Capítulo Segundo

HISTÓRIAS DE PODER

Ele podia deixar os arquivos aos arquivistas, os cursos para principiantes aos professores atuais, o correio aos seus secretários e não estaria com isso negligenciando nenhum assunto importante. Mas não ousava deixar a elite entregue a si mesma, nem por um instante. Tinha que se manter atento a ela, impor-se a ela e tomar-se indispensável para ela. Tinha que convencer os homens da elite do mérito da capacidade dele e da pureza da vontade dele; tinha que os conquistar, que os cortejar, que os vencer, que se confrontar com cada candidato entre eles que mostrasse disposição para o desafiar - e não faltavam tais candidatos.
Hermann Hesse
THE GLASS BEAD GAME

Só o poder pode levar as pessoas a uma posição em que elas possam ser nobres.
Alfred Kazin

 

A APARÊNCIA DO PODER

Algumas pessoas parecem ter nascido já sabendo como usar o poder, por vezes mesmo formadas pela natureza, à imagem do poder. Não é preciso ter dois metros de altura e uma constituição de jogador de rugby, mas existem algumas características físicas que insinuam o poder - uma certa imobilidade, o olhar firme, as mãos quietas, os dedos grossos, principalmente uma presença sólida, que sugere que estamos no lugar que nos pertence, mesmo que estejamos em escritórios, ou em cama alheia.

É possível cultivar alguns destes sinais de poder e mesmo adotar certos maneirismos que nos tomem o centro de atração de um grupo, mas nada pode substituir aquela combinação de autocontrole e magnetismo pessoal que os poderosos têm naturalmente.

Se a gente tem um rosto largo, com pelo menos uma feição dominadora - o nariz do general De Gaulle e as orelhas de presidente Johnson são exemplos -, isso ajuda; mas se falta esse presente dos deuses ou das leis da genética, o aprendiz de caçador do poder faria bem em dar uma boa olhada em si próprio (ou em si própria) ao espelho, tirando partido do tempo que, de outro modo, seria desperdiçado em apenas fazer a barba ou se maquilar. Afinal, quando as pessoas olham para nós, é o nosso rosto a primeira coisa que vêem e, possivelmente, a única de que se vão lembrar.

Poderemos pensar que pouco nos é permitido fazer pelo nosso rosto, a não ser que usemos a cirurgia plástica, mas isso não é inteiramente verdade. Nós vivemos por trás de nossas faces, que nos servem de fachada. Podemos facilmente ignorar como elas nos estão servindo mal. Experimente olhar para o espelho e dizer numa voz firme, razoável e acreditável: "Estou convencido de que o meu trabalho me dá direito a mais dinheiro do que estou presentemente ganhando, e sei que posso, de fato, ganhar mais, mas prefiro ficar aqui". Se os seus olhos se mostram evasivos e principiam piscando muito e a sua mandíbula inferior avança belicosamente, seu rosto está entregando você - num encontro real com o seu superior, ele provavelmente concluirá que você não está recebendo outras propostas de emprego e é natural até que chegue à conclusão de que você não merece nem aquilo que está ganhando. Praticando em frente de um espelho, é possível desenvolver um olhar firme e inspirador de confiança, e uma boca serena e confiante.(**) Não seremos capazes de nos tornarmos bonitos, mas podemos aprender a controlar nossas reações faciais, para eliminar os sinais mais evidentes de nervosismo.

A despeito da recente popularidade de cavanhaques e bigodes, esses apêndices raramente são úteis no jogo do poder, porque freqüentemente se supõe que eles servem para esconder um lábio superior fraco ou a falta de queixo, além de, obviamente não serem utilizáveis por mulheres jogadoras. Homens de cavanhaque quase sempre dão a impressão de terem algo a esconder, e muitas vezes têm. Quanto aos bigodes, eles se assemelham a compromissos hesitantes entre fazer a barba e deixá-la crescer, dando uma impressão de incerteza.

É útil aprender a estar serenamente sentado, enquanto os outros se agitam nervosamente - muitos homens de negócios tiravam tanto partido de sua imobilidade de pedra em ocasião de crise, que davam a impressão de serem eles os únicos a se controlar - quando, na verdade, eles apenas não tinham nada de válido a sugerir ou nem mesmo haviam chegado a compreender o grau de gravidade da situação. As pessoas que se mantêm quietas e caladas vão gradualmente adquirindo reputação de gente de bom senso e de confiança e até, por vezes, de agressividade, uma vez que raramente esse tipo de pessoa arrisca opinião antes de escutar o que outros mais impetuosos têm a dizer. Este é um talento que eventualmente pode ser aprendido - algumas semanas numa academia de ioga podem ajudar, assim como recitar longas passagens do The Oxford Book of English Verse, ou repetir para si mesmo os resultados dos jogos de beisebol durante as reuniões de negócios. O principal é estar em silêncio, impassível, aparentemente alerta, e sempre visível.

A roupa pode, às vezes, ajudar-nos a ser visíveis, mas nada aborrece mais os outros do que a excentricidade no vestir. Numa empresa em que reina a atmosfera do "mangas de camisa", é possível adquirir-se uma grande visibilidade usando-se sempre o paletó, fazendo o usuário parecer mais sólido, conservador e confiável do que qualquer outro.

Os pés têm a sua liturgia. Muita gente cruza as pernas quando está sentada, de modo que a singularidade de apoiar os pés firmemente no chão projeta uma aura de solidez de poder. Aliás, os pés podem ser utilizados muito mais sutilmente, como veremos mais diante.

Os executivos que suam muito podem achar que vale a pena investir num poderoso condicionador de ar, mesmo com risco de que os outros tremam de frio, uma vez que a transpiração é habitualmente considerada um sinal de tensão ou de se estar mentindo. Nenhum destes estratagemas, no entanto, pode substituir as vantagens de um bom rosto, firme e bem controlado.

"...SOBRE CÃES, VÁ FALAR COM ELE"

Os que têm um tal rosto são três vezes abençoados. Por exemplo, o meu amigo Jack: imagine um homem alto, delgado, irradiando força e poder, dotado pela natureza com um nariz que infunde confiança e poder (até as narinas são largas, o que é um bom sinal de poder, tanto nos homens quanto nos cavalos), olhos azul-claros pestanudos, sobrancelhas de selva e maçãs do rosto salientes. Jack sabe, por instinto, como assumir "a posição do poder". Mesmo sem pensar nisso, ele se senta de frente para a porta em qualquer restaurante ou bar, com as costas para a parede, sabendo que um homem com as costas para a porta está sujeito a ficar nervoso e pouco à vontade, por não poder evitar olhar por cima do ombro.

Durante uma reunião, senta-se de costas para a janela, de modo que os outros tenham que enfrentar o brilho do sol, para o verem.

Sua fala é em murmúrios abafados, de modo que a gente tem que se inclinar para a frente se quiser entender o que ele está dizendo, colocando-nos numa posição desconfortável e dando a impressão de que lhe estamos fazendo uma vênia. Como todos os bons jogadores do poder, ele nunca transpira e mantém absoluto controle sobre a bexiga; seja qual for a duração de uma reunião ou de almoço, jamais é o primeiro a levantar-se para ir ao banheiro, porque o primeiro a ir lá está sujeito a ser considerado mais fraco do que os restantes - embora, dai a poucos minutos, todos façam a mesma coisa. (Os jogadores pouco seguros de sua capacidade nesta competição poderiam imitar a família real britânica, cujos membros habitualmente se preparam para as cerimônias públicas bebendo o menos possível desde alguns dias antes e alimentando-se com uma dieta de pouco volume e muitas proteínas - pode-se estar com sede, mas evita-se a probabilidade de ter que pedir licença para ir a algum lugar precisamente quando o destróier está sendo lançado ao mar ou quando o Lord Mayor de Sheffield está recebendo o seu título.)

Jack é um consultor de negócios, de fama mundial, com um tal gênio para operações inconvencionais que desconcerta qualquer um. Durante a depressão, passou de um colégio secundário do Brooklin para um enorme escritório próprio no edifício Seagram, em Park Avenue. A sala de reuniões parece a casa forte de um banco, toda de aço inoxidável e bronze polido, com uma mesa de vidro suficientemente grande para reuniões da OTAN. No entanto, o seu gabinete pessoal é algo de parecido com o que um notário público de esquina teria em Bensonhurst - velha mobília gasta pelo uso, pastas de arquivo empoeiradas e espalhadas por todo o assoalho, um relógio parado do tempo do avó, um gabinete que evidencia como o seu ocupante não necessita do show brilhante da exteriorização do poder. Quando recebe no escritório externo, rodeado de consoles telefônicas cheias de botões reluzentes, interruptores de iluminação cromados de George Kovacs, carpetes que parecem modernas tapeçarias artísticas e molduras nas paredes que parecem tapeçarias antigas, Jack projeta força infatigável, resolução e eficiência. É vivo, impessoal, continuamente disparando ordens rápidas e concisas pelo sistema de intercomunicação. Uma iluminação cuidadosamente planejada dá ao seu rosto uma aura de boa saúde. Em presença de tão inesgotável energia e determinação, parece fora de propósito pensar em lhe resistir.

