Capítulo Terceiro

VIVER COM PODER

Ele teve o destino de todos aqueles que exercem um poder natural e inicialmente inconsciente sobre os outros homens; esse poder não é exercido sem que o seu possuidor pague por ele um certo preço.
Hermann Hesse
THE GLASS BEAD GAME

É um estranho desejo o de procurar poder e perder liberdade.
Francis Bacon.
ESSAYS, II, Of Great Place

Destituídos de poder, nós seríamos como árvores, pedras, ostras, o que se quiser, objetos de estimação aos olhos de Deus, talvez até úteis, obedecendo às leis complexas da natureza, mas incapazes de alterar o mundo, de controlar nossas próprias vidas. Abre-se diante de nós o abismo, a voragem sem fundo de viver uma vida controlada por outrem, a humilhação da submissão.

Lembro-me de um dia, há muito tempo, num outro mundo, quando o negócio de cinema era ainda um jogo de autocratas, antes que a televisão humilhasse os grandes tiranos da costa ocidental, deixando-os ricos mas impotentes, quando fui para a piscina do Beverly Hills Hotel, para a minha lição de natação. Um dos grandes donos de estúdio estava flutuando sobre uma bóia de borracha, fumando um charuto. Tinha se mantido "inacessível", durante semanas, a um escritor idoso, recusando receber chamadas telefônicas, desmarcando encontros, mantendo o pobre velho num suspense torturante, até que, finalmente, anunciou que consentiria em escutá-lo às 3 horas, na piscina. Quando chegou, o escritor pôde ver o produtor flutuando como um obeso nenúfar cabeludo no meio da piscina, acessível a qualquer um que nadasse até ele. O produtor tinha conhecimento de que o escritor não sabia nadar. Como um condenado, o visitante retirou-se para vestir um par de calções emprestados e, enfrentando a galhofa dos auxiliares do produtor na cabina dos banhistas, foi avançando pela água mais rasa da cabeceira da piscina, com a tímida coragem de um condenado, até que a água lhe chegasse ao queixo. O outro, porém, usando as mãos como barbatanas, ia empurrando a bóia para a água mais funda, metro a metro, até que o escritor se viu chapinhando na palidez da água clorada - uma cena apavorante de sadismo, desenrolando-se sob o ranger das palmeiras da Califórnia do Sul, para ruidosa alegria das criancinhas felizes que remavam e das beldades que espalhavam loção bronzeadora sobre seus dispendiosos corpos como outros que certamente tinham am estado à disposição do escritor, quando ele era "quente" e tinha uma casa sua em South Rodeo Drive, com uma piscina de azulejo e uma goiabeira. Lá foi ele, chapinhando corajosamente o caminho da bóia sempre distante, engolindo desagradáveis golfadas de água, para explicar que o seu contrato devia ser renovado. De vez em quando, desaparecia totalmente sob a superfície, para reaparecer ainda falando. Por fim, quando principiou a parecer perigosamente cansado, o guarda da piscina mergulhou para apanhá-lo. Depois de rebocado para a borda, um dos auxiliares do grande homem inclinou-se sobre ele, acendendo o cigarro com um isqueiro Dunhill de ouro e disse com firmeza, em voz alta, como se falasse para um senil ou para um surdo: "OK, ele viu e ouviu você. Agora, pode se vestir e ir embora".

Não obstante existirem brutamontes ignorantes, nada existe de tão animalesco quanto a vida entre os homens civilizados; a violência repentina e a incerteza da vida primitiva não se podem comparar com as degradações da nossa sociedade. Um momento de fraqueza, e estamos à mercê de monstros - monstros reais, não as figuras sobrenaturais da imaginação dos selvagens. O poder é o meio de nos protegermos contra a crueldade, a indiferença e a brutalidade dos outros homens. Isso não quer dizer que nos devamos tornar também monstros. Quer o poder seja quer não, como diz Henry Kissinger, "o supremo afrodisíaco" (1), ele não é bom nem mau em si mesmo. Podemos aprender a usá-lo para nos tomarmos mais livres, para tomar a vida mais feliz e mais produtiva para nós e para os outros, ou podemos usá-lo como "o veículo para um ego que não leva em consideração a culpa nem a inocência, mas apenas se preocupa com o que pode agarrar" (2). O objetivo do poder é a sobrevivência num mundo difícil.

