Capítulo Quarto

A CENA DO PODER

...O Jogo foi virtualmente o equivalente à adoração, só que evitou deliberadamente desenvolver qualquer teologia própria.
Hermann Hesse
THE GLASS BEAD GAME

Você anda caçando o poder, e este é o seu lugar, o lugar onde você armazena os seus recursos.
Carlos Castañeda
JOURNEY TO IXTLAN

Para a pessoa que trabalha apenas porque o trabalho é uma triste necessidade, o lugar em que o trabalho é feito é conveniente ou inconveniente, agradável ou desagradável, mas não tem, em si mesmo, nenhuma significação básica. Porém, para a pessoa que joga o Jogo do Poder, o lugar é o tabuleiro do jogo e, por isso, um mundo fascinante de infinitas possibilidades. Um escritório, por exemplo, pode ser encarado como um tabuleiro de xadrez ou um campo de batalha, dependendo da natureza do jogo e da psique de cada um. É, além disso, um mundo que habitamos durante, pelo menos, oito horas por dia, e que fornece todos os riscos, oportunidades, perigos, triunfos, derrotas e exigências de um mundo mais amplo lá fora. Tem a sua paisagem própria e as suas feições naturais, que devem ser estudadas como o caçador estuda o seu ambiente, suas veredas e trilhas, seus bebedouros, os locais em que os habitantes podem se locomover e se reunir livres da atenção dos predadores, os pontos de boa cobertura natural e aqueles em que se pode farejar o perigo, em que o poder do predador anda no ar que se respira.

Em cada canto do mais banal escritório há objetos rituais com que as pessoas marcam o seu lugar de segurança ou de poder - o cartaz colado na parede, as fotografias das crianças ou das amantes, ou dos locais de férias, os diplomas emoldurados, os animais empalhados, as frases ou poemas cuidadosamente caligrafados - a lista é infindável, mas o instinto de cada um marcar o seu lugar é o mesmo. Todo mundo sente a necessidade de tornar seu de direito o lugar que ocupa, mesmo que seja apenas uma das mesas do pool das datilógrafas; e todas as tentativas para impor um esquema ordenado de design impessoal acabam falhando, por essa razão. Mesmo nos Bancos modernos, em que as mesas ficam expostas ao público através de placas de vidro e onde, por conseguinte, são rígidas as normas de disposição dos objetos pessoais, pode-se notar evidenciada essa necessidade. Descendo Park Avenue, à noite, podem-se ver as longas filas de mesas de trabalho, brilhando de limpeza, idênticas, sem papéis espalhados pelo chão, mas sobre cada uma se notará um objeto com especial significado para uma pessoa em especial - um cinzeiro artesanal de cerâmica, uma miniatura em plástico de capacete de rugby, uma rosa vermelha de plástico, um calendário de mesa Charlie Brown... E nos escritórios não expostos à vista do público, então florescem os marcadores de personalidade, normalmente mais caros e de natureza mais permanente à medida que o salário e o tamanho do gabinete da pessoa vão aumentando, mas assemelhando-se todos ao nível de quarenta mil dólares por ano, que é o ponto em que a aparência geral do ambiente de trabalho passa a ser da responsabilidade de um decorador profissional.

AS LINHAS DO PODER

É importante dar uma olhada atenta na "geografia" do poder no escritório. De modo geral, os escritórios baseiam-se num sistema de poder da esquina, mais do que de centro, porque os escritórios com cantos tendem a ser mais amplos e mais procurados. Quanto mais perto do centro está a mesa de uma pessoa, menos importante essa pessoa é, tal como são menos poderosos os escritórios situados no meio de uma ala, do que os situados no princípio ou no fim dela. O poder, por conseguinte, tende a se comunicar de canto para canto, numa disposição em X, produzindo certas áreas mortas em termos de poder, ainda que em tais áreas existam amplos e confortáveis gabinetes, com janelas que dão para o exterior.

Uma olhada para o diagrama revelará que um lugar "de fora", por mais tentador que seja, devido à janela, é de fato um lugar menos poderoso do que uma posição "de dentro" da área do poder - e é melhor a gente estar dentro da área de poder, mesmo sem a janela, até que, algum dia, se possa ter um lugar "no canto". Os que se instalam nas partes de fora, no meio do espaço morto do poder, possivelmente lá ficarão para sempre, decorando sua instalação com coleções de bugigangas e gráficos magnéticos, e ganhando menos de trinta mil dólares por ano até se aposentarem.

A sala de reuniões, quando existe, deve situar-se no centro, na interseção das linhas do poder. Qualquer tentativa para situá-la em outro ponto tenderá a levar ao seu abandono como sala de reuniões, transformando-a em outra coisa qualquer, ou a usá-la apenas para reuniões inúteis, em que se perde tempo e nada mais. Tentar exercer poder a partir de uma sala da zona morta só não levará ao fracasso se os ocupantes das salas de canto forem excepcionalmente ineptos, senis ou viciados em tomar três Martinis duplos no almoço. E, mesmo que sejam tudo isso, ainda podem ser protegidos pelas suas salas de canto: conheço um homem que conseguiu, mercê de uma série de jogadas certas, obter uma sala de canto aos cinqüenta anos. Uma vez instalado nela, colocou lá as fotografias dos filhos, principiou a dedicar uma grande energia ao golfe e passava o dia ao telefone ou no seu clube, batendo papo com os parceiros de golfe e fazendo relações com diretores. Um dia, os colegas mais novos conseguiram despojá-lo das funções que ele exercia e sua autoridade dentro da organização caiu. Não mais era convidado para reuniões, os relatórios do cash-flow deixaram de passar pela sua mesa, foi colocado fora da lista das pessoas a quem se pedem relatórios informativos e os jovens executivos enraivecidos chegaram mesmo a tirar o nome do homem da lista telefônica interna. Ninguém, no entanto, foi capaz de cometer a indignidade suprema de o privar de sua sala. Resultado: em vez de ser despedido ou compulsóriamente aposentado, ele manteve-se nesse local até os 65 anos.

Uma vez que se mantinha numa sala de canto, estava situado num dos quatro pólos do poder, não importando de que modo gastava o seu dia, e por isso foi protegido.

Num outro caso semelhante, o homem colocado na sala de canto levantou problemas mais graves: caiu no hábito da bebedeira, até o ponto de treinar a secretária em misturar Manhattans para ele. O diabo é que se mantinha ativo e ambicioso, interferindo na gerência da organização, recusando-se a aceitar diminuição de autoridade e, regra geral, puxando para trás as rédeas do progresso. Parecia impossível desalojá-lo e os restantes membros do grupo gerencial desistiram, mais ou menos, de conviver com ele, até que a aposentadoria compulsória ou a morte resolvessem a questão. Surgiu, porém, uma solução inesperada: razões de ordem administrativa levaram à mudança para outro edifício, e o executivo obstrutor foi contemplado com uma luxuosa suíte fora da área do poder nas novas instalações. Aí, fora da área do poder, ele não estava mais em posição de interferir e rapidamente escorregou para a obscuridade de uma semi-aposentadoria. Um dos participantes no incidente recorda-o com estas palavras: "Foi um golpe de sorte; quero dizer: nós não podíamos tirá-lo de lá e ele não saía espontaneamente, e, enquanto se mantivesse naquela sala de canto, não se podia fazer nada pela companhia. Então mudamos a companhia. Ainda agora, quando pensamos nisso, a coisa se afigura estranha. Porque não podíamos mudar um homem, mudamos 350 homens para dois andares de um novo edifício, gastando centenas de milhares de dólares, sabe Deus com que trabalhão - mas valeu a pena!

Quem alguma vez já tentou sublocar espaço de escritório, pode testemunhar a existência de certas normas fixas, mais ou menos impossíveis de destruir - salas que as pessoas não querem abandonar, mesmo para ocupar outras maiores e mais bem iluminadas; secretárias que adquiriram tão fortes direitos territoriais, que não é possível mudá-las: peças de mobília que se impregnaram de significação totêmica. Alguns ambientes de poder são óbvios, por exemplo: os executivos preferem sempre os seus gabinetes protegidos contra o fácil acesso, enquanto que a maioria das secretárias prefere uma vista bem aberta, uma vez que de sua função faz parte o exercício de vigiar a entrada de visitas indesejáveis. Assim, é desejável o gabinete do executivo situado fora da corrente principal de tráfego, mas a secretária provavelmente adorará uma posição que lhe permita ver o máximo possível em todas as direções. É curioso como a maioria dos executivos, por apreciarem muito sua própria privacidade, supõem que suas secretárias ficariam agradecidas por uma divisória que isolasse as mesas a que se sentam, e não compreendem que uma secretária possa desejar sacrificar a privacidade à vantagem de melhores linhas de visão. (Mesmo entre os mais elevados e mais bem protegidos membros da elite executiva, é comum a mesa estar colocada de modo a que o ocupante possa olhar a porta quando levanta os olhos dos papéis; isso acontece tanto por uma questão de delicadeza com as visitas, como por uma questão de ninguém gostar de ser apanhado desprevenido.)

Se você tem por função proteger outra pessoa, precisa prever a aproximação do perigo, a tempo de tomar medidas de precaução e dar o alarme. Por isso, quanto mais uma secretária está exposta à vista do público, a sua posição tem condições de se tornar mais poderosa. Enquanto o gabinete do presidente dos Estados Unidos é fechado e guardado por membros da polícia secreta, a mesa de sua secretária fica numa espécie de corredor aberto, com vista para uma galeria de passagem e para o Jardim das Rosas da Casa Branca. Certamente, a secretária do presidente poderia ter um gabinete mais recatado, se o desejasse, mas a verdade é que o poder dela depende de sua habilidade de ver quem se aproxima. É fato que o acesso ao gabinete do presidente está nas mãos dos homens do serviço secreto, mas fica assim preservada a ficção de que é a secretária quem identifica o visitante que se aproxima, recebe-o, e comanda as operações que possibilitam avistar-se com o presidente. A mesa da secretária mantém o seu significado como lugar de poder, embora as entrevistas sejam na realidade marcadas pela assessoria do presidente e os guardas armados, à porta, identifiquem cada visitante pela lista que lhes foi fornecida e sejam quem autoriza ou não a entrada no gabinete presidencial. Dar à secretária um gabinete "melhor" (o que em termos presidenciais quer dizer "mais privado") seria despojá-la do seu poder.