Quando está em seu gabinete particular, ele escorrega naturalmente para dentro de um outro estilo: de ombros caídos, queixa-se de que está exausto, de que está demasiado velho para tomar de volta, de Los Angeles, o "vôo dos olhos vermelhos" e para conduzir o carro diretamente de Kennedy para o escritório; seus olhos nublados já não projetam mais poder e sim uma imensa fadiga. Perdido no meio de uma enorme pilha de papéis, busca a simpatia alheia, pergunta pela saúde do próximo e dá pormenores da sua, recomenda um médico a quem sofra de dores nas costas, oferece um tranqüilizante (recomendando cautela, para que ele não seja tomado). Quando necessário, ele pode mudar rapidamente de um estilo para outro, até que seu oponente desguarneça completamente a guarda, não tendo a certeza se é com o mago eficiente das finanças ou com o tiozinho caduco que terá que se haver. Jack não tem nenhuma dificuldade em mudar de um papel a outro: ambos são reais, e quem o guia é mais o instinto do que a astúcia.

Jack entende o poder, é claro; é essa sua co-participação acionária no negócio. Ele aparece nos gabinetes alheios sem ser anunciado pela recepcionista, de modo que os outros, sentados às suas mesas, tenham que olhar para ele em pé. Sabe quanto é importante não lhes dar tempo para dizerem à recepcionista que o faça esperar alguns minutos - apanha-os sem paletó, com a gravata desapertada, falando com suas amiguinhas pelo telefone particular ou brincando com a secretária - já está um passo à frente, como o homem que entra no quarto de uma mulher e a encontra nua. (*) Nenhuma recepcionista lhe barra o caminho: ele parece ser o dono de toda a companhia, disposto a pôr todo mundo na rua com as suas coisas, deixando-as de pé no passeio, sem saberem o que aconteceu, com suas canecas para café, seus cartazes de defesa da ecologia e os cinzeiros que seus filhos fizeram na aula de trabalhos manuais.

Desde o início de sua carreira, ele soube como evitar pedir favores - presta-se de boa vontade a fazê-los, mas assegura-se de que não haja modo de retribuição. O saldo fica sempre do seu lado. Age em todas as ocasiões com impassível mas instintiva generosidade. No fim de uma longa e mal sucedida negociação, um executivo, sentindo que tinham chegado a um beco sem saída, fez uma pausa para admirar o relógio de Jack (um fino Patek Phillipe de ouro com bracelete de malha de ouro). "É um relógio espetacular" - disse o executivo. "É muito caro?" Jack encolheu os ombros e respondeu: "Quatrocentos dólares". O executivo disse: "Eu gostaria de ter um assim; esse é o preço de tabela ou o líquido?" Jack permitiu-se um sorriso e, tirando o relógio do pulso, colocou-o em cima da mesa e levantou-se, dizendo: "Líquido, mas o relógio é seu. Se não podemos chegar a um acordo sobre o contrato, podemos pelo menos chegar a acordo sobre o relógio".

Antes que o atônito executivo pudesse responder, Jack tinha partido, deixando o seu oponente às voltas com um dilema. Ele estava devendo a Jack quatrocentos dólares? Ou o preço de tabela? Ou quatrocentos dólares menos uma depreciação razoável? Ou - Deus queria que não - não estava devendo nada? Podia restituir o relógio? Apesar de repetidas chamadas telefônicas. Jack recusou-se a discutir esse assunto, até mesmo a aceitar a sua existência. Com o andar do tempo, os dois homens acabaram por se encontrar para retomar suas negociações sobre assuntos de maior interesse. O executivo tinha a cabeça cheia da questão do relógio e facilmente cedeu às condições que Jack pretendia impor.

Se o homem tivesse sido esperto, teria devolvido o relógio pelo correio, como encomenda registrada, mas, como Jack mais tarde esclareceu, "ele desejava realmente o Patek Philipe e assim teve o relógio mais caro de sua vida".

Jack move-se automaticamente, para estabelecer o seu imperativo territorial. À mesa do almoço, sentado em frente de outrem, vai movimentando o seu maço de cigarros, o seu isqueiro Dupont de ouro, os seus óculos de leitura, o seu prato para manteiga e o seu copo para água, se necessário, cada vez para mais perto do centro da mesa, acabando por atravessar a fronteira invisível, e invadir o espaço do outro. Quando a comida é servida, ele tem o companheiro cercado, curvando-se por cima das coisas, para escutar o que Jack está dizendo. A mesa tornou-se um tabuleiro de xadrez e o parceiro percebe que as peças de Jack estão do outro lado do tabuleiro, ameaçando o rei adversário. Jack deu xeque-mate, antes que o adversário percebesse que o jogo tinha principiado.

Ele leva sempre consigo o chapéu e o sobretudo, quando entra no gabinete de alguém, para poder colocá-los sobre o sofá ou a cadeira, em vez de os pendurar no cabide, estabelecendo assim direitos territoriais. Muitas vezes, pede para usar o telefone, pedido que ninguém recusa. Provavelmente, o dono do gabinete sairá, enquanto ele está ao telefone trata-se de um gesto de cortesia - e, quando voltar, encontrará o visitante sentado à mesa, empunhando o telefone (um símbolo freudiano óbvio de poder em forma de função). À vista disso, muito homem habitualmente sagaz se descontrola.

Se Jack tem uma fraqueza, essa é a sentimentalidade, uma afeição tão forte e apaixonada por certas pessoas que parece surpreender o próprio Jack. Ele aprendeu a manobrar os homens, mas não a ser indiferente para com eles, o que torna a sua tarefa mais difícil, uma vez que, basicamente, seu desejo é tornar todo mundo feliz, mesmo quando ganhou. Mesmo quando seus oponentes foram derrotados, quando cada uma das cláusulas foi alterada segundo a vontade de Jack, ele deixa os outros com a impressão de terem feito um bom negócio. Jamais proclama nem celebra uma vitória. Se existe um modo de o derrotar, consiste em aproveitar o seu senso de justiça, tão espontâneo quanto genuíno. Muitos dos seus clientes são pessoas "desamparadas e desgarradas", que Jack encontrou porque precisavam dele e que, de algum modo, tocaram as profundezas de sua paternal amabilidade, o seu desejo de endireitar as coisas tortas deste mundo. Talvez isso aconteça simplesmente porque uma vida gasta a tratar de vastos e intangíveis problemas de contratos de petróleo, a aglutinar negócios de terras e hotéis de estâncias turísticas da América do Sul, não consegue satisfazer as ambições de Jack. Seja como for, pode-se muitas vezes topar com ele jogando o jogo do poder por uma pequena participação ou até sem participação alguma, como um médico de sucesso que tira duas tardes por semana para clinicar de graça, ou trata secretamente de um doente demasiado pobre para poder pagar.

Aliás, um desses médicos é na realidade seu irmão. Trata-se de um desses santos médicos de velho estilo, que se supõe já não existirem mais, um homem de costas encurvadas, de poderosa constituição física, com um rosto inocente e olhos de um diagnosticador natural. Seu amor é a medicina e talvez se trate de um dos últimos no pais a acreditar, sem reserva, no juramento hipocrático e na Declaração da Independência. Imagine-se, se é possível, um daqueles doutores tipo Gerald Greene de velha escola, vivendo em Canarsie, numa casa de madeira com jardim, perto do cruzamento da Avenida U com a Rua 69, nas traseiras do mais além das profundezas do Brooklin, algures atrás da Floyd Bermett Naval Air Station e perdida entre lotes de estacionamento da nova Macy e infinitos trechos de casas cor de pastel cobertas de asfalto, e postos de gasolina decorados com bandeiras sujas de plástico flutuando em fios bambos, tabernas de ar sinistro, com janelas apenas suficientemente largas, para obedecer aos requisitos da lei, e ginásios públicos otimisticamente desenhados para se parecerem com Monte Vemon e agora cercados de barreiras contra ciclones e cobertos de grafitos - Clieckpoint Charlies no Muro de Berlim de esporádica violência racial, aparecendo nos jornais de Manhattan apenas como fundo de fotografias de patrulheiros táticos com máscaras de plástico e de barulhentos motins de donas de casa em protesto contra a beijoca... Em outras palavras: é um ambiente "em transição", fisicamente uma espécie de península, descendo para Sheepshead Bay, com suas margens imundas, atulhadas de pneus usados, sucata, estábulos de cavalos caindo aos pedaços e estabelecimentos industriais avulsos processando plásticos malcheirosos ou especializadas na pintura de carros roubados.