Não é sensato pensar que o poder seja um mecanismo compensatório. Aqueles que buscam o poder para compensar algum defeito físico real ou imaginário estão se condenando a uma vida de amargura e de irritação. Napoleão não foi necessariamente levado ao sucesso por ser um homem baixo, como muita gente parece crer; ele foi bem sucedido porque era Napoleão. A altura é uma obsessão para quem busca poder por caminho criado. Talvez os homens ainda acreditem que a altura tenha alguma relação com o tamanho do pênis, apesar do relatório de Masters e Johnson a esse respeito. Talvez aconteça apenas que, para uma certa espécie de homem, seja insuportável a idéia de que outro homem olhe para ele de cima para baixo. Diz-se que Harry Cohn, nas raras vezes em que jantava fora, colocava uma lista telefônica, discretamente, sobre a cadeira. Os "sapatos elevador", que prometem uma altura adicional de duas polegadas, revelam a mesma insegurança.

Não há dúvida de que os homens baixos têm propensão para buscar algum meio de compensar a sua falta de altura - talvez os compridos charutos e os estranhos chapéus de Winston Churchill tivessem esse propósito; e L. B. Mayer costumava receber as visitas por detrás de sua enorme mesa recurvada, semelhante a uma parede - quando tinha que ser fotografado assinando um contrato com um astro como Clark Gable, muito mais alto do que ele, o astro sentava-se junto de Mayer, numa cadeira mais baixa, de modo que as duas cabeças ficassem no mesmo nível.

Em certas circunstâncias, as nações podem ter que se preocupar com a questão da altura de um homem. Paul Reynaud, o primeiro-ministro da França em 1940, era dominado por sua amante, Helène de Portes, uma mulher nada atraente, de certa idade, que detestava os ingleses e era uma completa derrotista. Sua influência sobre Reynaud era considerável, absoluta mesmo, e dizia-se que se baseava principalmente no fato de ele ser um homem baixo e só ela ser capaz de o fazer sentir-se alto e poderoso. Como disse um observador, "Se Reynaud tivesse sido três polegadas mais alto, talvez a história do mundo tivesse sido outra".(3)

Altura significa alguma coisa e é sensato não o esquecer. Diz-se que o presidente do conselho de administração de um grande conglomerado tem um pedestal por trás da sua mesa, o que o faz parecer trinta centímetros mais alto do que realmente é, quando se levanta para cumprimentar alguém; até consta à boca pequena que uma assembléia de acionistas teve que ser adiada porque um empregado se esqueceu de colocar o pedestal atrás do podium. Certamente esse homem gosta de ter gente baixa à sua volta; as chances de sucesso nessa corporação aumentam muito para os que têm menos de um metro e oitenta de altura. Ali, é perigoso ser grande. O presidente gosta de humilhar os que são mais altos do que ele, e às vezes promove-os para os fazer sofrer. "Grande é bobo, pequeno é inteligente", disse ele uma vez a um executivo que lhe tinha desagradado. Um outro executivo, a quem perguntaram por que continuava trabalhando para uma companhia que lhe pagava menos do que ele poderia ganhar em qualquer outra, respondeu: "Bem, porque é o único lugar que eu conheço onde todos os que estão acima de mim são mais baixos do que eu. Sinto-me bem aqui. Em que outro lugar pode um cara de um metro e oitenta e três sentir-se grande?"

Se a baixa estatura supostamente nos compele para o poder, a saúde é, normalmente, um sinal de que o temos. Lembro-me de, há alguns anos, ter visto Robert F. Kennedy entrar numa sala cheia de público, em Dark Harbor, Maine, todos gente rica e saudável, e de ter notado que ele positivamente irradiava energia e boa saúde, mais ou menos como David Mahoney, mas em mais elevado plano de intensidade. "Meu Deus", suspirou uma mulher atrás de mim, "olhem o que o poder faz às pessoas. Quem dera que eu o tivesse."

É um sinal curioso da nossa admiração pelo poder o fato de associarmos poder e saúde; em outros tempos era popular a suposição de que o poder levava à doença, ao aborrecimento, ao envelhecimento prematuro e à calvície, mais ou menos como a masturbação. Hoje, esperamos que os poderosos resplandeçam de saúde e, na maioria dos casos, eles o fazem. O exercício bem sucedido do poder, tal como uma vida sexual satisfatória, tende a levar as pessoas a se sentirem bem consigo mesmas, seja qual, for o seu estado de saúde; a excitação constante tonifica magnificamente todo o sistema.