Se a vista é importante, a proximidade também o é. Em muitos casos, a distância diminui o poder. Coloque-se um assistente de alguém próximo do gabinete, de seu superior e o assistente ganhará por se encontrar perto da fonte do poder. Mude-se esse mesmo assistente para um gabinete maior, porém mais distante, e o seu poder provavelmente diminuirá. Ele apenas se beneficiará com a mudança se lhe derem também uma nova função, que lhe permita criar sua própria base de poder. Já conheci pelo menos um assistente de um executivo sênior que resistiu a todas as tentações de se mudar para um gabinete melhor, por mais bem intencionadas que fossem as sugestões que lhe fizessem. Alojado numa espécie de cubículo ao lado do gabinete do grande homem, um lugar acanhado, escuro, quente, cheio de arquivos e de cabides, o assistente lutou para proteger a sua posição, até que lhe dessem um título próprio. Nenhuma secretária teria trabalhado naquele cubículo sem ar, mas Sidney manteve-se nele, por muitas e boas razões. Havia no cubículo uma porta que dava para o gabinete do executivo, permitindo a Sidney direito de acesso, sem ter que passar pela secretária; e tinha outra porta que dava para o corredor, permitindo ver todo mundo que entrava e saía. Os amigos do ocupante do cubículo diziam-lhe que ele era maluco: o lugar era barulhento, não tinha privacidade alguma, ficava demasiado perto da sala do grande homem - como é que alguém poderia trabalhar ali?

"Enquanto me sentei ali", lembrava ele, mais tarde, conversando comigo em seu luxuoso novo gabinete, "tudo era fácil para mim, Acabei conhecendo todo mundo que ali entrava; quem tinha que esperar, vinha debruçar-se sobre a minha mesa e usar o meu telefone para confirmar almoço; e todos se iam embora com a impressão de que eu estava por dentro de tudo quanto se passava. Quando, pela primeira vez, entrei para aquele buraco medonho, a única coisa de que fiz questão foi um telefone e algumas linhas de intercomunicação com o meu patrão. Acho que nunca usei essa aparelhagem, mas quando o patrão fazia uma chamada, acendia-se uma luzinha no meu telefone e quem estivesse na minha sala ficava com a impressão de que eu estava ligado a ele. É a proximidade do poder que conta, não o espaço, o carpete ou a janela. De qualquer modo, lá estava eu sentado, sem nada para fazer; enquanto que, mudando-me para um autêntico gabinete, as outras pessoas teriam passado por mim e perguntado a si mesmas quem era eu e o que estaria fazendo. Eu teria de justificar a minha existência, coisa que se torna difícil quando a gente está principiando. O fato de me encontrar perto de um homem com poder falava por mim. Além do mais, eu ganhei uma boa imagem aos olhos de todos, por não ser ambicioso nem querer passar por cima dos outros. Como recusei a oferta de um gabinete mais confortável, pensaram que isso fosse um gesto de lealdade, de humildade, ou que eu fosse uma pessoa inofensiva. Se eu me tivesse mudado para um grande gabinete novo, todos me teriam odiado visceralmente, dentro de uma semana."

ÁREAS DE PODER

Devemos estudar o arranjo de um escritório e tentar interpretá-lo como uma paisagem coerente. Em muitos deles, o centro do poder encontra-se num andar abaixo do resto da organização. Sei de um grande banqueiro de investimentos que tem dois andares no topo de um arranha-céu de Wall Street; a sala de recepção e as do pessoal do seu staff ficam no andar de cima; e há uma escadinha estreita por onde os visitantes descem para os gabinetes dos executivos seniores. Este arranjo não é incomum e pode bem ser o resultado de uma precaução atávica da Segunda Guerra Mundial - se o edifício vier a ser bombardeado, quanto mais andares entre a gente e as bombas, melhor e por isso os membros mais dispensáveis da organização são mandados para os andares superiores do prédio, ficando o centro último do poder, evidentemente, no porão. Em termos normais de poder, no entanto, uma firma em que os executivos seniores se instalaram um andar abaixo do staff de trabalho é, normalmente, uma firma em que os executivos seniores também abdicaram da responsabilidade das operações do dia-a-dia permitindo que acima deles se desenvolva, sem supervisão, uma nova hierarquia, mais ativa. Quando os executivos seniores estão no andar de cima, eles geralmente exercem um controle mais rigoroso sobre a organização. Talvez isso aconteça simplesmente porque é mais fácil descer do que subir escadas - depois de uma certa idade, a dificuldade de subir um lance de degraus desencoraja a interferência, mas permanece o fato de que, para quem queira conquistar poder, é melhor escolher uma Companhia em que o presidente e seus associados estejam no andar de baixo, de preferência ao de cima.

Há escritórios construídos sem nenhuma, ou com poucas paredes divisórias, obviamente para serem evitados. Pode ser verdade que "o escritório aberto desperta abertura mental nas pessoas", (1) mas a abertura não é necessariamente desejável, e as justificativas para tirar os executivos de suas salas e colocá-los todos juntos, num espaço aberto, raramente são convincentes. Afinal, não se pretende que os executivos estejam em comunicação uns com os outros, numa base livre e aberta, mesmo que isso fosse possível - e é improvável. O princípio do qual se parte é que eles estejam desenvolvendo idéias, competindo, orientando as coisas e tomando decisões. A filosofia de um escritório aberto é a da democracia e da sociabilidade, mas a verdade é que os chefes executivos que insistem em ter tais escritórios basicamente não confiam em seus empregados seniores e o que desejam é manter os olhos bem abertos em cima de todos e de cada um deles. Este ponto de vista paranóico mascara-se muitas vezes de conversa sobre "intercomunicação produtiva", ou "o fator da sociabilidade nos negócios", mas a realidade continua sendo que os executivos permanecem sentados às suas mesas no espaço aberto, como datilógrafos no exército, numa posição em que o seu chefe possa vê-los a todos, como um sargento-mor. Um dos primeiros passos para dar autonomia às pessoas foi garantir-lhes privacidade e, despojadas dela, tais pessoas ficam reduzidas ao papel de copistas numa casa vitoriana dos contos. Mesmo nos escritórios mais abertos existe, normalmente, um espaço fechado, para operações delicadas, como despedir alguém. O problema real é que as pessoas colocadas em espaços abertos não trabalham para si próprias em suas tarefas específicas, mas para uma platéia de companheiros e de superiores. Não é tanto a "sociabilidade" que se encoraja, quanto a arte de parecer ocupado, e quando o chefe executivo da organização sente desejo de sair de seu gabinete e sentar-se entre os seus vice-presidentes, é muito mais provável que o faça por não confiar neles, do que por desejar entrar em diálogo aberto com eles. É precisamente onde o poder está valorizado e simbolizado que mais fácil se torna conquistá-lo. Lugares em que a gerência tentou eliminar os sinais e os símbolos do poder, encorajando os "espaços abertos", são lugares em que os líderes estão dispostos a manter todo o poder em suas mãos e a impedir o crescimento de quaisquer centros alternativos de poder abaixo deles.

As inovações arquitetônicas muito arrojadas, qualquer que seja a sua forma, devem ser tomadas como sinais de alarme por parte dos jogadores cautelosos do jogo do poder. Para quem pretenda ir subindo discretamente, não é encorajador receber a notícia de que os quatro sócios gerentes de um grupo de investimentos compartilham de uma grande mesa redonda, num gabinete de canto (a que se referem, ameaçadoramente, como "a sala de guerra"). Executivos que gastam as suas horas de trabalho assim tão perto uns dos outros dificilmente se apercebem das pessoas que trabalham para eles - na realidade, o jogo vai sendo jogado apenas para seu divertimento. Uma extrema sofisticação decorativa é normalmente um sinal seguro de que ao recém-chegado vai ser difícil conquistar poder. Uma companhia acerca da qual eu sei algumas coisas tem os seus executivos seniores segregados no último andar de um edifício, numa espécie de cobertura com vista para o porto de Nova York, para onde se sobe por um pequeno elevador privado, cuja decoração consiste, muito simplesmente, mas exclusivamente, numa paisagem de Renoir. Os andares abaixo desse são semelhantes a quaisquer outros andares de escritórios, com a habitual mistura de coisas velhas com coisas modernas; mas a cobertura está cheia de painéis ingleses de madeira, de mobília francesa do século dezoito, de enormes mesas raras, de estantes com livros, de cômodas importadas, de quadros e peças de mobília escolhidos por todas as casas de antiguidades de Paris e de Londres. Arrancaram-se lareiras Adams de paredes ancestrais, para serem enxertadas ali, em salas sem chaminé; suportes refrescadores de vinhos, em estilo Regência, que outrora exibiram garrafas de champanha, servem agora de mesas para telefone; a um canto, ergue-se um cavalo, trabalhado em talha dourada, de um antigo carrossel de feira, cujos restos se encontram, juntamente com a maquinaria a vapor que o fazia girar, metidos em engradados, em algum lugar lá em baixo.

Um lugar como este é um aviso de que ninguém ali vai conseguir ter nenhum poder, enquanto não obtiver a chave daquele elevador; e as pessoas de lá de cima da cobertura não têm vontade nenhuma de que alguém mais obtenha outra chave. Na realidade, uma estrutura de tão fortes divisões quanto esta destina-se, pelo menos em parte, a manter os escalões inferiores nos seus lugares. Como um castelo medieval, serve para lembrar ao povaréu a sua condição humilde e para desencorajar os ambiciosos e os inoportunos. Alguns escritórios levam esta teoria a extremos - um deles construiu uma sede executiva, como se fosse a casa forte de um Banco, em aço inoxidável (inclusive o piso), dando a impressão de que a gerência considera necessário defender-se de uma invasão armada. Com aquelas paredes, aquelas portas, aqueles pisos e aquelas venezianas de aço, o centro do poder do escritório parece a sala da guarda de uma prisão moderna - quase ficamos na expectativa de ver um botão de emergência fechar as portas e lançar gás lacrimogêneo para os gabinetes externos, ao mínimo sinal de perturbação. Uma outra Companhia tem gabinetes executivos de ardósia negra, com estreitas fendas, como janelas e blocos de granito grosseiramente desbastados como divisórias. Também esta construção parece ter obedecido ao propósito de enfrentar combate braço-a-braço, impressão que mais apropriada ainda se revela se consideramos as palavras de um dos vice-presidentes, ao descrever orgulhosamente o seu gabinete como "a ponte de combate".(2) Quando os executivos descrevem seus gabinetes em termos de combate, raramente é o mundo exterior que estão considerando. É em motim que estão pensando, não em competição.