Sociologicamente, houve mudança de judeu para italiano e para negro, não tão depressa que satisfizesse os negros, mas suficientemente depressa para que os judeus se fossem (desde então fugiram para Larchmont e Great Neck) e para irritar os italianos, que se mudaram depois do êxodo dos judeus. Este processo significa - é preciso imaginá-lo, quando não se é um nova-iorquino - que toda a área se parece com Dresden em 1845: vastas extensões de entulho, pontuadas de tabuletas maltratadas pelo tempo, prometendo grandes projetos de reconstrução urbana, sob a orientação de algum prefeito que há muito saiu do cargo; sinagogas que agora são templos islâmicos; armazéns que foram cobertos com compensado, para servirem de repartições locais; fortalezas armadas da Liga Ítalo-Americana Anti-Difamação; tabernas pseudo-escocesas, cujos nomes estão mudando de "Shamrock Grill" para "Meca"; um armazém de mobília, que fez um novo arrendamento, vitalício, como centro da fraternidade dos "monjes marciais", de hábitos verdes com cordões negros, que ensinam as disciplinas de Kung-Fu, caratê e judô, e geralmente se suspeita que forneçam drogas aos negros, ou armas automáticas, ou uma coisa e outra. Não é um lugar ideal para se viver.

Houve um tempo em que a vizinhança mantinha vários médicos - clínicos gerais que conheciam os seus pacientes, faziam visita a casa e levavam no bolso balas de cevada para as crianças. À medida que o ambiente foi mudando, eles foram fugindo, retirando-se para os subúrbios e, para a maioria dos residentes, o tratamento médico é agora algo que se relaciona com intermináveis formulários e se aplica em grandes e assustadores hospitais que assomam no horizonte, perto dos poucos edifícios altos em construção e dos gasômetros da Con Ed. Única exceção foi o irmão de Jack, que ficou, aprendeu um pouco de italiano, se entregou ao schmoozing com o pároco em vez de o fazer com o rabino, mas acabou se encontrando isolado na maré vazante da desintegração social. Os viciados em drogas peregrinam de Bedford-Stuyvesant para entrar pelo seu consultório; ele não pode fazer visitas à noite, com medo de ser assaltado; a cerca de estacas em volta de sua casa foi derrubada enquanto ele dormia; os malandros roubam as calotas e as placas de "Médico" do seu automóvel; aparecem desenhos na sua porta. É agora atormentado com ataques sucessivos, no lugar em que outrora recebia respeito.

Tudo isto aconteceu sem que Jack soubesse - ele ama o seu irmão, mas seus caminhos raramente se cruzam e cada um deles considera o outro um inocente. Los Angeles fica agora mais perto, para Jack, do que o Brooklin, e não é de estranhar que me tenha contado a história dos infortúnios de seu irmão precisamente à média luz do Polo Lounge do Beverly Hills Hotel, onde eu tinha ido livrá-lo de uma discussão com um homem de negócios embriagado, cujas últimas invectivas contra nós foram: "Não me importa o que vocês digam; eu preferiria controlar a tecnologia a ser algum dia presidente, e é isso exatamente o que estou fazendo. Toda a minha vida trabalhei por dinheiro e que se danem os outros; portanto, posso dizer a qualquer um "dane-se" e estou dizendo a vocês, danem-se".

"Um caipira" - disse Jack com desprezo, conduzindo-me para uma das mesas. "Ele tem um equipamento resfriador portátil, que mantém a cerveja gelada, e que se amarra às costas dos vendedores. Estes apregoam a cerveja gelada nos campos de esporte. Isso é tecnologia? Isso é poder? Tom Swift e seu pequeno barril de cerveja pendurado nos ombros? Eu lhe ensinarei como usar o poder, se você está interessado em saber".

"Você conhece o meu irmão, não é verdade? Talvez não saiba que um dos meus clientes é um "Dom" da Máfia - só que a gente se refere a ele como um homem acusado de atividades no submundo, está certo? Nós o chamamos de Mister Pietro, OK? É um homem muito importante em certos círculos e tem muito poder no Brooklin, onde dirige algumas organizações de negócios. Pessoalmente, eu gosto dele - é um cara quente, generoso, que olha pelos seus parentes, coisa que admiro. Creio que os estabeleceu com estandes Carvel, de uma ponta à outra de Long Island. Um dia, disse-me: "Eles não podem me prejudicar vendendo gelados, mas o único cara em quem eu confiaria cem por cento para gerenciar um estande de gelados seria um diabético. Pelo menos, ele não roubaria o estoque". De qualquer modo, Pietro está presentemente numa prisão federal e eu o vejo de vez em quando, para tratar de seus negócios pessoais de investimentos. Quanto aos seus negócios profissionais, não quero saber nada a respeito".

"Pietro era o último cara que eu tinha na cabeça quando fui ver meu irmão, no dia de seu aniversário - coisa que eu não fazia desde há muito tempo. Quando parti para o Brooklin na limusine - acho que saí de lá pelo metrô, mas quando regresso tem que ser de limusine - pude ver que meu irmão estava aborrecido e infeliz. Estimulei-o um pouco e ele me contou o que estava acontecendo por lá. Há dez anos, ele poderia dirigir-se ao rabino ou à polícia, mas agora, quem sabe? Bem, eu imaginei fazer alguma coisa a respeito, por minha própria iniciativa, sem lhe dizer nada e assim, depois do almoço - um daqueles grandes almoços como todo cardápio do Stage Delicatessen, mas com toalha de renda na mesa - saí para um passeio pela velha vizinhança e, andando alguns quarteirões, vi aquela confeitaria na esquina, aquele tipo de estabelecimento que vende jornais, magazines e cerca de um milhão de outras coisas, e é o centro onde vai toda a gente da vizinhança, certo? Bem, ao balcão estava aquele velho cara, de grande bigode branco, avental, colocado de modo a poder ver a rua inteira. Entrei, exibi os meus ombros quadrados e, quando estava colocado exatamente na sua frente, para que ele não pudesse ver para fora da porta - confesso que estava deliberadamente bloqueando a sua visão - fitei-o bem nos olhos. "Posso servi-lo em alguma coisa? ", perguntou. Eu respondi: "Não, eu vim trazer-lhe uma mensagem do sr. Pietro. A mensagem é a seguinte: Não aborreça o irmão do meu consigliere. Eu sou o consigliere de Don Pietro. O doutor é meu irmão. É esta a mensagem.

"Então, o cara olhou para mim e abriu muito os olhos. perguntando: "Por que dizer isso a mim? Que é que eu posso fazer? Quem pode controlar as crianças nos tempos que vão correndo? Elas fazem toda a espécie de coisas, seus pais não se importam e a população não tem segurança. Há negros entrando aqui, os nossos próprios filhos não mostram respeito, nem o padre se sente em segurança. Diga a seu irmão que ele deveria comprar um cachorro". Apenas olhei para ele sem pestanejar e disse: "Não me responda desse jeito, eu não estou autorizado a discutir e não quero escutar nada a respeito de cachorros. Estou incumbido, certo? - apenas de lhe transmitir a mensagem. Isso é tudo, e você já ouviu. Você recebeu a mensagem de Don Pietro, o que vai fazer é problema seu, amigo. Se quer falar a respeito de cachorros, vá falar com ele".

"Bem, diz o meu irmão que as coisas mudaram a partir daí. Sua cerca foi levantada, ninguém toca no seu carro, há mesmo um grupo de caras da vizinhança vigiando a sua porta da frente, à noite, com tiras de pneu e chaves inglesas, para terem a certeza de que ele não é molestado. Meu irmão é um homem feliz. Supõe que a vizinhança se tornou um belo lugar. Eu não lhe contei o que fiz e nem disse a Pietro que tinha usado o nome dele - não que ele se importasse, ele tem senso de humor e é contra crimes na rua. Eu usei o poder. E até ninguém sabe que eu o fiz.

"Eu não quero o meu nome nas fitas, porque crédito é algo para se dar aos outros. Se você está em posição de dar crédito a você mesmo, então não precisa dele." (1) Esta declaração é de Monroe Stahr, o produtor de Hollywood, falando no The Last Tycoon, de F. Scott Fitzgerald, e representa o mais sutil ponto de vista acerca do poder - e o mais raro. Poucas pessoas que têm poder, ou o desejam, são capazes de renunciar à autopromoção (por esse motivo, as pessoas poderosas raramente são boas guardadoras de segredos). Homens como Jack, que gostam de usar o poder invisivelmente, são raros. Como disse Malcolm X, "o poder é mais bem usado em silêncio, sem atrair a atenção" (2) - um juízo que ficou dramaticamente confirmado quando ele apareceu em público com o seu poder e acabou sendo abatido por uma metralhadora.

