomadas, na direção certa. Os donos do poder, entrando e saindo do gabinete do executivo instalado no canto privilegiado, ver-nos-ão sentados na sala seguinte e naturalmente pensarão que estamos sendo preparados para sucessores desse executivo, enquanto que a pessoa mais preparada para lhe suceder (por outras palavras: quem tem mérito) talvez esteja quatro portas mais além e, portanto, praticamente invisível, em comparação conosco.

Uma promoção deve sempre envolver mudança de sala, ou não trará nenhum proveito dentro de um contexto amplo. Pouca vantagem resulta de se mudar de função ou de se receber um novo título, quando se fica na mesma sala, por mais importantes que sejam as novas responsabilidades. Manter-se instalado dá sempre um ar estático. Em contrapartida, mudar de sala dá às pessoas à nossa volta uma sensação de transformação dramática, como se, movendo-nos para os lados, estivéssemos nos mudando para cima. Mesmo para os mais importantes e mais bem sucedidos jogadores, a promoção que eles mais apreciaram foi aquela que envolveu a mais completa mudança de sala (para um canto, por exemplo, ou para o andar "dos executivos"), sejam quais forem os vários títulos e as promoções que depois tenham obtido. É a mudança geográfica aquela que fica sendo celebrada, porque essa é, simultaneamente, visível e simbólica. Uma promoção pode significar uma transformação importante na vida de uma pessoa, mas se ela implica apenas encomendar novos cartões de visita e mudar de papelada, seu efeito será mínimo sobre a maioria das outras pessoas. O que conta é a nova sala. Poucas pessoas sabem o que significa o novo título de um executivo, ou se importam com isso, ou podem imaginar o que ele significa em termos de poder, enquanto que um novo gabinete pode ser comparado aos dos outros, em termos de tamanho, de ambição de o ter e de decoração. Sei de um homem que conseguiu subir a escada das promoções, chegando eventualmente a uma posição elevada e a um título do mesmo nível, mas sem adquirir nenhum poder autêntico sobre os outros e sem conseguir ser levado a sério pelos seus colegas. Infelizmente para ele, tinha herdado um grande e confortável gabinete logo no princípio da carreira, quando ainda não tinha rigorosamente direito a duas janelas, a um divã de couro ornamentado e a uma grande mesa de jacarandá. Já confortavelmente instalado, ele não tinha vontade de se mudar, além de que também não havia outro gabinete grande para onde pudesse ser transferido. O resultado foi que todas as suas promoções tiveram um ar de formalidades vazias e passaram despercebidas aos outros, como coisas sem sentido. Chegaram a parecer sem sentido ao próprio contemplado, que constantemente se queixava de que "se tinha atolado", não obstante sua subida, em termos de promoção, ser impressionantemente rápida.

É perfeitamente possível simular promoção, mudando de sala, contanto que a mudança seja acompanhada de suficiente cerimonial e não se assemelhe a uma fuga no meio da noite nem pareça gesto de mera inquietação. É como em certas tribos de índios, em que o tamanho da tenda e sua colocação no acampamento determinam a categoria social do ocupante. Alguns índios chamavam a atenção pela preocupação de tentarem tirar partido de cada mudança de local do acampamento, alterando a localização de sua tenda.