Uma olhada cuidadosa num escritório pode revelar se o poder ali está centralizado ou de algum modo descentralizado. Se os sinais são de um poder firmemente centralizado, é melhor procurar outro lugar; caso contrário, torna-se necessário estudar o modelo de descentralização. Por exemplo: seria bom tentar descobrir em que medida e em que direção o ocupante de um gabinete de esquina foi capaz de estender os seus direitos territoriais. A maioria dos executivos tenta construir uma zona de separação dos subordinados invadindo os gabinetes contíguos, para ambos os lados, ate onde possam, e chegando também até onde lhes é possível na direção do centro do escritório. Por vezes, surge a interferência de elementos arquitetônicos dificultando-lhes o caminho, mas o impulso de alargamento é muito forte e os chefes do departamento se sentem freqüentemente ansiosos por lançar algumas cabeças de ponte à distância, ocupando o espaço entre o seu centro de poder e um ponto externo isolado. Seja qual for a complicação acarretada pelos problemas de construção, eles tentarão abrir um corredor de acesso até o fim de seu território e fechar a desembocadura dele com uma espécie de Muro de Berlim, obrigando o visitante a voltar para trás e principiar por bater à primeira porta. Quando isso não funciona, eles tentam apropriar-se de parte do próprio hall de entrada, através de quadros de fixação de boletins, de cartazes e da decoração das paredes, para tomarem posse da parte do vestíbulo que atravessa o seu território ou dá passagem para além dele, de modo a que um estranho, ao ultrapassar a entrada, sinta imediatamente que atravessou uma fronteira invisível com outro departamento.

Parte do jogo do poder territorial consiste em praticar sub-reptícias invasões do espaço do vizinho, apoderando-se do espaço neutro, com uma força simbólica. Os grandes complexos de arquivos são especialmente valiosos neste jogo, uma vez que exigem espaço e, regra geral, não são necessários exatamente no centro da área do poder. Encontramos um excelente exemplo disto nos escritórios de uma grande gravadora, em que o arquivo de contratos foi confiado à supervisão nominal de um jovem vice-presidente júnior, quando na realidade dependia do departamento jurídico; apenas acontecia que, infelizmente, o departamento jurídico ficava em outro andar. O vice-presidente meteu o arquivo de contratos debaixo de sua asa, porque viu que ele constituía uma valiosa propriedade. Em primeiro lugar, não era necessário fazer nada nele - o arquivo apenas estava ali, dando prestígio ao canto em que se encontrava, conteúdo obviamente fundamental para os negócios da companhia, embora de um modo apenas simbólico, pois a maior parte da informação já tinha sido passada para a fita da IBM e armazenada no Centro de Processamento de Dados. No entanto, na hipótese improvável de que alguém desejasse consultar aquele imenso arquivo, o vice-presidente júnior detinha o controle do acesso, e instalou mesmo um complicado mecanismo de segurança. Quanto mais ele cuidasse daquele arquivo, mais importante ele poderia parecer. Foi uma bela jogada em seu jogo pessoal de "monopólio", mais do que justificando o espaço físico ocupado pelos móveis, sem aliás lhe imporem nenhum encargo.

Considere-se, no entanto, que, do ponto de vista dos negócios, o arquivo representava um ativo sem potencialidade de crescer, e o crescimento é o fator central do poder. Então, o novo proprietário iniciou "uma reorganização estrutural do arquivo de contratos", que envolveu a compra de um grande número de dispendiosas unidades de arquivo horizontal, a contratação de um novo empregado para colocar cada contrato dentro de uma pasta bonita codificada por cores, e a aquisição de um sistema central de catalogação de fichas. O resultado foi um imediato crescimento do tamanho das fichas, quanto mais não seja porque as novas salas de arquivo eram muito maiores do que nas encardidas antecessoras. Em seguida, desde que o conjunto do arquivo já não cabia mais no espaço em que anteriormente estava acomodado, tornou-se indispensável arranjar uma nova casa para ele, e o vice-presidente iniciou toda uma encarniçada luta de lobby para ter um gabinete a pouca distância de sua própria área, em vez de apenas pretender juntar mais uma sala ao território que já tinha. Como a alternativa era empilhar os fichários no hall (ou admitir a sua inutilidade), eles foram transferidos para o novo gabinete e o vice-presidente pôde então, ao longo do período de um ano, ir-se apoderando do espaço que ficava no meio, ganhando assim cerca de vinte metros quadrados de espaço e transformando o arquivo num forte símbolo de poder. Ninguém até hoje se lembrou de ponderar que o conteúdo do arquivo está gravado no computador da companhia, ou que dois departamentos - o jurídico e o de contabilidade - guardam cópias xerox de todos os contratos realizados até a data. O caso é que no arquivo estão os originais, revestidos de sua significância totêmica. E lá continuam, ocupando espaço que outrora pertencia ao departamento de merchandising, sob a guarda de uma mocinha que nada tem para fazer senão impedir o acesso de quer quem que se lembre de consultar os sagrados papéis. Não vai tardar que o homem agora dono do arquivo se tome também o dono do departamento de merchandising. Por que não? Ele já cercou a fortaleza...

"Com os diabos, fichários são titica de galinha", disse Mark Haendel, um sujeito meu conhecido, que trabalha para uma grande rede de televisão. "Quando eu cheguei aqui, tínhamos um cara que fazia contatos de merchandising com os espetáculos da rede, você sabe, bonecos, jogos, guardanapos para coquetel, coisas desse gênero. Ele trabalhava tendo por base um pequeno escritório e, vendo o que todos os outros faziam, resolveu também crescer, Eu trabalhava para ele, nessa altura. O que fez foi encher tanto o escritório com uma cangalhada de coisas, que precisou de uma área de exposição. Nesse tempo, estávamos num edifício de Lexington Avenue, onde o espaço era acanhado, mas a rede tinha alugado parte de um velho hotel perto da Terceira Avenida e, como todo mundo andava preocupado em fazer dinheiro com um patinho de borracha que flutuava e com conjuntos de toalete de chefe índio para crianças, mudaram a gente para o velho hotel. Era um lugar esquisito. Tinha um clube de tratamento de saúde nas águas-furtadas, dois andares cheios de ladrões e a maioria do resto eram escritórios de cadeias em quartos de hotel. Alguns caras divorciados ou separados mudavam-se para lá. Acho que - e por que não? - com o clube lá em cima para tratar da saúde e um botequim com café ao fundo da escada, era uma vida perfeita. Todo mundo tinha que ir à sede da companhia, uma vez por semana, para assinar o recibo de pagamento, e as secretárias tinham que ir lá buscar lápis e fitas de máquina, mas, tirando isso, vivíamos com total independência. O meu patrão sabia muito bem o que estava fazendo. Foi tomando quarto por quarto, suíte por suíte, até ter um andar inteiro. Tínhamos dispositivos de merchandising, salas de displays, uns caras estranhos desenvolvendo projetos de novos jogos e novos bonecos, montamos um arquivo e um departamento internacional de fabricação, sob licença, até equipamos uma sala de projeções. Cheguei a ter a impressão de que era maluco - estava se expandindo com tal rapidez, que já nem sabíamos o que estávamos fazendo durante metade do tempo, mas ele disse-me que ficasse tranqüilo. "Escuta aqui, Mark", falou, "esta companhia está, neste momento, construindo um edifício novo na Sexta Avenida. Quando nós deixamos o outro, tínhamos duas salas, certo? Quando voltarmos, eles nos darão metade de um andar. Nunca esqueças que cada executivo sênior com crianças recebe uma peça de tudo que a gente fabrica, com os cumprimentos do departamento." Claro que tinha razão. Quando o novo edifício ficou pronto, tínhamos todo um departamento para nos instalarmos, com salas de exposição, salas de conferências, tudo que pudéssemos desejar. Era uma coisa linda. O único aborrecimento é que tinham instalado também um sistema central de computadores e, quando os computadores principiaram a trabalhar, descobriram que nós vínhamos perdendo dinheiro desde dois anos atrás. Mesmo assim, estávamos bem. Ninguém ia acabar com um departamento que ocupava o espaço de meio andar e do qual as pessoas estavam habituadas a receber bonecos e outras coisas mais. Quero dizer: ninguém estava disposto a principiar agora a sair por aí para comprar, e pagar, presentes de aniversário e de Natal, depois de dois anos de os ter a preço de atacado e a descontar no salário. Tudo que fizeram foi dar uma posição mais elevada ao meu patrão e colocar às ordens dele um subordinado do setor de finanças, com autoridade para apertar os cordões da bolsa. Afinal, ninguém manda embora um cara por se expandir com demasiada rapidez - isso é otimismo. Hoje, ele já tem também o departamento de cassetes audiovisuais e está ganhando cem mil dólares por ano, quando a única coisa que sabe fazer é realmente roubar espaço e manter pintado da mesma cor tudo que esteja subordinado a ele, para que as pessoas possam ver, instantaneamente, como o seu território é enorme. A cor é sempre amarela-clara, mesmo o banheiro dos homens. Suponho que ele tem os seus próprios pintores fechados no banheiro, prontos a saírem ao primeiro sinal e pintarem mais uma sala de amarelo, a fim de que os demais fiquem sabendo a quem ela pertence. Por ora, acho que, se ele trouxer os pintores de noite e eles pintarem uma sala de amarelo, todo o mundo ficará pensando que a sala é dele e que as pessoas que lá se encontram trabalham para ele. Se algum dia aquele homem chegar a chefe executivo supremo, estou certo de que todo o edifício será amarelo.