Os mais talentosos jogadores do poder preferem atuar por trás das cortinas, obtendo o que desejam, com o mínimo de publicidade e de estardalhaço. Aprenderam que é melhor realizar as coisas silenciosa e pacientemente, de modo a que lhes seja oferecido aquilo que eles desejam. A confrontação produz fricção e a fricção desacelera o progresso.

Para muita gente dentro das organizações, porém, a principal atração do poder reside precisamente na sua visibilidade. O papel de eminência parda não lhes agrada. A vida moderna também não favorece o poder: não nos importamos de ser levados, mas queremos ver os nossos líderes em ação, para compartilhar de sua luta, assistindo a ela. Gostamos de diplomacia aberta, de confrontações frontais de poder na nossa política e de ver em ação muitos e interessantes jogos do poder, talvez porque as satisfações do trabalho da maioria são limitadas e crescem sensivelmente com o prazer da assistência à luta dos outros pelo poder. É simultaneamente um esporte para espectador e um esporte de participação, desde que cada um, mesmo sem importância, possa desempenhar um papel, tomar partido, julgar, sentir-se envolvido em algo mais dramático e interessante do que a sua limitada tarefa. E por isso que um espalhafatoso caçador de poder tem maior probabilidade de atrair muitos partidários e simpatizantes do que um silencioso conspirador.

Quem gosta da aparência pública do poder pode subir muito depressa, tornar-se estrela, celebridade em seu pequeno mundo, construir sua própria lenda mantendo abertamente o poder - nasceu líder.

"JOE NAMATH FOI UM LÍDER..."

David Manhoney, o diretor executivo e presidente, aos cinqüenta e dois anos, da Norton Simon Inc., está "acostumado à vereda rápida".(3) A vereda sempre o conduziu ao poder, com sucesso, e pela verdade ele avançou tão rapidamente e tinha um tal aspecto de triunfador, que "o caminho sempre lhe foi aberto por homens mais velhos".(4) Filho de um operário da construção civil do Bronx, que foi jogado no desemprego pela Depressão, Mahoney comanda um conglomerado cujas vendas ultrapassaram um bilhão e meio de dólares no ano fiscal que terminou em 3O de junho de 1973 e cujas atividades incluem sucos de frutas, alimentos enlatados, cosméticos, bebidas alcoólicas em geral, modas e magazines.

As instalações executivas da Norton Simon Inc., em Park Avenue, parecem ter sido desenhadas para refletir a presença do poder e do dinheiro, num estilo discreto e autoconfiante, que é caracteristicamente norte-americano do fim do século dezenove. A "área de recepção" (demasiado ampla para poder ser chamada de sala de espera) é fracamente iluminada, decorada em tonalidades de castanho, tão silenciosa e esmagadora como o túmulo de um faraó e provavelmente sua construção não custou muito menos do que o mesmo túmulo. Das paredes pendem enormes quadros de pintura abstrata, aquela espécie de arte simultaneamente suave e cara, que à primeira vista se revela inofensiva e tem um efeito calmante; o carpete tem um desenho entrelaçado, em marrom escuro e bege; a mobília é de aço inoxidável e couro - não muito diferente do estilo de uma sala de espera de primeira classe num aeroporto - a ponto de se ter a impressão de que vai aparecer a qualquer momento uma aeromoça de minissaia, para receber as nossas ordens e para escutar o abafado gemido do Muzak. A nota dominante é o dinheiro. Tudo aqui é sólido e caro e, apesar do tamanho das salas, duvida-se de que as cadeiras e os sofás sejam ocupados muitas vezes - elas estão aqui para ocupar espaço.

Os corredores são igualmente escuros e herméticos, apenas uma porta aberta permitindo uma vista surpreendentemente alegre de interior de um banheiro de senhoras, fartamente iluminado e decorado com modernas flores estampadas e plástico branco. O gabinete do próprio Mahoney é uma grande sala silenciosa, com uma vista espetacular sobre Nova York, mesa de conferências coberta de pano azul, cadeiras de braços sugerindo berços de camurça, caixas para cigarros, ornamentadas, cheias de Tareytons (a marca de Mahoney), e uma mesa em imitação de pele de jacaré sobre a qual repousa uma cópia do relatório provisório de David Mahoney para os acionistas sobre os três meses que terminaram em 3O de junho de 1973, artisticamente encadernado em pergaminho azul-cinza. As cortinas brancas ondulam graciosamente à brisa gerada pelo sistema de ventilação, as janelas estão fechadas, e do outro lado da porta que dá para o gabinete privado de Mahoney chegam sons de uma discussão animada em que ocorre freqüentemente a expressão "capital operacional". É como estar na sala de controle de uma nave espacial lançada no rumo do lucro.

Quando a porta se abre, aparece o próprio capitão, um homem delgado, alto, bem parecido, no início da casa dos cinqüenta, usando terno xadrez, camisa azul, sapatos Gucci de cabedal negro de boa qualidade e um fino relógio florentino de ouro, que nunca é consultado.

Mahoney tem a boa aparência severa, expressiva e auto depreciativa do jovem John Huston ou de Jason Robards Jr. - é fácil imaginá-lo como Hickey em The Keman Cometh. O que primeiro dá nas vistas são os olhos, grandes, inteligentes, duros, de uma deslumbrante intensidade azul, que persuadem e desarmam instantaneamente. Mahoney sabe como usar os olhos - olha os outros de frente, dá a impressão de jamais piscar, debruça-se sobre a mesa para os aproximar de seu interlocutor, acomoda-se na cadeira de modo a colocá-los à altura dos olhos de quem fala com ele. É um homem com algo de hipnotizador ou de ator - pouco parecido com um homem de negócios, a não ser por causa dos olhos, que podem se tornar terrivelmente frios quando ele faz perguntas. Ao contrário de Jack, Mahoney mantém-se em constante movimento, fumando em cadeia, servindo-se de Sanka de um bule de aço inoxidável, gesticulando, inclinando a cadeira para trás mas com os pés firmemente apoiados no assoalho, e tem o hábito de Jack de empurrar os seus objetos através da mesa - o isqueiro de ouro, o cinzeiro e a caneca revestida de prata, que avança inexoravelmente para o interlocutor enquanto Mahoney fala.

E difícil imaginá-lo irradiando outra coisa que não seja vitalidade. Sua presença física é impressionante - esguio, tisnado em tonalidade de meio inverno, uma daquelas pessoas que em qualquer parte atrairia as atenções. É dono de um charme como o de John Kennedy (uma outra história de sucesso irlandês-americano), embora na sala apenas existam duas fotografias, ambas autografadas: a do presidente Nixon e a da sra. Nixon, de uma reportagem da McCall.

"O poder é uma alavanca...", diz Mahoney. Estamos conversando acerca das suas responsabilidades, da sua carreira meteórica, e ele tenta definir exatamente como chegou ao lugar em que está. "O poder é persuasão, ou força?" pergunta, encolhe os ombros e continua - "Ou manipulação?". Faz uma pausa para perguntar se eu li Alan Watts, traz habilmente a terceira lei de Newton para dentro da conversa, citando-a com exatidão, despede-se de quem discordou dele com um benévolo "Deus os abençoe", pega um fone e diz: "Diga-lhe que é para as seis horas e vamos ter que fazê-los recuar". Então continua discutindo o modo como conduz os seus negócios. O fato é que ele encara o poder como um meio de realizar, não tolera a idéia do poder como uma abstração, como uma qualidade que ele tem, e sim como uma ferramenta de trabalho. Está interessado, diz ele, em "como", não em "por quê".

"Não existe autonomia no mundo" - afirma. - "Há pouquíssimas coisas que eu poderia fazer. Tenho a impressão de que quero dirigir e tomar decisões? Sim, mas fui sempre um operário de linha." Pausa. "Basicamente, tive sempre que ser um ganhador de dinheiro para as companhias para as quais trabalhei. Tem que haver um líder que faça com que as coisas andem, alguém com essa qualidade intangível, seja ela o que for."

Mahoney procura um exemplo, obviamente relutando em usar o seu. "Joe Namath!" exclama. "Ele tinha poder; ele era um líder." Abre um sorriso largo, e eu compreendo por que Narnath lhe veio à cabeça: porque Mahoney foi muito bom em beisebol e basquete na Cathedral High School de Manhattan e imaginou que a habilidade e a vontade de vencer no atletismo eram o caminho pelo qual ele poderia vir a ter uma educação colegial. Jogando beisebol para vencer levou-o à Wharton School da Universidade de Pensilvânia e, de certo modo, finalmente ao gabinete em que se encontra. Continua jogando para vencer e tem um fraco de companheiro pelas estrelas do atletismo, cujos problemas no campo gosta de comparar aos dele. No que diz respeito ao seu sucesso, contenta-se em dizer: "Desde que Moisés desceu do monte com as Tábuas, foram os vendedores que movimentaram o mundo. Eu sou um vendedor".