A promoção por efeito colateral é um jogo mais difícil, mas muito eficiente. Pode tomar muitas formas, porém a mais comum é preparar um relacionamento específico com outro executivo, de preferência ambicioso e disposto a subir. Se se pode estabelecer com ele um relacionamento adequado de pessoa apenas um grau abaixo, torna-se muito provável que sejamos promovidos quando ele for, de modo a manter-se a mesma distância atrás dele. Assim, se formos capazes de persuadir os outros de que o nosso lugar na escada é um degrau abaixo de X, subiremos um degrau quando ele subir outro, correndo apenas o risco de que ele seja do tipo que não move os pés. Muitas promoções são determinadas por este ou outros esquemas como este, destinados a preservar o equilíbrio entre as pessoas, e, uma vez enquadrado dentro do esquema, é possível a qualquer um caminhar rapidamente para cima, com pequeno ou nenhum esforço, Nada mais conveniente do que um executivo ambicioso, especialmente aquele que foi trazido de fora, pois todos terão que ser "ajustados", a fim de compensar o que foi preciso conceder-lhe para o trazer para o primeiro lugar. Desse modo, a chegada de um estranho a quem se concedeu um bom título bem pode levar à inflação de títulos de todos os outros, para que não sejam ofendidos os sentimentos de ninguém. Nos casos de alta rotatividade de estranhos, os que ficam podem se ver jogados para cima com incrível rapidez, até o ponto de se tornar difícil inventar novos títulos para eles. Conheço um homem que esteve no mesmo lugar durante dez anos, desempenhando pacatamente a mesma função, enquanto a empresa de brinquedos para que trabalha contratava e despedia executivos nervosamente, tentando criar uma nova imagem de si própria. Hoje, adquiriu algum poder, pois é uma das poucas pessoas que se manteve na empresa o tempo suficiente para se lembrar dos lugares em que as coisas estão e do que ela exatamente fabrica; a cada mudança de executivos, ele é presenteado com um novo e mais sonoro título, para que "se sinta feliz". "Feliz?" - diz ele - "é claro que me sinto feliz. Com que é que eu poderia me sentir infeliz? De cada vez que trazem mais uma cartola cá para dentro, chegam-se a mim e dizem: "Olha aqui, nós não queremos que você se aborreça, precisamos deste cara e tivemos que lhe dar um título para o trazer, mas, para mostrar como gostamos de você, estamos fazendo de você assessor de criação, ou vice-presidente sênior, ou coisa assim". Todos dizem que isto são apenas títulos ocos, que não querem dizer nada, o que de certo modo é verdade, mas a gente sempre pode tirar deles uma ou duas mesuras no fim do ano. Quero dizer: a cúpula fica embaraçada por ter de admitir que os títulos não contam, e então admite geralmente que, tendo dado tais títulos, deve dar também um dinheirinho, para acertar as coisas. Além disso, uma vez que deram à gente um novo título, mais elevado, torna-se difícil nos mandarem embora. Alguém poderia se sentir tentado a perguntar por que é que fizeram da gente vice-presidente em 1974, quando estávamos fazendo tão mau lugar que tivemos que ser despedidos em 1975, entende? Assim, na realidade, a gente os tem na mão. Por mim, podem trazer qualquer um, de qualquer parte, a qualquer momento, e promovê-lo para um lugar acima do meu. Quando ele entrar, eu vou subir um furo, sem nenhum esforço. E, se continuarem assim, estou me vendo presidente da companhia dentro de cinco anos."

O jogador astuto do poder deve ser capaz de tirar partido das promoções alheias, em vez de ficar ressentido com elas, como tantas vezes acontece. Cada promoção significa mais uma função, ou mais um título que fica vago, e a maioria pode ser usada como uma boa razão para também nós sermos promovidos.

"DINHEIRO E SEXO SÃO FORÇAS INCONTROLÁVEIS PELA RAZÃO..." (6)

O que é verdadeiro em relação à promoção é igualmente verdadeiro em relação ao aumento salarial, as duas coisas andam muito ligadas, sendo a maior diferença entre elas o fato de uma ser pública e a outra quase sempre secreta. Não haveria razão para uma promoção ser secreta: ela tem que ser, por definição, um acontecimento público enquanto que os aumentos geralmente se embrulham em mistério, constituindo o mais bem guardado segredo de qualquer tribo de negócios. Assim, é, evidentemente, porque assim deve ser. Afinal, o objetivo último dos negócios é o dinheiro e por isso o dinheiro tem todo o poder de mistério central de um culto religioso. A maioria das pessoas se disporá a nos dizer seja o que for, exceto quanto ganha, e a maioria das empresas trata do problema de decidir sobre aumentos salariais numa atmosfera de sigilo, de intriga e de maquinação digna de um plano da CIA. Trata-se de um problema comum a todas as organizações e não surpreende ninguém que entre os documentos de prova de que Martin Bormann, Reichsleiter e Führer - Substituto do Terceiro Reich, ainda está vivo, exista uma carta negando a Adolf Eichmann uma pensão mais elevada, com base no argumento de que todos os demais refugiados nazis pediriam mais dinheiro se viessem a saber do aumento da pensão de Eichmann.(7) - Não é preciso estar vivo e de boa saúde na Argentina, para já se ter ouvido este argumento mil vezes "se lhe déssemos o que você pede, a coisa transpiraria, teríamos que dar a todo mundo e acabaríamos falindo", É sempre difícil ser bem sucedido num pedido desta natureza - peça-se um aumento substancial, e ser-nos-á respondido que não pode ser porque isso abriria um precedente; peça-se um aumento modesto, e não apenas se perderá o respeito alheio, mas ser-nos-á dito que a administração se recusa a se deixar sangrar até à morte. Não há setor da vida adulta em que se apliquem tão estritamente as leis da infância como no aumento salarial; as discussões sobre dinheiro são reproduções perfeitas do diálogo frustrante entre os adultos e as crianças. Se a gente pergunta quanto é que alguém está ganhando, dir-nos-ão que "isso não interessa", ou "não é de sua conta", exatamente o caso de as outras crianças poderem fazer uma coisa, mas isso não constituir motivo suficiente para que também nós a possamos fazer. Dir-nos-ão também que "sejamos razoáveis", "sejamos pacientes" e "tentemos entender os problemas dos outros" - conselhos muito liberalmente dados às crianças por seus pais, seus mestres e seus reitores, no intuito de fazer as crianças se sentirem culpadas só por terem perguntado. Quando tudo mais falha, resta o recurso do apelo da escola particular ao nosso sentimento de coletividade - "Encare as coisas do nosso ponto de vista; trata-se de uma grande organização, temos que pensar também nas recepcionistas, nas secretárias, em todo mundo; afinal, você não é a única pessoa aqui".