Aliás, o uso da cor para marcar o espaço sujeito ao controle de cada um não é assim tão raro. A cor é precisamente o meio mais efetivo para estabelecer a imagem visual de uma área. Até já existem "consultores de cores para executivos", que analisam o caráter e a aparência dos homens de negócios aborrecidos, para determinarem as cores mais adequadas ao poder pessoal deles. Uma vez determinada a "cor básica do poder", eles aconselham seus clientes sobre os mais variados assuntos, desde a decoração do gabinete até as camisas, as gravatas, as meias, os carros e a fórmica que devem usar nas cozinhas de suas casas. Um homem jogou fora toda a sua roupa para reformar o guarda-roupa na cor do seu poder, enquanto um outro não apenas mandava repintar o seu gabinete, mas insistia em que lhe mudassem também a cor do automóvel.(3) O presidente de uma corporação mandou fazer um levantamento da "paleta de cores" da companhia e não se contentou com isso: pôs o seu mais alto executivo em campo para que selecionasse as cores individuais de todos, a fim de poder mandar pintar cada gabinete no tom adequado à coloração do poder de cada um. "Sinto-me dez anos mais jovem" - diz-se que o presidente afirmou - "e o desempenho deles aumentou em dez ou quinze por cento." Não é qualquer corporação que pode desejar os serviços de um consultor que consta ter selecionado o vestuário de um dos "dez homens mais bem vestidos de Sacramento" (foi Liberace quem ofereceu o prêmio), mas muitas descobrem a importância de marcarem pela cor o seu território, quer determinem por si mesma qual ela é, quer paguem 175 dólares para que alguém lhes diga qual ela deve ser.

Uma executiva das minhas relações tem o que poderia ser chamado de "um fraco" pelo azul, Principiou por mandar instalar um carpete azul no seu gabinete, depois mandou forrar a mobília de veludo azul côtelé e por fim quis as paredes, e mesmo as venezianas, pintadas de azul. Daí a pouco a cadeira de sua secretária era substituída por outra, azul, e em cima da mesa da moça aparecia uma máquina elétrica de escrever IBM, com fita azul, Não demorou muito que o azul principiasse a espraiar-se para fora do gabinete da executiva, à medida que o poder dela ia aumentando, numa onda de azul que atingia os fichários, as mesas, os pisos, as xícaras de café e os refrigeradores de água. Uma vez que os outros executivos não tinham uma obsessão de cor comparável à dela, o crescimento deste único tema altamente visível tomou-se dominante e em breve adquiriu uma força quase ameaçadora como símbolo. Quem trabalhava para a dona tendia a vestir-se de azul, simplesmente porque a cor combinava com o ambiente, mas o que principiara como brincadeira ou hábito em breve se tomou um distintivo de lealdade, e os chefes dos outros departamentos tremiam quando suas secretárias apareciam no trabalho vestidas de azul, como se tivessem tirado a máscara de elementos da quinta coluna de um exército inimigo. Enquanto um deles não descobrir uma cor rival de poder, o escritório irá se tornando cada dia mais azul.(*)

A cor não constitui o único meio de estabelecimento de controle sobre o espaço, embora seja talvez o mais simples e o mais óbvio. Podem-se usar formas mais sutis de decoração. Num escritório financeiro de Wall Street, dois executivos rivais têm competido há anos com estampas de navios e estampas de Audubon. A gente sabe exatamente em que área de poder se encontra olhando para as paredes e, quando um está vencendo o outro, o corredor toma um ar náutico ou de amor à natureza, dependendo daquele cuja estrela está subindo. Em outros escritórios mais conservadores, onde a decoração está em mãos de autoridade mais alta, os limites das áreas de poder são estabelecidos por coisas como os porta-lápis e canetas colocados em cima das mesas, pranchas de cortiça nas paredes ou gráficos magnéticos. O principal é descobrir uma coisa que mais ninguém tenha, apropriar-se dela como símbolo e usá-la para estabelecer direitos territoriais. Quando não houver outro meio, a maneira de arrumar a mobília pode estabelecer esses direitos. Em muitos escritórios, todas as mesas de um departamento, ou de uma área de poder, estão voltadas na mesma direção, comumente na direção do chefe do departamento, como maometanos voltados para Meca na hora de rezar.

GRUPOS DE PODER

De modo geral, as pessoas tendem a manter-se afastadas das áreas do poder, como se delas emanasse uma perigosa radiação, mas quem busca poder deve aprender a identificá-las e a viver nelas. Os locais em que se congrega grande número de pessoas raramente constituem áreas de poder, visto que as pessoas se juntam, geralmente, por uma questão de segurança. Em muitos escritórios é fácil identificar os locais em que foram estabelecidas zonas de reunião: basta observar o carpete gasto do chão e os pontos das paredes onde as pessoas, de tanto se encostarem, deixam a pintura sombreada. Por uma espécie de consentimento mútuo, alguns desses lugares ficam afastados, para que se possa conversar, tomar café e relaxar, sem intervenção da gerência. Dentro de uma área de poder, este sistema de agrupamento dificilmente deixaria de atrair uma inconveniente atenção.

Assim, as secretárias afastam-se da área do poder para tomar uma xícara de chá e bater papo, enquanto os residentes fora da área do poder podem ficar, e ficam, onde estão. Algumas áreas de encontro são reservadas a certos departamentos, puramente locais e fechadas a gente de outros departamentos; outras são integradas, no sentido de que os funcionários de outros departamentos podem se reunir e permanecer nelas à vontade. As áreas de segurança mais importantes são aquelas que se situam perto de uma área de poder, porque tendem a atrair também jogadores seniores do jogo do poder, que surgem vez por outra, para entrar no grupo dos soldados rasos, no propósito de fortalecerem a sua convicção de que ainda têm poder.

Uma análise atenta de qualquer escritório mostrará a existência de certos lugares em que mesmo os mais poderosos se misturam com seus subalternos em relativa igualdade. Às vezes, é na área de recepção, onde, momentaneamente, todos são iguais, enquanto lutam pelos casacos. A secretária poderá hesitar em falar ao presidente do conselho de administração no hall, embora ambos estejam caminhando ao longo dele, no mesmo passo; ela pode até deixar-se ficar deliberadamente para trás, para permitir ao presidente sair primeiro e evitar um começo de conversa. Mas quando ambos entram na área de recepção, ela pode perfeitamente falar com ele. Trata-se de uma área neutra em termos de poder, que fica no escritório, mas ainda faz parte dele, de modo que a conversa entre ambos se toma mais do que possível - obrigatória. Depois de regatearem, porém, a passagem pela porta e entrarem no elevador, novamente a conversa se toma impossível. Nessa altura, já deixaram o escritório e não há mais conexão muito provavelmente, a troca de cumprimentos de despedida em frente da mesa da recepcionista será seguida da escolha de um canto do elevador, de olhos fixos na seqüência de acender e apagar dos algarismos de cima da porta, para evitar qualquer contato visual.

Se a sala de recepção é uma área em que a comunicação entre pessoas de diferentes níveis é (apenas por um instante) possível, existem, no entanto, outras áreas dentro do escritório para exibição do poder. Certos recantos, as salas de reuniões e os vestíbulos destinam-se a ser usados como arenas pelos executivos mais poderosos que, ou permanecem lá com ar de ocupados, para tornar sua presença bem visível, ou inventam encontros informais no vestíbulo, ao ar livre, para exibirem seu poder. É sempre melhor evitar essas reuniões, porque as decisões e os comentários feitos para exibição pública de autoridade quase sempre são desaconselháveis. Um grupo numa área de poder está sempre procurando uma vítima, para provar que se encontra no lugar que lhe pertence. É difícil exibir poder em público, sem humilhar alguém, Quem pretenda ser escutado por um homem poderoso, é melhor que o tente quando ele vai passando pela recepcionista, do que quando ele está em pé junto da sua sala.

No entanto, um observador astuto notará que nenhum homem poderoso gosta de ficar sempre fechado em se gabinete, por mais luxuoso que seja. Os rituais do poder têm que ser completados em público e os poderosos são obrigados a reafirmar que são membros da estrutura de poder, a intervalos regulares e segundo um modelo estabelecido. Nos locais que as pessoas utilizam conjuntamente nas pausas para o café, os jogadores do poder emergirão de seus gabinetes e se juntarão ao grupo, mas só raramente farão parte dele, preferindo manter-se um pouco de lado e tão longe quanto possível de outros jogadores como eles. Se estes encontros ocorrem num vestíbulo, como quase sempre acontece, o jogador do poder procura normalmente voltar-se de costas para a parede, junto de uma porta que dê para alguma área aberta. Fica assim protegido da aproximação de pessoas que poderiam vir de atrás dele, e pronto para se afastar rapidamente do grupo. O importante para ele é colocar-se de modo que nunca seja surpreendido ou apanhado, e disponha sempre de um meio rápido de escapar. Poucos jogadores do poder estão à vontade no gabinete dos outros (a não ser que estejam jogando aquela espécie de agressivo jogo territorial, que envolve a tomada de espaço do poder alheio, pela técnica de simplesmente entrar e colocar os pés em cima da mesa) e por essa razão preferem levar as pessoas para os corredores e os vestíbulos (terreno neutro), sempre que possível.

Certos cantos dos vestíbulos e dos corredores adquirem assim as funções sociais de um bazar do Oriente Médio, ou da rua principal de uma cidade de fronteira, onde o hábito de reunião se torna, eventualmente, uma espécie de filiação num clube informal, e o penetra se sente excluído ou ignorado até que um dos jogadores reconheça a sua existência e o seu direito a participar.

Dentro de sua esfera, os homens com poder estão sujeitos a enormes pressões de rivalidade e competição, em conflito com outros que, ou estão determinados a despojá-los do poder, ou se recusam a admitir que eles tenham algum. Assim os que têm poder estão, em certo sentido, dependentes daqueles que não o têm - uma espécie de campo de teste. Este fenômeno explica por que as festas de escritório são necessárias e por que elas são invariavelmente realizadas fora da área do poder propriamente dito, por mais que o local escolhido seja inconveniente em termos de espaço e de acesso.