Quanto a dirigir uma companhia, Mahoney considera sua função tirar das pessoas o melhor que elas podem dar, o que não deixa de ser uma forma de venda. Gosta de "aprovar as boas decisões, não de as tomar; de orquestrar pessoas, mas pode-se imaginar que ele não tem dificuldade alguma em orquestrar os outros no sentido da decisão que ele deseja que seja tomada - ele próprio não nega sua capacidade de manipular homens e impor disciplina. "Eu prefiro a concordância" - diz - "mas não confio em unanimidade total. Se duas pessoas estão permanentemente de acordo, uma delas é desnecessária."

Quando se trata da questão de usar o poder com dureza, Mahoney mostra-se sempre um tanto evasivo, em parte devido a uma história de jogo do poder que se diz que ele jogou com um executivo que tinha estado no comando da divisão Canadá Dry da Norton Simon Inc. durante duas semanas. Quando esse executivo pretendeu demonstrar que possivelmente a divisão não poderia atingir as cifras previstas para o ano, Mahoney respondeu-lhe que se mantivesse dentro do orçamento do semestre. O outro perguntou o que aconteceria, se ele não pudesse fazê-lo. Diz-se que a resposta foi: "Nesse caso, limpe a sua mesa e vá para casa".(5)

Mahoney não gosta dessa história e custa-lhe confessar que o executivo da Canadá Dry atingiu as suas cifras e ainda está na companhia.

"Estas coisas não são pessoais. O que eu quero saber não é por que você está em baixo, sim quando você vai estar em cima. Diga-me como, não me diga por quê. Eu sou capaz de escutar as razões, e entendo as boas razões, como uma greve numa fábrica de garrafas, mas quero saber como você vai sair de uma situação como essa. Se você não é capaz de fazê-lo, será bom ter uma boa razão e um plano." Pela primeira vez se revela uma centelha da dureza de Mahoney, quando ele corta o assunto abruptamente: "De qualquer modo, ele concordou com aqueles algarismos, que eram os seus algarismos".

Os algarismos preenchem uma grande parte da conversa de Mahoney e ele explica a sua posição, dizendo: "Tudo que eu sou é a soma dos algarismos de todos os outros". Como é que ele se certifica de que todo mundo atinge as suas cifras? Mahoney fala então do "processo de conseguir que as coisas apareçam feitas", acerca da persuasão, dos incentivos ("Há que satisfazer as necessidades de dinheiro, segurança, seja o que for; ao fim e ao cabo, todo mundo tem necessidade de alguma coisa, nem que seja apenas uma boa mesa no Pump Room") e por fim considera, com relutância, a possibilidade de seu poder residir num elemento de medo. "As pessoas têm medo, sem dúvida, e às vezes me temem. Você teme seja quem for, ou seja o que for que possa causar-lhe um problema. O medo que as pessoas têm de mim é, na realidade, medo delas próprias. Se elas estão cumprindo, não há de que ter medo. Provavelmente existe medo em todas as organizações, e isso é natural. O medo nasce quando você discute com o patrão pela primeira vez. Não há como evitar isso."

De repente, Mahoney esclarece que não é fácil para ele o uso construtivo do poder. Ele detesta despedir empregados - "É a decisão mais difícil, muito dura quando se trata de gente que você conhece e de quem gosta (quando você conhece suas esposas, suas casas, seus filhos), mas é ainda mais duro quando se trata de gente que não se conhece, quando se fecha toda uma fábrica, porque se tem que fazê-lo." Depois de ficar carrancudo por um momento, talvez em processo de tomar uma decisão, sorri novamente e acrescenta: "Você tem que tomar a sua função a sério, mas não a sua pessoa. De outro modo, o trabalho vira escravatura".

Quais são os sentimentos de Mahoney a respeito do dinheiro? Ele desejou, desde sempre, poder, riqueza e sucesso? "O que eu soube desde sempre é que nunca desejei ser pobre" - diz ele, e recorda um episódio de quando era menino: viu uma limusine esperando, fora de um teatro, e a imagem se associou, em seu espírito, a "poder e segurança". Levanta-se, sem ter olhado para o relógio, aparentemente consciente de que deveriam ser quase seis horas. "Mas limusines e coisas assim passam" - acrescenta. "A gente consegue uma quantidade de satisfações que são importantes para o nosso ego. Quanto a mim, a cadeia vai até o dinheiro e acaba aí. Meu desejo é que o dinheiro tenha a sua recompensa. Eu o ganhei". Desculpa-se por ter que ir embora, mas tem uma sessão de exercícios às seis e meia no Alex and Walter's Gym, e a limusine está esperando em baixo. À porta, faz uma parada e volta-se: "Com o poder, vem a responsabilidade" - comenta. "Quando você tem uma companhia presa pela coleira, ela também tem você preso por uma coleira." E foi-se embora, movendo-se com a rapidez graciosa de um velho atleta.

Obviamente, Mahoney não se importa com a coleira. Parte do seu charme consiste em que ele não se leva inteiramente a sério: poder é jogo, ele o joga bem, ganha muitas vezes e perde algumas, mas é claro que tira daí uma grande dose de prazer. Não é o que um outro grande executivo foi acusado de ser: "um monstro totalmente controlado, cuja ânsia de poder jamais será satisfeita".(6)

Evidentemente é mais fácil jogar o jogo do poder num estilo que desarme as pessoas, como Mahoney, com uma elegância natural (o New York Times comparou-o recentemente a Robert Redford, o que dá uma idéia da sua qualidade de estrela). Quanto aos seus subordinados, ele os controla através daquilo que eles desejam - como alguém disse uma vez acerca do poder de Harold Geneen sobre os executivos da ITT: "Ele os tem na mão através de limusines".(7) Além disso, Mahoney tem modos brandos, o que o torna muito raro neste mundo, em que o habitual é confiar no medo que se inspira, induzindo "uma tensão que se propaga através da companhia, despertando ambição, talvez satisfação, mas sempre com um certo fundo de medo".(8)

Provocar medo é a espécie de poder que a maioria das pessoas melhor entende, e em muitos escritórios se pode assistir a cenas que fazem lembrar a carnificina da selva - os guinchos sufocados da vítima, o grito triunfante do predador vitorioso, o tremor silencioso e reprimido dos que foram poupados, dizendo consigo depois de cada matança: "Graças a Deus, ainda não fui eu desta vez". Há muita gente que gosta de ser temida e não sente que tem poder, se não o for. Sua estratégia é a agressão; a raiva, sua arma favorita.

É possível, até certo ponto, controlar os outros pelo medo, pelo menos por uma razão: a maioria das pessoas prefere qualquer coisa a uma cena. Na expressão de Erich Fromm, "o animal reage à ameaça, à sua existência, ou pela raiva e pelo ataque, ou pelo medo e pela fuga, e a fuga parece ser a mais freqüente forma de reação".(9) Há quem se torne adepto da arma da intimidação, tática essa por vezes útil em reuniões, em que é possível pegar um bode expiatório e atacá-lo repentina e violentamente. Se o ataque é inesperado, o choque e a surpresa evitarão que outros vão em auxílio do bode, o que constitui um bom meio de esconder as deficiências do atacante. Há muito quem se sinta feliz em seguir uma liderança forte, mesmo que seja na direção errada.

Quando, porém, se trata de jogadas de poder, tal método é primitivo e perigoso. As confrontações abertas escapam facilmente ao nosso controle, especialmente se ocorridas em público, e os jogadores de sucesso desde há muito aprenderam a evitá-las.

Uma amostra de temperamento violento é às vezes um subterfúgio útil, mas habitualmente cai na esfera dos jogos defensivos. Muitos executivos, mesmo seniores, têm tendência para evitar choques frontais com colegas "de pele fina" ou notoriamente temperamentais. Seria demasiado agravo.