Poucos executivos sabem qual o salário que merecem, dado o clima de segredo que envolve o dinheiro, e a maioria deles tem uma leve suspeita de que talvez mereça um pouco menos do que aquilo que lhes estão pagando; poucos elementos de uma administração podem se permitir dizer não, sem embrulharem a recusa em explicações e justificativas. "O dinheiro" - segundo a expressão de um executivo - "é o ponto fundamental", mas, como ninguém quer falar sobre dele, as administrações conseguem com facilidade separar do dinheiro a promoção e o poder, dando aos funcionários responsabilidade, autoridade e títulos com mão pródiga, mas argumentando que nenhuma dessas coisas justifica um aumento. É muito simples amarrar as pessoas promovendo-as. Quanto mais poder elas têm, mais responsáveis são pelos lucros da empresa; e, quanto mais responsáveis são, mais comedidas têm que se mostrar em seus pedidos, Não há melhor estratagema para desencorajar alguém de pedir mais dinheiro do que promovê-lo, integrando-o no círculo fechado do poder, e depois apelar para o seu senso de responsabilidade.

Muitos empregados não podem ter certeza de estar sendo bem ou mal pagos demais, situação essa que explica boa parte do seu Angst. Essa é mais uma das cruzes que a respeitável classe média tem que carregar. Os trabalhadores sindicalizados sabem exatamente quanto ganham por hora os seus companheiros de outro ramo; os funcionários de uma corporação podem descobrir os salários uns dos outros no relatório de fim de ano da empresa; mas a vasta multidão entre esses dois extremos vive na ignorância. Essa massa também não sabe, evidentemente, que os salários formam uma estrutura do poder, em que o total de dinheiro envolvido é apenas coisa de importância secundária. Ninguém se importa de dar à secretária X mais dez dólares por semana, ou ao executivo Y mais mil dólares por ano o problema está em que o aumento de X alteraria o delicado equilíbrio de relação com todas as outras secretárias, e o mesmo aconteceria com Y, um nível mais elevado. Um experiente executivo de publicidade coloca a questão assim: "Há um sistema em relação ao salário. Existe uma relação sutil entre você e os outros e, quando você, pede mais dinheiro, está atacando o sistema. Digamos que está estabelecido que você receba, por exemplo, vinte e cinco e o seu colega vinte e sete. Se você subir para vinte e seis, diminui a diferença entre os dois; no entanto, essa diferença não existe por acaso: tem um propósito. Portanto, os seus mil a mais custarão à companhia duas vezes essa importância, porque alguém terá que dar alguma coisa ao seu colega, uma vez que deu a você; a não ser assim, terá que ser aceita uma mudança na relação de equilíbrio, o que afetará a posição de todos na escala do poder. Não é dinheiro ou despesa que está em causa: é a integridade da estrutura do poder. Então, o que eu tenho a fazer é uma coisa simples: encorajo todos à minha volta a pedirem mais dinheiro, mesmo os executivos mais categorizados, que decidem sobre os aumentos. Com os diabos, eles também pensam que estão mal pagos; portanto, a melhor coisa a fazer é lhes dizer que eles merecem mais. E preciso também fazer tudo que seja possível para provocar aumentos às pessoas abaixo de nós. Isso é importante. Há uma quantidade de caras que mantém em relação ao dinheiro uma atitude de "não come nem deixa comer". Ficam com cócegas e com nervos quando os que se situam abaixo deles obtêm aumentos. Isso é bobagem. Enquanto você mantiver a sua posição na escala do poder, alguém vai ter que ajustar o seu salário para cima, desde que os de baixo tenham aumento; e, quando os de cima são aumentados, alguém terá que aumentar você juntamente com eles, para não deixar alargar a brecha da diferença. De momento, o homem número um aqui ganha 100.000 dólares, o número dois ganha 75.000 e eu ganho 50. Ótimo. Não vou perder o meu tempo pedindo aumento - isso seria uma ameaça para eles, certo? Então, eu tento e consigo persuadir o número um de que ele merece, pelo menos, 125.000 dólares. Se ele dá esse aumento a si mesmo, todos subiremos proporcionalmente, sem eu ter que pedir nada. É assim que o sistema funciona. Olhando de cima, os salários não representam dinheiro, a não ser quando se apresentam somados em base anual. O que eles representam é uma espécie de sistema de pontos, que indica a importância de cada um e a sua posição em relação aos demais, em termos de poder.