A DINÂMICA DO PODER NAS FESTAS DE ESCRITÓRIO

Uma festa de escritório é, primeiramente, uma oportunidade para os que têm poder encontrar a sua clientela - quer mantendo-se de pé, em um canto, para verem quantas pessoas se dirigem a eles, quer misturando-se, para testar seu poder sobre certos indivíduos. Quem observar uma festa de escritório verá que os poderosos chegam habitualmente tarde e, se podem, conquistam um canto para si. Os menos seguros geralmente se acomodam perto da porta ou do bar (quer o bar seja bar mesmo, quer tenha sido improvisado em cima de uma mesa), porque desse modo se mantêm no fluxo do tráfego, com maiores probabilidades de serem cumprimentados ou alguém entrar em conversa com eles. Os jogadores astutos evitam, porém, tal posicionamento, visto que o objetivo é reduzir o fluxo a um redemoinho à volta deles, construindo gradualmente um círculo de fãs e de aderentes, e fixando em cada canto da sala um emaranhado de pessoas, com a massa fluida do meio, hesitando em se dirigir para aquele canto. Nas grandes organizações, em que as festas exigem mais de uma sala, quer no escritório quer em um hotel, o fenômeno se repetirá em cada sala - os poderosos se chegarão para os cantos (na medida em que seus competidores o permitam) e lá ficarão, arrebanhando fãs à sua volta. Os que não conseguem isso, abrem caminho até a porta, na esperança de atrair os que vão passando, mas esse é um sinal de derrota - as pessoas reduzidas a tal posição geralmente saem cedo da festa, alegando razões de trabalho ou uma dor de cabeça.

A certa altura, os que têm poder abandonam geralmente a sua posição de canto e dirigem-se, conjuntamente, para território neutro, formando aí um círculo, com as costas para os que não têm poder. Seu primeiro ato é exibirem-se e procurar obter confirmação de seu poder por parte da plebe. Feito isso, caminham naturalmente uns para os outros e cerram fileiras com os poderosos, se separando instintivamente dos não poderosos. Para um jogador do jogo do poder, é interessante, e por vezes muito útil, observar o sentido de oportunidade desta seqüência de movimentos. Na primeira fase, o executivo poderoso abre caminho para um canto e torna-se facilmente acessível a todo mundo, desde as secretárias até o pessoal médio, gracejando, dando pouca importância aos seus colegas, passando o copo a alguém que o leve até o bar e o encha novamente. Este é o momento em que o ambicioso pode se chegar ao poderoso, sem parecer intrometido ou ofender. Na segunda fase, qualquer aproximação ou tentativa de familiaridade será considerada intrusão e possivelmente repelida. Quando as pessoas poderosas necessitam dos outros, tornam-se abordáveis; quando acham que chega, tornam-se inacessíveis. No momento em que os executivos seniores, depois de juntarem gente bastante nos seus cantos para os tomar seguros de seu poder, principiam a caminhar para o centro da sala, chegou a hora de fugir deles. Esse é um sinal de que a familiaridade terminou - o que podia ter-lhes sido dito com facilidade dois minutos antes, pode agora ser tomado como uma irreparável ofensa.

Este núcleo de poder sempre se formará, por instinto, muito perto do bar. Do seu canto, rodeados de subalternos, os grandes podem sempre obter mais uma bebida, sem abandonar a sua posição; mas estando juntos num círculo fechado, não podem, porque as rivalidades entre eles não permitem que qualquer membro do círculo preste a outro um serviço do tipo encher o copo. Essa a razão para eles se colocarem ao alcance do bar, tornando seu um cantinho dele. Só que, em algumas raras ocasiões, a configuração da sala não o permite. Eu assisti a uma festa, dada numa suíte de um grande hotel, que tinha um carpete com um grande medalhão bordado no centro, exatamente por baixo de um candeeiro de cristal. Quando os jogadores do poder abandonaram suas posições de canto, formaram automaticamente um círculo debaixo do candeeiro e em cima do medalhão, que lhes oferecia uma zona de poder perfeitamente visível. Infelizmente, isso se passava a certa distância do bar. Ninguém podia se aproximar e os componentes do círculo não estavam dispostos a abandonar os seus lugares. Assim, durante algum tempo, os executivos seniores permaneceram juntos, mas de copos vazios; irritados, mas enraizados no chão; até que surgiu um secretário compreensivo, que mandou lá um garçom perguntar o que cada um queria tomar.

Nestas circunstâncias, o homem com poder raramente se senta. Sentar-se, neste tipo de evento social, é uma espécie de derrota: não apenas sugere fadiga e falta geral de energia, mas também impede o movimento e coloca o sentado em desvantagem no que diz respeito a altura. Os participantes do jogo do poder devem permanecer de pé, mesmo quando tenham uma perna engessada e sejam obrigados a inclinar-se sobre uma bengala, como tantas vezes já presenciei.

Pode-se facilmente ter uma noção da importância relativa de cada executivo sênior, examinando o seu comportamento neste tipo de reuniões. Os mais seguros de si encontram sempre um canto; os menos seguros colocam-se no meio do fluxo do tráfego; os jogadores ainda menos seguros circulam em volta da sala, evitando os cantos (que já estão ocupados), mas tentando formar um círculo de seguidores suficientemente grande para lhes proporcionar um eleitorado próprio bem visível. Na maioria dos casos essa gente se move em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, a partir da entrada, de modo a manter a mão direita (a mão normal do poder) do lado exterior da sala, voltada para os cantos. Podem estar conversando para o lado de dentro (isto é, para a esquerda, quando formam círculo), mas o verdadeiro foco de sua atenção e de sua preocupação é o lado de fora, onde se situam os cantos do poder. Na medida em que os dos cantos se dirigem para o centro, as pessoas que circulam na sala podem então espiralar para dentro, ao seu encontro, de modo o menos impertinente possível, como se nunca tivessem sido apanhadas pela onda dos que não têm poder algum.

O esquema geral de uma festa de escritório apresenta-se, muito simplificadamente, do modo seguinte, em sua primeira fase:

O jogador do poder, que se mantém circulando em volta da sala, alimenta habitualmente a esperança de se apoderar de um dos cantos, caso o seu ocupante abandone a posição para ir ao banheiro ou para fazer uma chamada telefônica; e o jogador em "posição secundária de poder" (junto à porta) geralmente desloca-se para a direita e inicia a formação de um circulo próprio, ligeiramente mais amplo do que o modelo do poder circulante já em funcionamento.

Na segunda fase, todo mundo caminha para dentro, como já vimos:

É óbvio que o jogador que se move segundo o modelo circular se encontra em posição privilegiada na ocasião em que principia o movimento para dentro, pois pode apertar o círculo e estabelecer a posição efetiva da zona do poder, enquanto quem se encontra junto à porta, no layout apresentado acima, se encontra em posição mais fraca para se deslocar em volta da sala. As pessoas dos cantos têm que se mover muito rapidamente, se não quiserem dar a impressão de que estão meramente se juntando às que circulam na sala, e é geralmente uma de perto do bar quem faz o primeiro movimento, tendo por objetivo chegar à zona do poder antes que qualquer dos seus competidores a tenha atingido, aparentando que foi ela quem a escolheu e os outros se limitaram a segui-la. O jogador colocado no ponto A encontra-se na melhor posição, por estar mais perto do bar e num canto; provavelmente ele abandonará o seu canto no exato momento em que o jogador circular E estiver no ponto mais afastado da sala em relação ao bar, fazendo assim que E seja o último jogador a chegar, quando muito o penúltimo, depois do jogador que se encontrava junto à porta. De modo geral, este movimento realiza-se por consentimento mútuo, entre meia e uma hora após o início da festa (computando-se o início a partir do momento em que chegou um dos grandes jogadores do poder). Em alguns casos, o momento do início é aquele em que principia um número programado, pois o período durante o qual os jogadores do poder se exibem e recarregam o seu poder, à custa do resto dos presentes, é mera formalidade. Não que eles tenham, necessariamente, que se recusar a dançar, a beber ou a seduzir as moças, é apenas que eles têm um objetivo a atingir, antes que chegue a ocasião para essas coisas. Na verdade, as cerimônias deste ritual realizar-se-ão, mesmo que eles cheguem tarde e a festinha já esteja sob controle. Eu estive presente a uma festa em que os jogadores do poder se atrasaram por causa de uma reunião de última hora e chegaram à sala do hotel quando o gelo já estava derretido, os homens tinham tirado o paletó e uns dançavam, outros se sentavam no chão e uma jovem bailava sobre uma mesa, com um abajur na cabeça e a frente da minissaia aberta até o umbigo. Embaraçados e irritados, os jogadores tomaram, no entanto, sua posição de poder, exatamente como aqui a descrevemos, e foram realizando todos os movimentos obrigatórios, como cerimônias. O mais que puderam fazer foi encurtar o tempo e formar o seu círculo do poder tão rapidamente quanto possível, dando idéia de fazendeiros fugindo à hostilidade dos índios, dentro de um círculo protegido pelas carroças cobertas.

O círculo do poder, uma vez formado, não pode ser desfeito senão por consentimento mútuo, mas o seu tempo de duração poder ser bem curto. Precisa apenas durar o suficiente para que seus membros assegurem uns aos outros o status de cada um e todos o exibam para quantos se encontram na sala. Numa festa chata, os membros do círculo podem permanecer juntos por uma hora ou mais, transformando o grupo em uma espécie de reunião; numa festa animada, cinco minutos podem ser o suficiente. Uma vez quebrado o círculo, cada jogador é livre para partir ou entrar na farra. Não é provável que nenhum jogador entre numa festa e se sinta satisfeito, enquanto não tiver executado esta exibição de poder em duas partes - caso contrário, ele se estaria se separando dos demais jogadores e isso, automaticamente, lhe custaria status. Por outro lado, terminada a exibição de poder, o membro do grupo dos poderosos pode se embebedar, dançar, tirar o casaco, cantar mulher ou usar, um abajur em cima da cabeça - a quebra do círculo torna-o "invisível" aos seus pares, ele já procedeu à sua filiação para aquela tarde.

O PODER DA FOFOCA

A fofoca é sempre bem-vinda para a má imprensa, por isso a pessoa interessada em poder deve evitar fofocar com quer quem que seja. Isso não quer dizer que seja má idéia escutar a fofoca. Pelo contrário: toda a fofoca vale a pena ser ouvida, quando se é suficientemente forte para não a comentar, não lhe acrescentar um ponto, não a passar adiante. Ser um bom ouvinte dá dividendo, assim como cultivar o hábito de acenar circunspectamente com a cabeça, como se já soubéssemos tudo que acabam de nos contar. Cultivando cuidadosamente o silêncio e as reticências, é possível construir uma valiosa reputação de pessoa que sabe muito e provavelmente já teve que prometer a alguma alta autoridade não contar algum segredo. Assim, quando alguém nos diz "É fantástico! Você sabe que X está tendo um caso com Y e Z vai ser despedido?", a resposta adequada não é "Não brinque!", ou "Conta mais, conta mais" - a resposta que convém é a gente se sentar impassivelmente e dizer: "Mmmm..." Se aquilo que nos dizem é uma peça útil de informação, a gente a arquiva na cabeça, para usá-la mais tarde; se não é, a gente não tomou partido. Em qualquer dos casos, deu-se a impressão de que já se sabia de tudo. A coisa aumenta de importância, quando a fofoca é sobre os nossos negócios. Se alguém vem a nós, com ar de comiseração, e nos diz que está desolado por ter ouvido dizer que a promoção que estamos esperando foi dada ao nosso rival, a atitude mais sábia a tomar é acenar com a cabeça, conspicuamente, e louvar a amabilidade e as qualidades humanas da outra pessoa, ainda que essa seja a primeira informação que nos chega de que fomos passados para trás. Mais tarde, a gente pode se enfurecer, ou tentar corrigir a situação, mas uma das primeiras leis do jogo do poder é que toda a má notícia deve ser recebida com calma, como se já soubéssemos e não nos importássemos muito com isso.