De qualquer modo, enquanto as pessoas que facilmente perdem a cabeça são contempladas com grandes privilégios e muita liberdade, simplesmente para se manterem caladas, raramente lhes é confiada uma real posição de poder. O mais que podem fazer é expulsar pelo medo os intrusos de seus ninhos, com demonstrações de ritual de cólera, como o uçá macho, que fica brandindo a sua garra esquerda - como aviso aos outros machos - e como delimitação de território.(10) Na generalidade dos executivos humanos, os sinais equivalentes são predominantemente faciais - as maçãs do rosto tomam-se bolsas vermelhas, os olhos adquirem fixidez e às vezes ficam bulbosos, os lábios endurecem no centro mas tremem nas extremidades. Segundo as normas territoriais dos seres humanos, as explosões de temperamento são sempre muito mais agudas quando ocorrem fora do gabinete particular, pois a raiva de cada um é intensificada pela insegurança de se encontrar num espaço que não lhe pertence. Por isso, os executivos mais experimentados preferem ter suas confrontações no gabinete daquele que mais provavelmente vai perder a calma em seu terreno, ele será mais capaz de ceder.

Tais manifestações de cólera resultam, normalmente, de insegurança, e, à medida que se sobe na escala hierárquica, aprende-se a controlar a nós próprios e a acalmar os outros, pois se tem consciência de que o poder consiste "na produção dos efeitos pretendidos" e não em violentas auto-exibições. Enquanto muitos homens poderosos principiam como "caras duros", porque isso constitui um jogo fácil e rápido para certa espécie de jogadores com garra, a maioria deles aprende rapidamente a comandar através da razão. A habilidade está em obrigar os outros a fazerem o que a gente quer, e a gostarem disso; é persuadi-los de que eles gostam do que a gente gosta.

"...TALVEZ EU SEJA UM FRACO"

W. Michael Blumenthal é um exemplo. Diretor executivo e presidente do conselho de administração da Bendix Corporation, que faturou cerca de dois bilhões de dólares no ano fiscal encerrado a 30 de junho de 1972 (e teve um lucro de US$ 56.400.000), Blumenthal ganhou uma reputação quase lendária de "um cara duro"; ele era, na expressão de um antigo patrão, "arrogante e agressivo para além do tolerável". Uma reportagem da revista Fortune sobre ele principiava por um aviso dado nos seguintes termos: "Quem for visitar a matriz da Bendix Corporation, em Southfield, Michigan, deve ser avisado para não permanecer perto de nenhuma porta fechada; existe um grande perigo de se ser jogado no chão por W. Michael Blumenthal...

Blumenthal não entra numa sala - explode para dentro dela, podendo atingir com uma pancada perigosa quem quer que esteja no seu caminho". (12)

Este retrato dramático irrita Blumenthal, como facilmente se descobre ao principiar a conversar com ele, mas também é possível adivinhar que houve um tempo em que tais palavras lhe teriam agradado imensamente. O caso é que Blumenthal é uma espécie muito particular de industrial, talvez o primeiro e o de maior sucesso de uma nova linhagem - homens que se destacaram no mundo acadêmico e no governo e depois foram faturar sobre o seu QI, obtendo salários astronômicos e variadas opções de co-participação acionária. Blumenthal ensinou economia na Universidade de Princeton e recusou uma oferta de propriedade da cadeira, para ir trabalhar para a Crown Cork International, fabricante de rolhas; serviu durante dois anos no Departamento de Estado e passou quatro anos como presidente da delegação dos Estados Unidos ao Kennedy Round para negociações internacionais de comércio; nunca se conferiu a ninguém tão jovem um título de embaixador. Ao olhar para ele, é difícil imaginá-lo derrubando alguém - é delgado e grisalho, um adulto com ares de menino, com grandes entradas na linha entre a testa e o cabelo, cuja mais notável característica facial é um queixo firme e agressivo. Blumenthal não apresenta nenhum dos sinais óbvios da vitalidade física que teria singularizado Mahoney em qualquer grupo; pelo contrário, o presidente da Bendix anda curvado e parece cansado, e a combinação de sua extrema palidez com a roupa cinzenta torna-o quase invisível. Sentado caladamente num trem, entre as pessoas que viajam diariamente para o trabalho, Blumenthal pareceria um contador regressando a Nova Jersey, um homem de meia idade com os aborrecimentos de todo mundo na cabeça, que sabe que precisa de exercício e ar fresco mas também sabe que não os terá. Só que Blumenthal quase nunca se senta calado; é um falador sem fim, fluente e impaciente. Procura manter a sua irritação sob controle durante a maior parte do tempo, mas isso lhe exige claramente um esforço hercúleo, e a menor interrupção produz nele um estado de completa tensão, que só termina quando lhe é possível entrar de novo na conversa e mantê-la sob seu controle. Obviamente, ele se tem esforçado por escutar os outros, em vez de lhes fazer conferências, mas, até o presente, não conseguiu sucesso na transição, e adquiriu, não se sabe donde, o estranho hábito de deitar a língua de fora, até onde ela pode chegar, recurvando-a para baixo, quando ouve alguém falar. O gesto não resulta grosseiro; talvez, inconscientemente, seja o único meio de ele se conter sem cortar a palavra alheia e retomar a iniciativa da conversa.

A rudeza está muito mais em sua intenção de apoucar, quando nos sentamos em sua suíte do Regency Hotel de Nova York, entre os modernos acessórios da riqueza e do poder - porque Blumenthal se faz acompanhar de seu assistente pessoal e do vice-presidente de Relações Públicas da Bendix, sua limusine o espera lá em baixo, à porta, para o levar a um encontro, e ele se oferece para me levar de avião até Boston, em sua companhia, ao fim da tarde, no jato da Bendix, caso precisemos continuar a conversa. Na verdade, ele não é rude; é até gentil, mas sua impaciência constitui um aviso do temperamento violento que se esconde por trás de um exterior polido.

"Eu não fui rude" - diz ele - "mas talvez tenha sido um pouco abrasivo. A minha impressão de mim mesmo é: um sujeito capaz, que faz o que lhe cumpre fazer, mas um pouco abrasivo." Por um momento, Blumenthal fica em silêncio, deixando a palavra "abrasivo" flutuar no ar, e eu não posso evitar lembrar-me de uma frase de David Mahoney: "Eu aceitaria que um homem fosse abrasivo, se tivesse que fazê-lo em qualquer ocasião, desde que esse fosse o preço da competência". Blumenthal olha para o teto, por um instante, e depois continua: "A experiência ensinou-me a relaxar, deixando a natureza seguir o seu curso. A gente aprende a encontrar o seu caminho por várias maneiras... Para se ter sucesso no uso do poder, é preciso ter-se um senso de poder. Eu definiria isso como um sentimento muito íntimo de ser capaz de prever, com certo grau de certeza, como os outros vão reagir em determinadas situações, de modo a podermos predizer quando vai haver complicação acerca de alguma coisa. É preciso também compreender o que motiva os outros em sentido positivo e, em sentido pejorativo, é necessário ter habilidade manipulativa. "Manipulativa": Odeio esta palavra. Quer dizer usar as pessoas quase em sentido negativo, em nosso proveito...  No entanto, em referência ao meu conceito de mim mesmo, anteriormente exposto, e a todas essas histórias de eu ser abrasivo, impulsivo, já tenho, a meus próprios olhos, uma imagem de ser suficientemente hábil para manipular os outros, e por isso não preciso mais trilhar esse caminho...

Alguma coisa de professor resta ainda em Blumenthal, mas o que mais dá nas vistas é que a sua maneira de falar, a sua precisão, o seu entusiasmo em "ser capaz de", o seu compromisso com a energia ("A energia" - diz ele - "é o requisito básico do poder") são tudo reflexões dos anos Kennedy, reminiscências desse período em que se pensava ser possível a ligação dos mundos acadêmico e político, para formação de um novo estilo. Hoje, resta apenas Kissinger como grande triunfo desse casamento inviável; e, até certo ponto, Blumenthal, outro judeu alemão refugiado, que venceu no mundo acadêmico, depois o deixou em busca de mais poder, se parece com ele. Sua voz tem menos ênfase, mas também ele usa a linguagem de modo preciso, professoral, e se viciou em certos neo-kennedismos como "gut feel" (impressão que brota das profundezas do ego), "getting the other fellow on board" (embarcar outrem na nossa canoa) e "excellence" (excelência), usando tais expressões de modo algo nostálgico; compartilha ainda do desprezo impaciente de Kissinger pelos que são menos inteligentes do que ele e pelos professores que foram para o governo e não conseguiram aprender que "não há caminho para levarmos a nossa tarefa a bom termo, se não temos conosco as pessoas certas". Nestas condições, não surpreende que o homem de Relações Públicas de Blumenthal use frases como "The criteria of relatedness" (os critérios de relacionamento) e diga a respeito de seu patrão: "Ele é, acima de tudo, um homem eficiente. Eficiência, para ele, é o equivalente de memento mori para os existencialistas". Tem-se a impressão de que a compra de coleções da Enciclopédia Britânica e de dicionários de citações deve ter aumentado muito em Shouthfield, Michigan, quando Blumenthal foi para a Bendix.