Evidentemente, o poder também cobra o seu tributo. Erik Erikson contou que Martinho Lutero, um homem com enorme desejo e queda para o poder, sofreu toda a vida de prisão de ventre, uma infelicidade que era obsessão para o grande reformador, até o ponto de o seu rompimento espiritual se ter dado quando ele estava sentado no banheiro. Diz Erikson que ele era "compulsivamente retentivo", (4) que armazenava as energias e o conhecimento como se tivesse consciência de que, algum dia, essa energia e esse conhecimento seriam soltos, num só momento explosivo, num relâmpago catártico, que definitivamente haveria de purificar o próprio Lutero e a Igreja. Por mais estranho que pareça, a prisão de ventre é muitas vezes o preço do poder, mesmo entre figuras menos titânicas do que Lutero, talvez porque os poderosos não se limitam à ansiedade de controlar tudo, mas vivem determinados a não abrir mão seja do que for. Como quer que seja, o uso de laxativos parece aumentar à medida que o poder aumenta e grande parte dos poderosos que eu conheço não apenas sofrem de prisão de ventre, mas discutem-na abertamente, como se ela constituísse prova do seu sucesso, uma forma de sofrimento auto-imposto. Eu vi uma fita de cinema ser interrompida todas as manhãs às nove e meia, para que o diretor - que era homem de grande fama no mundo do cinema - pudesse ausentar-se e travar a sua batalha diária contra seus recalcitrantes intestinos. Quando ele partia, o elenco e a equipe desejavam-lhe boa sorte e, no regresso, ele descrevia exatamente o que tinha, ou não tinha, acontecido, com ilustração gráfica dos detalhes. Pouco a pouco, cheguei à conclusão de que o conhecimento do estado diário de seus intestinos era uma espécie de símbolo de poder. Pense nisto: ser capaz de obrigar os outros a discutirem as nossas fezes, como se elas fossem um assunto fascinante. Que maior prova de poder pode existir do que obrigar cem pessoas, talvez mais, a mostrar que estão preocupadas com o que ele fez ou não fez no banheiro? Não foi sem razão que Joseph Mankiewicz uma vez observou, em outras circunstâncias, que "todo o mundo está amarrado à bunda de Harry Cohn".

Como se isso não fosse suficiente, um grupo de pesquisadores descobriu que o poder (e a "orientação para o empreendimento") está estreitamente relacionado com o ácido úrico, a substância existente no sangue que é responsável pela gota e é considerada também "um possível fator de risco na doença cardíaca das coronárias". (5) A porcentagem de ácido úrico é alta entre os poderosos, os homens de sucesso, e é mais baixa entre os desempregados - um deprimente pormenor informativo para ser considerado pelos ambiciosos. A pressão e o colesterol aumentam entre as pessoas que "têm responsabilidade pelos outros", nos ambientes de trabalho; por isso não é surpreendente que cerca de trinta por cento dos empresários ouvidos numa pesquisa nacional tenham respondido que suas funções "tinham afetado adversamente a sua saúde".(6)

As espécies de emprego que levam naturalmente ao poder envolvem tensão e responsabilidade, mas eu tenho fortes suspeitas de que os homens de negócios que sentiram sua saúde "adversamente afetada" estavam apenas respondendo ao "quociente de sofrimento". Trata-se de uma extensão do princípio prazer/dor, em que o prazer deve ser expiado por um quantum equivalente ou maior de dor, e implica que o poder, na medida em que é gozado, deve ser justificado por sofrimento. A proposição básica é simples - supõe-se que eu não goste do poder, embora ele seja o que eu mais deseje; então, eu devo aparentar que o poder foi jogado sobre mim, pelos outros, contra minha vontade; e devo convencer cada um à minha volta de que o poder constitui um penoso fardo e eu estou sofrendo por eles. Muitas vezes, mal uma pessoa é promovida, logo principia a se queixar das exigências que lhe fazem e dos sacrifícios que teve que fazer. Em certa medida, isso é uma tentativa para aplacar os rivais, para sugerir que eles não teriam gostado do lugar, se o tivessem conseguido; mas, a um nível mais profundo, isso provém do sentimento de que está certo ter poder, mas está errado gozá-lo.