Conheço um caso em que dois vice-presidentes rivais estavam pretendendo a mesma posição sênior de diretoria. Um deles escreveu um longo e persuasivo memorando ao executivo-chefe, explicando por que o outro era temperamentalmente contra-indicado para o lugar. Quando esta notícia desagradável foi levada ao vice-presidente atingido, este reagiu louvando calmamente a sabedoria, o talento e a lealdade do seu rival à companhia, dando a entender que já sabia do memo e que até lho tinham mostrado. A notícia desta reação correu rapidamente através do escritório e o memorando derreteu-se. Alguns dias depois, o vice-presidente atacado encontrou o executivo-chefe no elevador (o chamado encontro casual cuidadosamente planejado) e referiu-se ao memorando em termos de brincadeira. O grande homem riu e despediu-se com um gesto de mão ondeando, que queria dizer: "O lugar é seu". Em casos como este, a ira, a reação imediata e a demonstração pública emocional são invariavelmente fatais. A melhor coisa a fazer é exibir uma atitude nobre e calma, repetindo-a perante o maior número possível de pessoas. A notícia chegará rapidamente aos elementos seniores da gerência, sem que seja necessário ir até eles. Neste sentido, a fofoca é útil - representa, simultaneamente, um sistema de informação informal (em que não se pode confiar) e um sistema de feedback para os altos níveis da gerência.

As notícias - e os rumores - caminham de vários modos. Um deles é o "sistema rio": há, invariavelmente, uma nascente de água de origem misteriosa, e depois uma corrente principal de onde saem vários braços, um para cada departamento. Conhecida a corrente principal até a origem, é perfeitamente possível obter dos canais tributários todas as notícias que se deseje - a água é sempre a mesma. A fofoca daqueles que não têm poder nem conhecimento autêntico do que se passa só é importante quando a gente sabe por qual caminho as notícias chegaram até eles; nesse caso, sabe-se de onde elas vieram e pode-se intuir, com exatidão, até que ponto elas podem ter sido distorcidas na passagem pelo canal. Quando não se conhece a geografia do sistema, toda a fofoca é sem sentido.

Mas, observando-se quem fala com quem, nos intervalos para o café e durante o almoço, quem viaja com quem no trem para o emprego; quem faz lotação com quem no mesmo carro - pode-se perfeitamente elaborar um mapa do sistema. Se a gente sabe que o vice-presidente de Relações Públicas viaja com a assistente do tesoureiro, e que esta, por sua vez, almoça muitas vezes com a secretária do chefe do nosso departamento, e que esta toma café com a nossa secretária, podemos verificar uma informação que parece ser verdadeira ou interessante até a sua origem, simplesmente procurando saber com que membro do conselho executivo o vice-presidente almoçou no dia anterior àquele em que a notícia chegou até nós. Uma vez conhecendo a origem, bem pode ser que estejamos de posse de uma valiosa informação, que permita nos antecipar a certos atos da diretoria, ou anunciar antecipadamente grandes mudanças no quadro do pessoal. Se a nossa secretária nos conta, por exemplo, que todo o escritório está preocupado com a saúde de um executivo na casa dos cinqüenta, e se conhecemos os canais através dos quais a informação viajou, temos possibilidade de explorar a história até sua origem - até um membro do conselho executivo - caso em que podemos ter a certeza de a aposentadoria do executivo ter sido discutida em nível muito alto, e de que a falta de saúde vai ser a razão apontada para o fato de ele ser desligado do serviço. Também é importante ter em mente que a fofoca pode muitas vezes ser usada para testar a reação do ambiente a uma decisão, como uma espécie de sistema de votação informal, que permite à alta gerência aferir da viabilidade de um plano ou de uma jogada pessoal. Se todo o escritório fica indignado com a notícia da aposentadoria compulsória desse executivo, talvez a idéia tenha que ser abandonada, sem que ninguém tenha que admitir que ela foi uma possibilidade. Quando a fofoca não levanta ondas, então os que se encontram em posição de autoridade podem passar à efetivação da decisão, com confiança. Não é o caso de eles precisarem de apoio popular (como os políticos, que sempre precisam), embora vez por outra solicitem esse apoio; é que nem sempre estão seguros do que devem fazer, mas também não se encontram em posição de pedir conselhos, porque pedi-lo poderia diminuir sua autoridade. Quando uma coisa se apresenta duvidosa, é sempre útil dispor-se de um meio informal de testar os seus efeitos. É assim que a fofoca chega a desempenhar um real papel na técnica gerencial, fornecendo ao poderoso um canal de comunicação com os sem poder, canal esse que pode ser usado sem insucessos.

Esse canal pode também ser usado para espalhar a má notícia, antes que ela seja oficialmente anunciada, com a finalidade de tornar o anúncio oficial menos doloroso e menos surpreendente. Assim, uma queda dos lucros a distribuir ou o estabelecimento de um teto drástico para o aumento salarial quase sempre correm como rumor, alguns dias antes do anúncio oficial, acabando este por funcionar como um anticlímax. Quando uma notícia má como esta chega por este caminho - através da fofoca - acredita-se que tenha partido de uma indiscrição deliberada. A boa notícia, pelo contrário, é habitualmente conservada em segredo até o último momento, uma vez que todos os membros seniores da corporação desejam anunciá-la.

Ao aproximar-se o fim de cada ano, surge sempre uma quantidade de rumores de que certas pessoas não vão obter os aumentos que estão esperando e que poderão se considerar felizes se continuarem na companhia. Esta espécie de vazamento de informação destina-se intencionalmente a amortecer o golpe e a facilitar a vida de quem eventualmente tiver que dar pessoalmente as notícias. Por isso, tais notícias são geralmente exageradas; para aquele que está esperando um aumento de 5.000 dólares, o melhor é espalhar que ele não vai ter aumento algum, deixá-lo suar durante dias ou semanas, e por fim ele aceitará sem protesto, e até com agradecimentos, os 2.000 que se pretendia dar-lhe. De modo semelhante, o sistema de fofoca se usa para avisar quem está à beira de ser despedido, facilitando-se a tarefa de quem vai ter que o despedir; e serve ainda para avisar alguém de que o seu desempenho não está sendo considerado satisfatório.

É preciso ter sempre em mente que a fofoca, contrariamente à água do rio, corre em dois sentidos. A pessoa que a passa para baixo também funciona como feedback para cima: supõe-se que quem recebe uma informação retribui o favor. Poucas companhias dispõem de um real sistema de espionagem, mas são muito poucas as que não têm um de caráter informal, funcionando efetivamente. Seja a organização grande ou pequena, os de cima escutam acerca do que se vai passando em baixo, mas raramente as notícias sobem pelo canal hierárquico. A qualquer nível, os executivos relutam em passar adiante as más notícias a respeito de seus subordinados, ao menos por uma razão: o fracasso de um elemento pode ser atribuído ao seu superior. Então, o sistema interno da fofoca funciona como contrapeso a esse fenômeno, fornecendo à cúpula uma impressão do que se está dizendo e fazendo, para contrabalançar o que a cúpula entende que deveria estar sendo dito e sendo feito. Poucos chefes de departamento seriam capazes de informar seus superiores de que um determinado executivo anda bebendo demais, e freqüentemente regressa do almoço às três horas, com a gravata de lado e os botões na casa errada; mas, por meio do sistema da fofoca, a notícia com certeza chega rapidamente à cúpula, passando por cima do chefe do departamento e atingindo o presidente da companhia antes que o chefe do departamento resolva informá-lo.

TOO VERSUS TOP

Ninguém interessado em poder pode se dar ao luxo de ignorar a existência deste sistema alternativo de gerência, sem o qual organização alguma se manteria viva por muito tempo. Todos os organogramas e tabelas organizacionais, assim como a maioria dos títulos, são sem sentido: quanto mais cuidadosamente elaborados, menos têm a ver com qualquer espécie de realidade reconhecível. Do mesmo modo que o fluxo da informação dentro do escritório está mais engrenado na fofoca do que no sistema formal informativo, assim uma de cada duas funções no local do trabalho é duplicada por meio de um sistema alternativo informal. Homem ou mulher que seja capaz de ver o lugar em que trabalha como ele realmente é, em termos de poder, em vez de o ver como ele lhe é apresentado, está em melhores condições do que o jogador de mentalidade convencional. Há muito comitê que se reúne para ratificar decisões que já foram tomadas há muito tempo; a maioria dos memorandos transmite idéias e planos que já foram discutidos e decididos por outras pessoas; os estudos e relatórios, mesmo os mais bem elaborados, destinam-se, normalmente, a justificar planos já feitos, ou a racionalizar (por elevado preço) decisões que foram tomadas antes que os "fatos" fossem colocados no papel. Em muitos escritórios, a maioria das assessorias dedica-se a preparar explicações para ações que já foram executadas, e a colocar um manto de lógica por cima de projetos que já estão em andamento.