"NÃO FIQUE A ESPERA DE SER MANDADO EMBORA; VÁ LOGO"

Embora na generalidade não seja reconhecido como tal, ir embora é uma arte.

Para as pessoas que sabem como (e especialmente quando) ir embora, a saída pode ser a mais gratificante de todas as jogadas. A maioria dos especialistas em ir embora são pessoas determinadas a uma ascensão meteórica. Ao menor sinal de que o ritmo de sua subida está decrescendo, ou sendo obstruído, eles dão um pulo espetacular para outra companhia, geralmente ganhando um degrau da escada no processo, e continuam a partir daí. De cada vez que mudam de emprego, tentam atingir um novo nível de poder, ficando assim com uma boa plataforma para a jogada seguinte. "O importante" - como diz um executivo - "é nunca ficar tempo demais. Quando nos contratam com um bom aumento sobre o que estávamos ganhando, há um período de lua-de-mel. O negócio é ir embora enquanto se está por cima."

O melhor de tudo, segundo a palavra de um abandonador de empregos bem sucedido, é "ir embora na alta". Há um certo poder em abandonar um emprego quando se está lá em cima, tanto porque há nisso uma certa dramaticidade, mostrando que quem sai controla a situação. "Até certo ponto, é uma terapia de choque", explica um demissionário contumaz. "Você dá um grande golpe, e de lá de cima esperam que você peça mais dinheiro; em vez disso, você aparece e diz: 'vou-me embora' e deixa-os com a cara amarela de gema de ovo."

Ir embora é um jogo-ação, mais ou menos como dançar sobre lâminas de espada. O dançarino tem que saltar rapidamente e sem hesitação para o emprego seguinte, sem perder o pé. Um escorregão, e ele perde. Passado o momento em que está "em alta", ele se toma apenas mais um desempregado, e é sempre mais duro procurar um emprego quando não se tem nenhum do que quando se tem um. O emprego que você tem lhe dá poder para conseguir o emprego que você deseja, mas, sem esse poder, você descobrirá como o interesse dos outros por você declina rapidamente. Os jogadores do poder sabem disso e adaptam-se à liturgia de ir embora. As entrevistas para novo emprego, por exemplo, só podem ter lugar depois do expediente, enquanto se toma um drinque; se elas se realizam durante o período de expediente, isso é quebra de etiqueta para com a companhia em que você ainda está trabalhando. E preciso preservar a mística da lealdade até o fim, e as próprias pessoas que estão pensando em contratar você ficarão alarmadas, se assim não acontecer. Portanto, para se jogar o jogo de ir embora, é preciso ser generoso em consideração e respeito para com aqueles que se pretende deixar, embora simultaneamente se deva ressaltar o desejo que se tem de partir. Ninguém gosta de contratar uma pessoa que não respeita o seu patrão atual ou não lhe é leal. Há um vínculo que liga todos os que têm poder, mesmo quando eles entram em competição, e é bom respeitar esse vínculo.

OS HOMENS TÊM QUE ENFRENTAR A APOSENTADORIA

Por mais difícil que seja exercer poder indo embora, é ainda mais difícil fazê-lo enfrentando a aposentadoria. Para a maioria, aposentar-se constitui a perda final do poder, medo esse ainda intensificado pelo fato de a aposentadoria vir habitualmente acompanhada de uma violenta queda na renda. Os mais interessantes jogos do poder são por vezes os que se jogam para adiar a retirada e os que se praticam para acelerar a saída de um executivo idoso.