Não admira que muita gente poderosa seja hipocondríaca. Por um lado, se essa gente deseja comandar e controlar, por outro lado deseja ser confortada e apreciada. Um meio de conjugar estas duas exigências conflitantes é sofrer abertamente, publicamente, constantemente - mostrar tossindo, espirrando, grunhindo, coxeando, respirando com dificuldade, que se está sendo esmagado, para além dos limites da resistência, pelas exigências do poder. Uma recente pesquisa sobre hábito de férias concluiu que os executivos poderosos "têm evitado longos períodos ininterruptos de descanso. Muitos deles nem mesmo estão gozando todo o seu período normal de férias... Mentalmente, eles nunca estão ausentes do escritório... Como qualquer guerreiro por natureza, o executivo sente-se mais confortável no "front", mesmo exausto e exposto ao perigo, do que se sentiria, a salvo, por trás das linhas. Ele prefere lutar a descansar".(7)

Note-se o romantismo desta observação: "guerreiro por natureza" - a noção de que trabalhar é como lutar na linha da frente, a sugestão de que o executivo está na verdade se expondo ao perigo, sentando-se à sua mesa... De fato, muitos executivos seniores que estão sentados às suas mesas fazem-no porque estão cheios de aturar a família ou porque têm medo de que alguém descubra que o escritório pode ser gerido sem eles. Para alguns, vale a pena ficar no escritório durante o verão inteiro, só para poder dizer: "Eu nunca tiro férias". Isso faz parte do quociente de sofrimento.

As queixas dos poderosos acerca da tensão, do stress e do excesso de trabalho são falsas na maioria das vezes e, quando são autênticas, são auto-impostas. O medo de que Thackeray estivesse certo quando escreveu que "cada homem que controla outro homem é um hipócrita"(8), de que seja errado amar o poder, é uma forma de culpa.

Apesar disso, nós amamos o poder. No dizer do novelista Patrick Anderson, "ele é como uma mulher com quem se deseja estar na cama para sempre. E isso não é tudo para os melhores dentre nós. Pode-se fazer tudo com o poder, quando se é inteligente e duro e se tem sorte. Todos os dias a gente leva um murro nos dentes, mas há, de vez em quando aqueles momentos em que tudo nos saiu direito, em que tudo nos abre caminho, e então a gente se enfatua, a gente ganhou o jogo, quer alguém mais o compreenda quer não compreenda, dê ou não dê nada por isso".(9)

Talvez aí resida a chave da dificuldade que experimentamos em conviver com o poder - ele constitui o desejo mais pessoal que temos, uma vez que mesmo a intimidade do sexo é habitualmente compartilhada com outra pessoa. O poder, pelo contrário, é uma paixão privada, o perder e o ganhar são internos, só nós sabemos se perdemos ou se ganhamos.

"Poder!" - exclama o reverendo John MeLaughlin, o discutido jesuíta que foi assistente especial da Presidência e parece ter exercido as funções de exorcista-chefe da defunta Casa Branca de Nixon - "O que sabemos nós a respeito do poder? Não sabemos coisa nenhuma. Se temos educação sexual, por que não haveríamos de ter educação do poder? Pode-se ser treinado na manipulação do poder." (10) Isso é verdade, embora nos restem dúvidas, a partir do apoio dado pelo padre McLaughlin a questões temporais como o bombardeamento de Hanói durante o Natal, a colocação de minas nas águas de Haiphong e o envolvimento do Presidente no caso de Watergate, sobre se o reverendo é capaz de entender a diferença entre o que descreve como "dois enfoques do poder... uma oportunidade para a marcha do ego" e "uma oportunidade para servir". Na verdade, não se sabe muito acerca do poder e, dada a maneira como a História é ensinada neste país (quando chega a ser ensinada), é surpreendente que se saiba alguma coisa. Em cada século os homens usaram bem o poder, ou o usaram destrutivamente, ou se serviram dele em proveito próprio, e um estudo cuidadoso da História poderia mostrar-nos quais as espécies de poder que corrompem, e por quê. Se não sabemos, é porque não queremos saber.