Consideremos um grande conglomerado que se dedique ao negócio de engarrafamento e que pretenda abandonar a cerveja, para se concentrar no ramo de sucos. O diretor executivo e o presidente da companhia serão os primeiros a discutir o assunto, talvez faltando um dia ao escritório e metendo-se num carro em direção à costa, para uma partida de golfe, durante a qual abordam o problema ao ar livre "longe dos telefones", como eles dizem. Quando chega o momento de guardarem na mala do carro os seus tacos, todo o escritório sabe da hipótese que eles estão encarando, visto que cada um deles gastou a semana anterior pedindo relatórios financeiros sobre o negócio da cerveja. Quando regressam ao escritório, dispostos a informar o conselho acerca da decisão que tomaram, os empregados do setor de cerveja já estão ao telefone pedindo emprego aos seus amigos; o sindicato dos empregados no engarrafamento de cerveja já está organizando comitês para salvar os seus empregos; e os jornalistas econômicos já estão ao telefone, perguntando se é verdade o que diz. Simplesmente, o sistema de informação alternativa é mais forte e mais eficiente do que a gerência na maioria das empresas e a única maneira de lhe passar a perna é lançar uma fofoca e em seguida fazer circular a fofoca ao contrário. Eis um exercício interessante para quem deseja jogar com eficiência o jogo do poder: desenhar organograma da sua organização (TOO - de "table of organization"), tão cuidadosamente quanto possível em termos de estrutura formal, colocando lá o nome de todo mundo, o título e a função, tudo muito caprichado, em pequenos quadradinhos idênticos, com linhas indicando a cadeia do comando. Um belo organograma como esse levará mais ou menos uma hora para se desenhar, constituindo um trabalho agradável e construtivo, mas em algumas companhias talvez até já exista impresso, o que poupa o trabalho de o fazer.

Uma vez na posse desse organograma, pegue-se uma folha de papel vegetal e juntem-se àquele os nomes das pessoas que não constam do TOO, mas que desempenham papéis significativos no que acontece na companhia, ou que simplesmente influenciam as decisões nela tomadas. O sr. X tem um lindo quadradinho, mas se a sua secretária é uma mulher decidida, intrometida e fofoqueira, com a qual se suspeita que o sr. X vem dormindo há anos, então o nome, dela deve ser claramente colocado ao lado do dele. Talvez o sr. Y seja um bêbado genial, que se vem mantendo no emprego há muito tempo à custa de arranjar coisas para os seus superiores, digamos bilhetes gratuitos para o teatro, passagens de primeira classe de avião a preço de turística; e, talvez o seu assistente seja um funcionário brilhante, que na realidade exerce a chefia do departamento. O nome do assistente deve ser colocado ao lado do sr. Y. Desenham-se então, por cima, os quadradinhos, com cada nome num círculo de tamanho equivalente ao poder de cada um, ou de cada uma. Se o assistente do sr. Y está principiando a almoçar freqüentemente com Z, deve-se alargar mais o círculo do poder do assistente do que o de Y. Depois, liguem-se todos esses círculos por meio de linhas de poder, isto é, linhas de espessura variável, indicando amizades, obrigações, dependências, alianças pessoais, rivalidades etc. Daí resultarão dois organogramas muito diferentes um do outro: um, marcado TOO, que é a tabela formal de organização da companhia; outra, marcada TOP (de "table of power"), mostrando como as coisas na realidade funcionariam.

Consideremos agora um exemplo simplificado de cúpula de gerência de uma companhia imaginária. No topo está o conselho de diretores, e o presidente. Abaixo deles está o executivo-chefe; abaixo desse, o vice-presidente de operações, a quem reportam os vários chefes de departamentos. O mapa TOO apresentar-se-ia assim:

Imaginemos agora que o executivo-chefe esteja se aproximando da aposentadoria e que sua secretária é uma figura dominante e poderosa em sua vida; que o presidente e o vice-presidente de operações jogam golfe um com o outro; que o chefe do departamento A foi companheiro de escola do vice-presidente de operações; e que o chefe do departamento D costuma dormir com a secretária do executivo-chefe. Podemos agora principiar, de modo simples, a traçar o mapa TOP, em oposição ao mapa TOO, salvaguardando que devem ser considerados outros fatores e que as linhas do poder são tão complexas, que formam uma teia de aranha de contatos e obrigações capazes de se sobrepor à cadeia de comando, e frequentemente anulando-a.

As pessoas abrangidas por este esquema são as mesmas, mas temos aqui uma estrutura do poder completamente diferente. Note-se que as linhas negras sobre sombreado indicam canais de poder estranhos à estrutura formal, e sobrepondo-se a ela, e que o tamanho dos círculos indica: poder e influência reais, independentemente da posição formal na hierarquia. A razão pela qual escolhi círculos em vez de retângulos maiores ou menores é que os círculos se afiguram menos "rígidos" e mais aptos a sugerir esta realidade: que o poder das pessoas está sujeito a variações quase diárias e nunca é fixo. Os círculos deveriam ser sombreados, para mostrar o máximo poder potencial da pessoa e o limite do poder mínimo. Assim:

O círculo central menor representa a posição real de A no mapa TOO; o círculo ponteado de fora representa o máximo de poder que A pode exercer em relação aos demais membros da organização; a área sombreada entre os dois representa os limites dentro dos quais varia o poder de A, em função de variáveis como saúde, desejo de obter o apoio do vice-presidente, lucratividade obtida pelo departamento etc. Se esta área de poder no nosso mapa tivesse que se alargar para fora do círculo externo, A estaria se aproximando do tamanho do vice-presidente, caso em que a revelação do mapa seria esta: que A se encontra à beira de substituir o seu antigo companheiro de escola, ou que o antigo companheiro de escola tem que encontrar um meio de se defender, despedindo A para manter a área de poder do vice-presidente. Se este círculo de poder diminui até o tamanho dos outros chefes de departamento, deveremos concluir que o canal alternativo do poder foi cortado (talvez os outros chefes de departamento, ciumentos da posição de A, se tenham aliado para o destruir), ou que o poder do vice-presidente está diminuindo (e nesse caso há que esperar que o círculo do chefe do departamento D venha a tornar-se maior). O mais importante a considerar é que o nosso mapa TOP tem por base movimento, não uma explicação estática de quem se reporta a quem. Talvez o volume de informação a tomar em linha de conta possa parecer enorme (a mulher do presidente desempenha um papel importante na tomada de decisões dele, e deve, portanto, ser também incluída?), mas exatamente aí reside o seu valor.

O tempo despendido em refletir sobre o real poder das pessoas com quem se trabalha e dos meios pelos quais elas comunicam e exercem o seu poder, dá-nos uma noção da verdadeira estrutura do relacionamento, que é sempre muito mais complicado e sutil do que parece. Se o diretor, executivo usa sempre camisa azul, e se o chefe do departamento A também principia a usar camisa azul e está almoçando freqüentemente com o diretor executivo, deve-se concluir que algo está para acontecer; olhando-se o mapa TOP, pode-se chegar à conclusão de que o diretor executivo, está tentando roubar um aliado e um subordinado do vice-presidente de operações, e começando a obter sucesso. Nesse caso, é de esperar que o chefe do departamento D tenha conversas sérias com a secretária do diretor administrativo, sua protetora, uma vez que ele se sente ameaçado de perder a posição especial em que se encontra.

Qualquer mudança, por menor que seja, na cadeia do relacionamento, leva a outras mudanças - novos canais entre as pessoas se podem abrir do dia para a noite, para salvaguarda da posição de cada um no mapa TOP. Quase todos conservam aberta uma porta de retirada, ou várias, para o caso de ocorrer uma súbita mudança. Os chefes dos departamentos B, C e D quase com certeza alimentam alguma espécie de relacionamento com A, para a hipótese de o relacionamento de A com o vice-presidente vir a se tornar um fator significante, ou de o círculo de poder do protetor dele vir a envolver, de repente, o círculo do diretor executivo. Dentro do mesmo contexto, é provável que A mantenha um relacionamento cordial com D, dada a posição especial deste último, prevendo que o poder do protetor de A possa entrar em declínio. Por estes meios, cada qual procura assegurar o seu poder, apoiando-se em curtos contatos sociais, almoços, um drinque depois do serviço, uma xicrinha de café em conjunto, um pequeno bate-papo no escritório para exteriorizar disposição de aceitar um novo sistema de alianças, caso se dê o colapso do anterior. Quem está interessado em poder não risca jamais do seu rol quem ainda não foi demitido e posto fora do jogo. Afinal, a vida é cheia de surpresas: um sistema de poder é uma estrutura muito delicada, que pode entrar em colapso e ser reconstruído segundo um modelo completamente diferente, de um dia para o outro - o que não acontece no mapa TOO, em que basta escrever outro nome dentro de um retângulo. O TOO representa um sistema fixo, dentro do qual as pessoas ocupam um lugar para desempenhar uma função específica; o TOP representa o resultado das ambições dessas pessoas e do interrelacionamento de umas com as outras; uma só mudança no pessoal muda todo o relacionamento, indo muito além da substituição de uma pessoa por outra.

É útil compreender e explorar este sistema alternativo de gerência e aprender a ler os sinais que identificam a sua presença. Muitas vezes, a simples lista de distribuição de folhas de informação, de relatórios e de revistas fornece uma chave para isso. Na maioria dos casos, os relatórios da companhia, ou outros documentos de natureza oficial, circulam de funcionário para funcionário segundo a ordem estabelecida pelo TOO - isto é, segundo a estrutura oficial de autoridade. Por outro lado, porém, itens informais, como revistas de negócios, seguem a ordem de circulação de uma lista elaborada por uma secretária, que provavelmente coincidirá com a ordem do TOP. A secretária não se preocupa com seguir a ordem da estrutura oficial de autoridade: escreve os nomes pela ordem da sua real importância. A diferença pode se tornar muito instrutiva.

Do mesmo modo vale a pena observar a ordem pela qual as pessoas entram no elevador, uma vez que elas tendem a utilizar o elevador em turnos determinados pelo TOO, seguindo a ordem oficial de precedência por títulos, mas saindo por ordem de posição no mapa TOP - o tempo de subida e de descida dá-lhes oportunidade para se ordenarem segundo o real poder que exercem. Só há um caso especial a considerar: por vezes, o homem dá prioridade à mulher. De modo geral, porém, entra-se no elevador por ordem de hierarquia oficial, e sai-se dele por ordem de posição relativa dentro da estrutura do poder.