Como muita gente que ganhou dinheiro e conquistou poder, Blumenthal nega ter interesse pelo dinheiro e, apesar da suíte no Regency, tem-se a impressão de que ele é sincero. "Eu não tenho, de modo algum, um interesse primário no dinheiro" - afirma. "Estava ganhando cinco mil dólares por ano como professor, em 1958, e vibrei quando me pagaram treze mil como assistente do presidente da Crown Cork, mas não foi por essa razão que deixei Princeton, nem foi por essa razão que deixei o governo pela Bendix. Deixei Princeton porque estava saturado da exigência de ser um acadêmico de primeira classe - para isso, é preciso ter muito Sitzfleisch - capacidade de permanecer assente sobre os fundilhos das calças, pesquisando." O que motiva Blumenthal é "o exercício do poder", o desejo de ir além de quaisquer limitações impostas. Quando foi para Washington pela primeira vez, ficou impressionado com as pessoas à sua volta, mas ele próprio ressalta que "quando mais se sobe e mais perto se chega dessas pessoas muito poderosas, mais se acentua a impressão de que elas são diferentes das demais e de que nós somos tão espertos quanto elas... Você olha para um cara que poderia ser presidente dos Estados Unidos e diz consigo mesmo - eu poderia sê-lo, tanto quanto ele. Talvez poder seja o atrevimento de a gente pensar isso de nós mesmos. Como os alemães dizem das pessoas importantes, "elas também cozinham com água"... O que me interessa é a oportunidade de me destacar no uso das minhas aptidões, sem quaisquer restrições a elas.

À semelhança de muitos outros executivos modernos, Blumenthal não está nem um pouco interessado em ser dono de algo. Perguntaram-lhe se ele gostaria de ser dono da Bendix e ele reagiu enfaticamente, falando pela primeira vez abruptamente: "Não é a posse que conta, é o controle. E, como chefe executivo, é isso que eu tenho! Vamos ter uma reunião de acionistas na próxima semana, e eu vou ter lá noventa e sete por cento dos votos. Apenas possuo oito mil ações, mas o que é importante para mim é o controle... Ter o controle deste grande animal e usá-lo de modo construtivo, é o que eu quero, em vez de continuar fazendo as coisas que os outros querem que eu faça".

Quanto aos meios para controlar, Blumenthal sintetiza-os na habilidade de selecionar e motivar as pessoas, processos que ele admite ter sido obrigado a aprender por experiência própria, desde os dias em que adquiriu a reputação de homem que derrubava os outros, na ânsia de abrir caminho para si. "Quando você tem um negócio de dois bilhões e meio de dólares, é óbvio que falhará, se não for muito seletivo. A capacidade de decidir onde aplicar o tempo torna-se crítica. Se você é realmente bom na escolha dos colaboradores, usa o seu poder através deles, sem os constranger. Eu tenho um cuidado enorme para não recrutar pessoas do tipo sim senhor, porque isso é difícil dentro de uma grande companhia, onde todo mundo vira sim senhor depois de apanhar na cabeça duas ou três vezes." Blumenthal franze o sobrolho e acrescenta: "Eu estou permanentemente lhes dizendo que não quero que eles sejam sim senhor! Sua expressão ao dizer isso, levantando a voz pela primeira vez, assemelha-se um pouco à de Blue Meanie em Yellow Submarine, que jamais aceitava sim como resposta.

Esse é um problema comum do poder como controlar homens, sem os tornar subservientes. Blumenthal, um homem de inteligência lépida, conseguiu apreender a importância de escutar os outros, por mais impaciente que pareça, em grande parte porque se meteu num negócio em que é necessário operar em áreas de tecnologia e ciência, para as quais ele não foi educacionalmente preparado. "Eu sou um operador" - diz ele -, "um sintetizador, não um intelectual. Um dos elementos do sucesso é a capacidade de proceder a um estudo rápido. Quando entrei para o governo, enfrentei uma espécie de trabalho em que era preciso aprender o necessário para ser capaz de atuar numa grande variedade de campos, em que a linguagem era técnica e os fatos misteriosos. Comércio de matérias-primas. Que diabo sabia eu sobre comércio de matérias-primas? O que é que sabe disso, seja quem for? É preciso descer aos pontos básicos, às questões políticas. O caso dos computadores, por exemplo. Muitos executivos têm medo desses aparelhos diabólicos. A nossa companhia gasta qualquer coisa como vinte milhões de dólares por ano com eles, e por isso são importantes. É preciso aprender a perguntar: "Pode fazer a fineza de me dizer o que isto significa?"

Blumenthal levanta-se e vai ao telefone, disca e pergunta: "Lisa marcou uma entrevista para mim?" Há uma pausa. Deita a língua de fora - talvez fosse apenas uma reação nervosa de aborrecimento. Depois, um aceno afirmativo de cabeça, desliga o telefone e sorri abertamente: "Poder! Eu estava precisamente tentando marcar lugar no barbeiro! Todos aprendem depressa a aceitar o fato de que eu posso dizer que tenho um carro esperando por mim, lá em baixo, à uma e vinte - vejo que já estamos uns minutos atrasados - porque quero estar em determinado lugar à uma e trinta... Ou quero um avião para me levar a Boston, esta tarde, às seis e meia. Coisas dessas, a gente aprende a esperar. Às outras pessoas, isso parece poder, mas não passa de conforto. Estremece dentro do paletó e pega uma maleta pesada, que estava pronta no hall, à espera. À porta, volta-se por um momento, para se despedir, e acrescenta: "Quando se tem um ego forte e força para usar o poder, aprende-se por experiência que é melhor na vida escutar aqueles que nos podem ajudar a tomar uma decisão, e ceder aos outros, por vezes contra a nossa melhor opinião, porque a experiência nos ensinou que é sábio concordar com eles por certo número de razões. Então, você vai para casa, à tarde, com este sentimento corrosivo por dentro, perguntando a você mesmo: "Será que eu estou abdicando das minhas responsabilidades, e me reduzi ao papel de árbitro? Por que não continuo sendo um chefe executivo forte? Talvez eu seja um fraco".

Para homens como Mahoney ou Blumenthal, o poder é uma técnica. Eles são sumos sacerdotes de um sistema, que têm controle sobre coisas, justificando sua ambição em termos de eficiência. Quanto mais coisas se pode controlar (e "coisas" inclui pessoas, evidentemente) mais poder se tem. Mas o seu poder é, em grandíssima parte, impessoal. Por isso alguém disse de Blumenthal: "Uma organização de 87 mil pessoas tende a cercar o seu chefe executivo de uma certa aura de respeito", o que certamente é uma verdade, mas, em última análise, só se pode influenciar o trabalho de 87 mil pessoas por meios indiretos. Um chefe executivo joga muitas vezes pequenos jogos de poder com os seus imediatos assessores, como se fosse um executivo menor numa pequena companhia, pela simples e boa razão de que é apenas sobre a sua assessoria imediata que ele pode exercer o poder de modo direto e visível; em termos de poder, o toque humano conta muito, e o poder sobre quem se conhece é sempre mais satisfatório do que o poder sobre grande número de estranhos.

Ao mesmo tempo, o tamanho dilui o poder. Deus sabe que Blumenthal não está "enfraquecendo", apesar dos seus temores, mas o tamanho colossal de sua companhia força-o a desempenhar o papel de conciliador, mesmo sendo agressivo por instinto.

Mesmo um homem como Henry Ford II, embora carregue uma "iniludível" aura de poder que inspira respeito, receio, e por vezes autêntico medo(13), é obrigado a agir dentro dos limites do que se reduz a uma grande burocracia privada. Embora seja verdade que "Ford é o patrão, sempre foi o patrão... e sempre será o patrão" (14), ainda assim seu papel é o de um gerente de alto nível, não de um autocrata. Perguntado, uma vez, por que tinha permitido que a companhia entrasse numa campanha publicitária de que ele não gostava, disse: "Eles quiseram, ai está".(15)

Os que desejam poder pessoal são muito diferentes. Em vez de controlarem uma parte do mundo existente, partem para a criação de seu próprio mundo. Um conhecido diretor de cinema disse-me um dia, com toda a seriedade, que era Deus enquanto fazia um filme: "Tenho o mundo nas minhas mãos" - afirmou. - "Posso modelá-lo segundo a minha vontade, decidir quem vive e quem morre, quem é castigado, quem vai viver feliz para sempre. Entre cada dois filmes, é o meu sétimo dia: descanso." Este é, sem dúvida, um ponto de vista algo romântico e auto-tolerante acerca do poder. Afinal, até o mais despótico diretor de cinema principia por usar uma história alheia, e tem que lidar com atores, escritores, diretores de arte, problemas técnicos, financistas do estúdio e muitos outros obstáculos à criatividade independente. Ainda assim, trata-se de um ponto de vista bastante comum - os que não se satisfazem com o poder sobre as coisas tentam criar mundos completos, que sejam reflexos de seu próprio poder. Nada os satisfará, a não ser a onipotência.