Tão logo se tornou público o escândalo de Watergate, principiaram a surgir sermões sobre os malefícios do poder, como se a Casa Branca, sob o governo de Richard M. Nixon, fosse o palácio de Nabucodonosor. No entanto, o que foi Watergate, senão um exemplo do preço da impotência? A razão lógica da invasão e roubo - e de tudo que seguiu foi a insegurança e a cobiça, o receio frustrado por parte do presidente e seus assistentes de que, mesmo dentro da Casa Branca, de algum modo se sentissem impotentes; foi o sentimento íntimo de inutilidade que os levou a temer que não tivessem o direito de estar ali, que algum dia viessem a ser postos para fora, por se terem revelado fracos e homens comuns.

George Allen, do time Washington Redskins, o treinador favorito de Nixon em rugby, estava talvez falando inconscientemente com o presidente quando disse: "O vencedor é o único indivíduo verdadeiramente vivo. Eu disse isso no nosso clube. Cada vez que se vence, renasce-se; quando se perde, morre-se um pouco". (11) Mas o poder não se baseia em ganhar sempre. Um homem que tenha que ganhar todas as batalhas está exigindo o impossível de si mesmo e do mundo e provavelmente se desmoronará na primeira derrota que sofrer. O homem poderoso, por definição, é capaz de sobreviver ao fracasso e à humilhação, de tirar daí um pouco de sabedoria mais profunda, de praticar o que John F. Kennedy chamou "elegância sob pressão".

A essência do poder é a capacidade de agüentar as exigências da vida, não de reagir como um paranóico a qualquer ameaça, real ou imaginária, ou de perder a própria vida e energia tentando submeter tudo ao seu controle. O mundo é um lugar desordenado e perigoso - sempre o foi, e o homem dotado de poder tem que aprender a viver nele confortavelmente. Uma coisa é ter sentido de ordem, outra muito diferente é impor esse sentido de ordem ao resto do mundo - não há poder que chegue para isso, e tentá-lo só pode levar ao fracasso. Só se pode controlar os outros até um determinado limite, e o mundo está cheio de homens que parecem poderosos em seus pequenos mundos, mas que de fato estão amarrados por correntes à sua mesa, como os condenados aos trabalhos forçados nos remos da galé. Vão trabalhando sempre mais e mais, pela noite a dentro, porque temem que um momento de desatenção ou de hesitação lhes solape o poder. Essas características eram notórias no ex-presidente Nixon - a vida sem alegria, a "luta sem fim pelo controle"; (12) o desejo imperativo de "estar por cima"; as tentativas torturantes para disfarçar como vitórias de alguma espécie os defeitos e as derrotas, por pequenas que fossem; os permanentes apelos à simpatia e à compreensão; a sensação de que a vida não passa de um obstinado desafio, em que o trabalho árduo e a vontade de vencer significam tudo. Não foi o poder - talvez nem o abuso do poder - que esteve na raiz dos "horrores da Casa Branca", como lhes chamou John Mitchell, "O mais grosseiro erro de interpretação acerca de Watergate", disse o antigo conselheiro especial da Casa Branca, Charles Colson, "é toda a gente supor que as pessoas que rodeavam o presidente estavam embriagadas pelo poder... Não se tratava de arrogância. Era insegurança. Essa insegurança principiou a alimentar um forma de paranóia. Nós reagíamos em excesso aos ataques contra nós e a muitas outras coisas. (13) Não resta dúvida de que "o estilo da Casa Branca de Nixon foi influenciado por um alto grau de autopiedade" (14) e autopiedade não é emoção que se coadune com a sensação do poder. Mais: isso levou a erros crassos, à ineficiência e à má administração. Um grupo de homens verdadeiramente poderosos poderia perfeitamente ter invadido com êxito o consultório do psiquiatra Daniel Ellsberg, ou ter ligado aparelhos de escuta ao telefone de Larry O'Brien - nenhuma dessas façanhas era insuperavelmente difícil. Só que se tratava de medrosos amadores, que se sentiam mal preparados para jogar nos grandes times e estavam permanentemente premidos pela necessidade de se assegurarem de que eram fundados os seus receios a respeito do "inimigo".