O melhor meio de se adiar a aposentadoria é não fazer nada. Uma explosão desesperada de atividade de última hora, além de atrair as atenções sobre você, provavelmente levará os outros a temerem que você constitua uma ameaça para os seus planos e ambições. E melhor manter o comportamento relaxado e confiante de um velho estadista: não escrever memorandos, não entrar em discussões, adquirir reputação de conselheiro de "deixa disso" e, se possível, habituar-se a fumar cachimbo. É prudente juntar-se ao maior número possível de grupos de industriais, aceitar um lugar em cada comitê, conselho ou associação que surja e fazer discursos em cada oportunidade que apareça. A arte de adiar a aposentadoria reside em manter a aparência de poder, enquanto na realidade se vai desistindo dele. Procurar segurar pelas orelhas o poder autêntico é coisa sem sentido e auto-destrutiva - apenas serve para colocar os mais jovens na situação de terem que correr com você. Concedendo-lhes voluntariamente o poder autêntico, você poderá conservar as aparências e as vantagens do mesmo poder, libertando-se, além disso, da maioria dos aborrecimentos e dos trabalhos que o exercício do poder implica. Aqueles que consideram ameaçados o seu poder de manterem o conforto da vida dos negócios - um gabinete de canto, a secretária, as liberais ajudas de custo e as viagens de negócios - geralmente estão enganados; o que lhes levanta antagonismos é o poder de tomar decisões, ou, para ser mais exato, o seu poder de limitar o crescimento do poder alheio. É por essa razão que o melhor meio de adiar a aposentadoria consiste em desistir de qualquer influência que se possa ter sobre salários, promoções e carreira dos outros, mas segurando, até onde for possível, os títulos e as honrarias.

Do ponto de vista oposto, desnecessário dizer que o melhor meio de apressar a aposentadoria de um executivo consiste em mantê-lo envolvido nas decisões do poder que já não lhe dizem respeito e apenas podem lhe causar aborrecimentos e agravos. Os ambiciosos, impacientes por se verem livres de um jogador envelhecido do poder, relutam, geralmente, em atacar as suas prerrogativas. Parece uma brutalidade espionar a conta de despesas de um homem na casa dos sessenta, ou tirar-lhe os cartões de crédito, ou impedi-lo de tomar um avião para o Havaí a fim de assistir a uma convenção. Os presidentes das companhias também estão, normalmente, à beira da idade da aposentadoria, ou já passaram, e têm uma natural simpatia pelas pessoas da mesma idade, por menos que gostem delas, ou por mais que desejem vê-las ir embora. O espetáculo de um homem de sessenta sendo tosquiado de seus privilégios pode apenas alarmá-los; eles concordarão em que o outro seja privado do poder, mas, regra geral, não lhes agradará vê-lo humilhado ou privado de conforto e de auto-estima. Depois dos cinqüenta, qualquer homem, por mais poderoso, se sente inclinado a pensar: "Se Deus não me proteger, é isso que me vai acontecer também a mim".(10)

Por conseguinte, é muito melhor respeitar generosamente aquele que se desejaria ver pelas costas e ao mesmo tempo jogá-lo em tomadas de decisão e em choques de opinião, para depois lhe atribuir a responsabilidade. Simultaneamente, ele pode ser isolado, estabelecendo-se comitês que na realidade determinam tudo que acontece, mas dos quais o velho não é membro.

O primeiro passo neste jogo é sugerir que existem mil espécies de trabalho rotineiro diário com as quais a vítima não precisa se incomodar. Muito homem veio a descobrir tardiamente que toda uma série de reuniões tinham vindo a se realizar sem que ele fosse convidado para elas. Depois lhe dirão: "Não supúnhamos que o sr. não quisesse se incomodar com toda essa droga..." Em alguns casos, essas reuniões se efetuam informalmente, durante um drinque depois das cinco, digamos, o que restringe o grupo do poder àqueles que querem se demorar no escritório. Esta é uma tática que funciona, porque aqueles que se demoram no trabalho até mais tarde, além de ganharem reputação de trabalhadores esforçados, formam uma espécie de círculo íntimo do poder. Um homem que não deseja se aposentar deve tomar cuidado com pessoas que se reúnam para "um pequeno bate-papo" exatamente na hora em que ele está saindo para tomar o metrô para casa. Esses são, normalmente, os seus carrascos.