Os onipotentes parecem poderosos em seus próprios mundos, mas sua posição tem as suas fraquezas. Gente como Mahoney e Blumenthal poderia buscar poder em outro lugar, e provavelmente algum dia o fará, mas gente como Jack consegue o seu poder jogando o seu jogo contra o resto do mundo. Gente que cria mundos à sua imagem, para se sentir poderosa, acaba tendo mais necessidade de seus empregados do que seus empregados têm dela. Na busca do poder absoluto, os homens tomam-se escravos e vítimas.

PODER QUER DIZER AMOR..."

Por fora, trata-se de uma casa citadina perfeitamente normal, na parte de Manhattan da década de 60, perto da Quinta Avenida, numa rua transversal, donde é possível escutar os animais no Central Park Zoo. No exterior, nada de espalhafatoso, nada que revele que aqui é a residência e o escritório particular de Robert Guccione, dono e criador da Penthouse, que transformou uma revista menininha em um império, mantendo-se um passo à frente da Playboy, em nudez. Dentro, porém, o aspecto é de opulência, algo entre o quarto de dormir de Mae West e uma boate de luxo. O que não se encontra recoberto de antigos espelhos foscos encontra-se recoberto de dourados, de veludo, ou mármore. William Randolph Hearst se sentiria em casa no meio destes querubins, entre estas cortinas pesadas e esta mobília de ouropel - bastaria que o teto fosse um pouco mais alto.

O secretário de Guccione, um jovem apolo de longos cabelos louros, vestindo uma mini-roupa branca, conduz o visitante ao escritório do primeiro andar - uma sala em indescritível caos, que deve ter sido biblioteca e agora está cheia de livros, discos, telefones, fotografias, layouts, cartazes e roupas.

Guccione sente-se aqui à vontade, entre telefones ao alcance da mão, que lhe permitem exercer controle pessoal sobre seu império transatlântico. Trata-se de um homem alto, de sólida constituição, possivelmente na entrada da casa dos cinqüenta (embora seja difícil garanti-lo), vestindo um conjunto colante de camurça de veado, aberto no meio por modo a mostrar um peito cabeludo riscado de correntes de ouro e penduricalhos, entre eles uma chave de ouro do Penthouse Clube. Tem um rosto enérgico, semelhante ao de um imperador romano do fim do império, dominador mas tolerante e facilmente permeável ao aborrecimento. Tem-se uma estranha percepção de discrepância entre o Guccione que nos fala da Penthouse como instrumento de influência cultural sobre a futura vida americana ("A coisas em que nos estamos metendo virão a ter grande importância na vida deste país") e o moço violento e ambicioso que veio de Nova York, depois de ter feito carreira a partir de um emprego numa lavanderia de Londres, até chegar a Hugh Hefner via desenhos humorísticos e direção de arte. Sem dúvida Guccione é muito persuasivo, mas sente-se que luta duramente pela sinceridade quando fala de objetivos sociais, de liberdade de expressão e de mudança de estilo de vida; percebe-se que está ensaiando o papel de "comunicador" e de empresário, com vista a alguma reunião imaginária de acionistas, num futuro não muito distante. Tem mais naturalidade e é, na generalidade, mais convincente, quando fala do modo como dirige a Penthouse e das razões do seu sucesso ("Mesmo em criança, eu já era um líder").

Para Guccione, sua empresa é, segundo as suas próprias palavras, "uma família". "Para alguns" - diz ele - "poder significa respeito, quer dizer amor. Há pessoas que precisam de que alguém tenha necessidade delas." Restam poucas dúvidas de que Guccione seja uma dessas pessoas - ele constitui um ponto de vista pessoal do poder, muito diferentemente da preocupação fria com a superioridade e com o controle, que caracteriza Michael Blumenthal, ou com a ordenada escala de prioridades que permite que David Mahoney funcione. Todos são homens poderosos, mas Guccione considera-se a Penthouse - não é que o seu ego esteja envolvido com a Penthouse, a Penthouse é o seu próprio ego.

"No meu pequeno mundo" - afirma, dando um reprovador aceno de cabeça, para a bateria dos telefones - "eu tenho poder absoluto... O poder corrompe, mas também amolece. Sou demasiado patriarcal, para princípio de conversa. Interesso-me extraordinariamente pelos problemas dos outros... Mas só existe um patrão, que sou eu! É uma ditadura benevolente."

Este é um ponto de vista relativamente pouco comum entre os poderosos, a maioria dos quais prefere parecer mais do que é, enquanto não chega ao sucesso, e depois se vê em apuros para parecer menos do que é, chegando muitas vezes a negar que tenha alguma espécie de poder. Para Guccione, cada dia constitui uma oportunidade de provar o seu poder, e ele saboreia cada minuto do dia. É claro que está em pleno processo de transformação, de empresário agressivo em figura cultural de liberação sexual e em caso notável de sucesso nos negócios. Ao que parece, essa idéia está dominantemente em sua cabeça, obrigando-o a uma atitude de condescendência que não se casa com a sua maneira de ser e dentro da qual ele não se sente totalmente à vontade. Precisamente quando ele está me dizendo que não quer dominar ninguém ("Dou sempre ao outro cara o benefício da dúvida"), seu secretário lhe traz uma xícara de café e deixa cair uma gota nas calças novas de pele de veado. "Já lhe disse que quero um pires!" - grita Guccione, regressando instantaneamente à vida, e tomando claro que, na verdade, só existe ali um patrão. Em seguida sorri novamente, como, para me assegurar que aquela faísca de cólera não traduz a sua real personalidade. E então recomeça serenamente a falar do seu poder. Só que, como a sua cólera já o traiu, não é mais possível escondê-la. "Poder é algo que você possui - mais uma ferramenta à sua disposição. As grandes companhias tinham-me debaixo dos seus malditos punhos! O poder dá-nos uma nova arma! Quando Guccione se refere a "grandes companhias", sua expressão de rosto muda - agita-se de paixão, as linhas do sorriso desvanecem-se e, para ser honesto, ele me parece algo aterrador.

Um pouco sobressaltado, levanto-me e dou alguns passos em volta, enquanto Guccione esfrega as suas calças e depois se dirige a um telefone, porque ali está, talvez não para minha inteira surpresa, um autêntico tirano, um homem que dá valor ao poder como prerrogativa pessoal e que não tem nenhuma dúvida a respeito... Mas Guccione que tinha terminado a sua chamada telefônica, tornara-se repentinamente melancólico. "Quando um homem realmente fez de sua vida um sucesso" - diz - "noventa e nove por cento de seus amigos desaparecem. Eu não mudei, mas sinto-me rejeitado pelas pessoas que dantes conhecia e amava." Esta é uma queixa comum de quantos adquiriram poder, e talvez seja justificável - o poder muda o relacionamento. De qualquer modo, a vereda do poder raramente é a vereda do amor. Guccione ainda pretende habilmente ambas as coisas e tem esperança de transpor o fosso entre elas. "A Penthouse" - afirma - "é como uma família. Pensamos uns nos outros como irmãos, filhos, primos, irmãs. Trato a todos com respeito. Dou amor e atenção a pessoas que por vezes encaram a coisa como apenas mais um emprego." E olha para o espaço, este homem com dinheiro e poder, que exige o impossível dos que trabalham para ele. "Até já fiz planos" - acrescenta pensativamente - "Para comprar uma propriedade e meter lá dentro os meus elementos-chave. É feudal, mas seria belo. E podia acontecer..."

Acerca de uma coisa não existem dúvidas: quaisquer que sejam as satisfações intimas é difícil bancar Deus. É mais fácil mandar em regime de colegiado, exercer influência para que as coisas aconteçam, em vez de mandar fazê-las até o último detalhe, mas as tentações no topo da pirâmide do poder são estonteantes - quanto mais alto se sobe, mais facilmente se tem a impressão de que se sabe o que é melhor para os outros, para se ser responsável por eles. Poder sobre os outros! Que tóxico! Melhor do que drogas, melhor do que álcool, apenas não melhor do que sexo, mas parte dele. No entanto, há que perguntar a nós próprios se é essa a espécie de poder que desejamos. Podemos aprender um bocado, estudando os muito poderosos, qualquer que seja o seu estilo de poder, mas, para a maior parte de nós, a finalidade do poder não é tomar-nos responsáveis pelos outros, sim proteger-nos a nós mesmos. O homem sábio depressa aprende que onipotência é servidão. Excesso de poder sobre os outros pode ser tão mau quanto cair nas garras de alguém que pensa ter o direito de comandar as nossas vidas.