O CÍRCULO DO PODER

Em princípio, as reuniões não traduzem com fidelidade o real poder dos participantes. Desnecessário dizer que os possuidores de poder substantivo sempre arranjarão as coisas de modo que as reuniões se realizem, de preferência, em sua zona de poder, evitando as zonas alheias ou neutras. O perfeito jogador do poder preferirá, de longe, lotar o seu gabinete com uma dúzia de pessoas, por mais desconforto que cada uma delas sinta, a realizar o encontro confortavelmente em qualquer outro lugar. A não ser que se trate de uma reunião muito formal, com lugares marcados, como um jantar no estilo dos velhos tempos, o dono do evento (todos os eventos são propriedade de alguém) arranjará as coisas de modo a sentar-se de costas para a janela, para que os outros apanhem sol nos olhos. Enquanto isso, os demais participantes tentarão ocupar posições tão perto quanto possível da cadeira do líder. O objetivo é cada um dar a idéia de que está associado ao poder que convocou a reunião e de que não está sendo ali apenas uma unidade de grupo que foi convocado. Tal preocupação se nota especialmente naquelas reuniões em que as pessoas são convocadas para lhes dizer que deverão aumentar os lucros, gastar menos, ou deixar de chegar ao trabalho às dez horas da manhã. O estudante do poder, que consegue colocar-se junto do líder, olhando na mesma direção que ele, mesmo que isso signifique ficar sem uma cadeira e balançar as costas de encontro à parede, pode levar os outros a pensar que ele já sabe o que vai ser dito, que está de acordo, e que nada do que for dito se refere a ele. É por esse motivo que muita gente cultiva o hábito de chegar cedo às reuniões e ficar dando voltas por perto da mesa do embaixador do poder, até que não haja mais cadeiras vagas e não reste outra solução a não ser ficar de pé, meio inclinado para a frente, por trás da cadeira de quem preside, olhando de frente para a assistência sentada. Essa não é, porém, uma posição de poder - é uma forma de auto-camuflagem.

Nas reuniões realizadas em volta de uma mesa, seja qual for a forma dela, a ordem do poder quase sempre se apresenta no sentido dos ponteiros do relógio, a principiar pelo lugar das 12 horas, e diminuindo à medida que eles avançam para as 3, para as 6 e para as 9. Cada um procurará, de qualquer,modo, ocupar a posição que lhe pertence no mapa TOP, chegando muito antes da hora marcada (embora isso não adiante, se não se souber antecipadamente qual o lugar em que se sentará a figura TOP), alegando uma corrente de ar nas costas, o clarão do sol, um pouco de surdez no ouvido esquerdo ou no direito, seja o que for para conseguir ocupar o lugar que considera corresponder ao seu no círculo do poder.


O Círculo do Poder, para reunião em volta de uma mesa de qualquer formato. A segunda pessoa mais poderosa ficará na posição correspondente a 1 hora; a menos poderosa, na posição correspondente a 11 horas.

Um principiante em matéria de poder suporia que os lugares de ambos os lados da figura principal mereceriam ser disputados com igual afinco, mas, como acabamos de ver, esse não é o caso. Ficar à esquerda da figura poderosa (posição de 1 hora) é ficar junto dela, em termos de poder; ficar à sua direita é assumir a posição de Zé Ninguém. A razão é simples: em outros tempos, quando a vida era mais direta, tornava-se mais fácil apunhalar para a esquerda, brandindo o punhal com a mão direita, do que usar a mão direita para tentar apunhalar quem estava desse lado - coisa praticamente impossível, pois o braço tinha que ser jogado para trás, a fim de ganhar impulso. Portanto, era prudente colocar o hóspede mais poderoso imediatamente à esquerda, embora a boa educação mandasse o contrário, visto que, nessa posição, o hóspede não poderia apunhalar o anfitrião, enquanto este podia facilmente apunhalar o hóspede. Para sentar à sua direita, o anfitrião escolhia alguém que não constituísse nenhum risco para ele, quer dizer: uma pessoa que não tivesse importância. Embora as coisas tenham mudado muito e hoje raramente se levem armas para as reuniões de negócios (a não ser, talvez, quando se trate de reuniões da Máfia e da polícia), esta antiga sabedoria ainda determina a direção do círculo do poder sentado, o que, simultaneamente, nos adverte de que a verdadeira medida do nosso poder é o medo que inspiramos àquele que se encontra um passo acima de nós no mapa TOP.

Existem muitos outros sinais que, se devidamente considerados, podem indicar onde reside o poder. Quanto menos poder um homem tem, mais fortemente iluminado é o seu espaço, ou gabinete - o extremo da falta de poder é uma mesa colocada em espaço aberto, iluminada por lâmpadas fluorescentes colocadas no teto. À medida que se dá um passo para cima, a quantidade de luz tende a diminuir, o que gera a suposição de que, não tendo os verdadeiramente poderosos necessidade de datilografar, de escrever, nem até mesmo de ler muito, não lhes é indispensável uma iluminação de trabalho muito brilhante. E fácil observar esta ocorrência em muitos escritórios, desde os espaços abertos iluminados como salas de operação e de certos gabinetes particulares em que é cuidadosamente mantida uma semi-obscuridade meio ambígua, até os gabinetes dos altos executivos, com painéis de madeira escura, com cortinas em vez de venezianas, iluminados indireta e fracamente, como privadas cavernas escuras do poder. Em todos os tempos a penumbra foi o reino do poder; o moderno escritório não constitui exceção.

Todos esses sinais são de utilidade para quem já conheça o seu território - é apenas uma questão de se encarar de um novo ponto de vista aquilo que nos é familiar - mas, quando se trata de procurar emprego, pode ser mais difícil o acesso às oportunidades possíveis de chegar ao poder e ao relacionamento já existente com o poder. É indispensável ter olhos bem treinados e uma certa dose de ingenuidade para se apreender como é realmente uma organização por dentro, enquanto a gente está de fora. Como já dissemos, a arquitetura, o layout geral e a decoração de um escritório podem servir como úteis indicadores, mas, quando se é simplesmente entrevistado pelo departamento de pessoal, não há muito que se possa fazer. O departamento de pessoal é reticente a respeito do poder, e com razão, já que tem tão pouco. Há que usar de todos os esforços para evitar ser atendido por esse departamento; mas, caso isso não possa ser evitado, é bom arranjar uma maneira de dar, posteriormente, uma volta pelo conjunto do escritório, por iniciativa própria. Pode-se principiar, por exemplo, por perguntar em que direção fica o banheiro mais próximo, quando a entrevista terminou, e partir daí para a olhada que se pretende dar. Um homem que eu conheço, e que é um viciado em trocar de emprego, despede-se sempre da pessoa que o entrevistou e passa o resto do dia perambulando pelo escritório, com um caderno de apontamentos na mão, escrevendo os números das extensões telefônicas de todo mundo, com um ar de preocupado. "Não gosto de me fazer passar por consertador de telefone", diz ele, "mas não desaconselho a idéia. As secretárias dizem-me muitas coisas úteis. Uma vez, fui entrevistado num lugar em que o cara do departamento de pessoal me disse maravilhas sobre o fantástico plano dentário que havia na empresa. Isso me interessava especialmente, porque os meus dentes estavam necessitando de um bocado de trabalho. Só que, enquanto andava anotando os números das extensões telefônicas, escutei uma secretária dizer para outra que a gerência tinha decidido parar com o plano dentário, porque muita gente estava se aproveitando dele e isso ficava muito caro. Quando se pode conhecer a arca em que se vai trabalhar, fica-se com uma idéia de como a vida é por ali, como uns falam com os outros, e se os que já lá trabalham parecem ou não felizes. Pode-se mesmo fazer-lhes perguntas, por que não? Eles ficam pensando que se trata apenas de um curioso. A única precaução a tomar é deixar o casaco e a maleta no banheiro e andar por ali em mangas de camisa. Ninguém desconfia de um cara em mangas de camisa, com umas folhas de papel de apontamentos na mão e algumas canetas esferográficas no bolsinho da camisa. Pode-se abrir a porta do gabinete das pessoas, olhar para dentro das salas de reunião, estudar o layout geral do lugar, observar os que trabalham e decidir, com base, se aquele é um ambiente que nos interessa. Geralmente, eu levo um sanduíche na minha maleta para poder me sentar e comer quando todos estão comendo um lanche à sua mesa de trabalho. Nessa ocasião, de modo geral, eles falam muito francamente. Outra coisa a que presto uma atenção toda especial são os quadros murais de afixação de boletins. Eles estão cheios de informações úteis e representam uma espécie de contracultura do escritório, tornando bem claros os sentimentos dos funcionários para com a gerência e esclarecendo o modo como a gerência se comunica com os funcionários. Ora, todos nós precisamos ser informados. Nos fazem perguntas quando nos contratam, mas não há nenhum meio de nós podermos fazer as perguntas que nos interessam."

Os ritos, usos e tradições do poder variam de escritório para escritório, mas mantêm em comum o fato de que as pessoas usam tudo isso para dramatizar a posição pessoal no esquema organizacional".(4) Na medida em que se aprendem as tradições de um local de trabalho, está se fazendo preparação para obter poder dentro dele. Muitos desses ritos podem na realidade ser desempenhados a nosso favor em vez de serem desempenhados em cima da gente - e, para quem disponha de certa agudeza de observação, é geralmente possível encurtar, ou até mesmo evitar totalmente, o processo habitual de iniciação. Para isso, é aconselhável descobrir quais as reuniões a que importa assistir e encontrar um meio de ir a elas espontaneamente, sem esperar ser convidado. É prudente saber qual de dois executivos rivais tem maiores probabilidades de ganhar uma batalha pelo poder, antes de tomar o partido de um ou de outro; assim como é importante saber em que área de poder o nosso setor vai ficar situado, uma vez que, naturalmente, quem ficar dentro do território do poder de um desses executivos vai ser seu aliado. Não há necessidade de se chegar ao extremo de fazer como Maquiavel, que aconselhava os seus leitores a "temerem tudo e todos"(5), mas, num mundo competitivo, é necessário agarrar toda a vantagem possível e aprender como descobrir e segurar a nossa própria zona de poder. Parafraseando o "princípio de Pedro"(6) podemos dizer que cada um sobe até aquele nível de poder que se situa um passo abaixo do nível em que se sentiria seguro. Uma vez compreendida a natureza do relacionamento do poder à nossa volta, podemos principiar a encontrar segurança na fluidez e no movimento, conscientes de que o poder não é estático, tem que ser conquistado, defendido, aumentado e protegido com inteligência e originalidade. Estudado o tabuleiro, podemos proceder às jogadas, confiados em que entendemos o âmbito dentro do qual elas são executadas.