Alguns outros sinais mais sutis podem indicar a um homem que chegou a sua hora. Promover a secretária (ou o secretário) dele é uma jogada que nunca deixa de significar a erosão do seu poder. E também possível despertar-lhe ansiedade com a mudança repentina de todos os formulários e rotinas do escritório, de modo que tudo deixe de lhe ser familiar, inclusive rótulos e cabeçalhos. Novos relatórios, comprovantes de despesas, impressos para contratos e folhas de informações podem muito facilmente minar a confiança de um executivo que se aproxima da idade de aposentadoria; e, se tudo isso falha, é sempre possível mudar o número da extensão telefônica de todo o pessoal, para que o velho passe a vida marcando o número errado.

Por vezes, é útil encarregar um homem à beira da aposentadoria de trabalhos como esquemas de pensões, planos de divisão de lucros e benefícios aos empregados. Em primeiro lugar, essas tarefas irritantes e consumidoras de tempo sem fim provavelmente o levarão a querer ir embora, quanto mais depressa melhor. Em segundo lugar, um homem à beira de se aposentar está apto a ter uma visão mais generosa dos benefícios da companhia e da política da aposentadoria do que um jovem executivo; por isso, a pessoa idosa tudo fará para melhorar as coisas em relação aos empregados, especialmente se ela deseja se aproveitar pessoalmente disso. Em terceiro lugar, a própria natureza destas tarefas seguramente o levará a pensar na sua aposentadoria.

Segundo a expressão de um veterano, "quando um homem chega aos sessenta e as pessoas à sua volta estão na casa dos trinta e na casa dos quarenta, é fatal que surja pressão para fazê-lo ir embora depressa. Ele tem poder e os outros querem poder. Apenas isso. Se você é proprietário do lugar, pode lutar com eles. Mas, se não é, a única coisa a fazer é trocar poder por conforto. Um cara que pretende se tomar figura decorativa pode ir sempre em frente, mas o problema é que poucos se contentam em ser figuras decorativas, ou sabem como utilizar tal posição. Esses se torturam porque os outros tomam as decisões, formulam os planos, determinam as coisas. É tolice, mas uma quantidade de caras legais preferiria ser chutado para fora, a ser chutado para cima".

Tanto uma exagerada deferência quanto uma extrema rudeza podem ser úteis para levar um homem a pensar na sua aposentadoria; e também é possível fazê-lo se sentir desconfortável falando-lhe constantemente de astros da música pop, de quem nunca ouviu falar, de danças que nunca aprendeu e de restaurantes onde nunca esteve. Gente de menos de quarenta, discutindo assuntos totalmente estranhos, pode chegar longe na tarefa de persuadir um homem de cinqüenta e cinco de que ele está completamente por fora. Pode ainda ser aproveitada a possibilidade de falar em voz muito baixa, tentando fazê-lo crer que está ficando surdo, embora alguns prefiram gritar em voz muito alta, como se estivessem convencidos da surdez da vítima.

O importante é manter o candidato à aposentadoria constantemente na defensiva. Se ele puder ser persuadido a falar do passado ("bem, como nós costumávamos fazer era assim..."), é deixá-lo ir por aí a fora e depois frisar que as coisas, agora, são diferentes. Quando você o tiver levado a assumir a atitude de defender o passado, já ganhou. Vivemos numa era em que só o presente e o futuro interessam, e qualquer referência a fatos passados qualifica um homem de mais de cinqüenta para "o corte", especialmente porque os erros passados são fáceis de discernir e os presentes e os futuros ainda são invisíveis.

Os caçadores astutos do poder devem evitar atacar abertamente a posição de um homem que esta próximo a aposentadoria. O que importa é livrarem-se do indivíduo, sem destruírem o poder de sua posição. Se a posição está totalmente corroída, não resta nada a herdar dele, não há vantagem em empurrá-lo para fora. Talvez seja mais sábio exagerar a sua importância real fazendo que suas tarefas pareçam mais necessárias e vitais do que elas efetivamente são, torna-se muito mais fácil sugerir que ele esteja demasiado velho para desempenhá-las. Muitos homens se vêem, repentinamente, aos sessenta, sendo tomados a sério, depois de toda uma vida de relativa obscuridade. Todo aquele que se aproxima da idade da aposentadoria deve evitar esta extemporânea inflação de sua importância: é o princípio do fim.