Aliás, a Administração Nixon não constitui caso único, neste sentido. Muitas das pessoas que nós julgamos serem poderosas acabam se revelando, se submetidas a um exame mais atento, medrosas e ansiosas. E um engano supor-se que posição e personalidade são uma mesma coisa. Pode um homem ter um título ressonante, uma elevada posição de autoridade, dinheiro e influência, mas, se suas mãos estão permanentemente mexendo em alguma coisa em cima da mesa, se ele não é capaz de nos fitar nos olhos, se ele cruza e descruza as pernas como se tivesse comichão entre elas, e se, quando o telefone toca, hesita entre responder ou fingir que não escuta, acho que podemos garantidamente concluir que não é um homem poderoso. Por mais humilde que seja a nossa posição, há sempre uma chance de obtermos aquilo que desejamos. Quantas vezes deixamos de reconhecer isto, quanto tempo nos leva para aprendermos a diferença entre o poder simulado e o real, quantas oportunidade perdemos, para não falar de tempo!

Por vezes, pretendemos encontrar poder onde não existe senão medo, ambição e interesse pessoal. Temos que aprender a reconhecer os sinais do poder e a lutar sutilmente, inflexivelmente, constantemente, pelo nosso. Tal como as nações desenvolvem diplomacia e guerra para manter sua independência, nós devemos jogar os jogos do poder, para sermos nós mesmos, evitando que "os acontecimentos dirijam a nossa vida, em vez de nós dirigirmos os acontecimentos... (15) O que está em causa é a nossa capacidade de sermos a pessoa que desejamos ser, em vez de nos tomarmos a pessoa que os outros querem que nós sejamos. O que todos desejamos é aquilo que Rollo May descreve como "senso de significância.. a convicção pessoal de que a gente conta para alguma coisa, de que a gente exerce efeito sobre os outros, de que a gente pode obter reconhecimento alheio". (16)

Assim, por mais trivial que por vezes se afigure o jogo do poder, ele é um meio de definir quem nós somos, de preservar a nossa liberdade de ação e a nossa capacidade de efetuar mudança. Desde cedo, no pátio da escola, se aprende que às vezes as coisas podem ficar más para quem fica assistindo, que o fato de tomarmos parte nos acontecimentos pode levar a que eles se voltem a nosso favor, em vez de se voltarem contra nós. Quando pegamos o telefone, escrevemos uma carta, entramos numa conversa, estamos - queiramos ou não - iniciando um jogo, ao fim do qual haveremos de nos sentir satisfeitos, ou experimentar um desagradável sentimento de termos saído diminuídos, reduzidos à insignificância. Nada é estático; cada ação nos toma mais ou menos o que éramos antes. Mesmo o mais ordinário dos escritórios é lugar para testarmos o nosso poder. Cada momento do dia nos oferece oportunidade para testarmos a nossa habilidade, para gozarmos nosso triunfo, para aprender alguma coisa à custa dos nossos defeitos - já que nem sempre podemos ser vitoriosos. A maioria pensa que o poder está em outro lugar, no escritório a seguir, no andar de cima, na Casa Branca, fora do seu alcance. Mas o poder está todo à nossa volta, junto de nós; tudo que temos a fazer é agarrá-lo. Ele não reside para além das atividades diárias de nossas vidas, sim dentro delas.

O poder é um mito, mas não é preciso andar pelo deserto ou submeter-nos a uma longa iniciação para aprender o sentido e ficar senhor dos mistérios dele. Quando Carlos Castañeda, o antropólogo e estudante do poder, se queixou ao seu mestre Don Juan de que não tinha condições para seguir o seu guia na vereda para o poder e para o conhecimento, na solidão aterradora dos desertos e das montanhas; de que talvez se sentisse melhor se pudesse se desembaraçar de suas obrigações de homem urbano do século vinte e ir viver no sertão, o velho mestre apontou para as ruas congestionadas de uma cidade moderna e disse: "Este é o teu mundo... Tu és um homem deste mundo. E neste mundo se situa o teu campo de caça. Não há como escapar de fazer o que se faz no nosso mundo; por isso, o que o guerreiro faz é transformar o seu mundo em terreno de caça. Sendo um guerreiro, o caçador sabe que o mundo é feito para ser usado. Por isso, usa cada pedacinho dele. Guerreiro é como pirata, que não tem escrúpulo em tomar e usar qualquer coisa que deseje; a diferença é que o guerreiro não se importa, ou não se sente insultado, quando é tomado e usado pelos outros".(17)