O JOGO DO PODER

O único modo de aprender as regras deste Jogo dos Jogos é seguir pelos caminhos habitualmente trilhados, coisa que leva muitos anos; e nenhum dos iniciados teria jamais, possivelmente, qualquer espécie de interesse em tomar as regras mais fáceis de aprender.
Hermann Hesse
THE GLASS BEAD GAME

O único limite do poder é o limite de acreditar.
H. Wilson
ON CRAFTS

 

O objetivo deste livro é mostrar a você como usar o Poder, como reconhecê-lo e viver com ele; convencer você de que o mundo em que vivemos é um desafio e um jogo; e mostrar a você que, no mais íntimo do cerne desse mundo, está a sensação do poder - do Seu Poder.

A vida inteira é um Jogo de Poder. O objetivo do jogo é extremamente simples: descobrir o que se quer e consegui-lo. As jogadas, porém, são em número infinito e muito complexas, embora habitualmente envolvam a manipulação das pessoas e das situações em nosso proveito. Quanto às regras, essas só se descobrem jogando o jogo até o fim.

Algumas pessoas jogam o jogo do poder por dinheiro, outras por segurança ou por fama, outras ainda por sexo, e a maioria joga-o por uma combinação destes três objetivos. Os grandes mestres (alguns cujos jogos estudaremos) buscam o próprio poder, sabendo que o poder pode ser usado para obter dinheiro, sexo, segurança ou fama. Nenhuma dessas coisas constitui o Poder; mas o Poder pode produzir todas elas.

Seja você quem for, a verdade é que os seus interesses não são do interesse de mais ninguém, o seu ganho consiste inevitavelmente no prejuízo de alguém mais, o seu fracasso é a vitória de outrem. No dizer de Heinrich von Treitscheke, o filósofo alemão da força, "O meu vizinho, mesmo quando parece olhar para mim como um aliado natural contra um terceiro poder que ambos tememos, está sempre pronto, na primeira oportunidade, logo que possa fazê-lo em segurança, a melhorar sua situação à custa da minha ... Quem não consegue aumentar o seu poder tem que o diminuir, se outros aumentam o deles." (1)

Seria difícil resumir mais sucintamente a posição da generalidade das pessoas. A análise da condição humana, feita por Treitscheke, conquanto possa, à primeira vista, dar a impressão de um familiar ataque germânico de paranóia e depressão, aplica-se, no entanto, a muitos e muitos empregos, a muitos casamentos e affairs amorosos e representa, para muita gente, um modo de vida. Uma vez que as pessoas que realizam suas vidas no rumo de tais princípios têm uma tendência notória para descobrir meios de chegar à posição de poder que ameaça o resto de nós todos, aprender a jogar o jogo do poder é um meio de defesa.

Por que as pessoas acordam, um dia, e descobrem que foi concedida a outrem a promoção que esperavam? Que se evaporou o aumento com que contavam? Que foram jogadas na aposentadoria antes que o desejassem? Que não estão mais sendo convidadas para reuniões? Ou - o que é pior - que estão sendo convidadas para muitas reuniões e isso significa estarem se passando as coisas importantes em lugares diferentes dos das reuniões? A resposta pode, evidentemente, ser simples incompetência - infelizmente, a estupidez, o alcoolismo e a preguiça intervêm freqüentemente no jogo, obscurecendo a sua lógica, que de outro modo seria perfeita - mas, acima de certo nível, é lícito supor que os derrotados por jogadores de mais elevada categoria falharam em prestar suficiente atenção às suas próprias jogadas e às dos outros, e por isso são obrigados a pagar o preço.

Quanto a isso, observa-se o mesmo fluxo e refluxo de poder em todas as espécies de relacionamento humano; as mesmas leis se aplicam aos casos de amor e aos casos de guerra de gabinete. Quem não conhece aquele perigoso instante de qualquer relacionamento, em que a necessidade de outra pessoa se torna suficientemente forte para desequilibrar a balança do poder? O jogo do poder joga-se na cama tão ferozmente quanto em qualquer outro lugar, se não ainda mais, e o casamento é talvez a melhor escola para o jogador que deseja estudar e formar-se no uso do poder em sua forma mais sutil, durante um longo espaço de tempo.

Para se jogar o jogo do poder é necessário, primeiramente, cada um descobrir por si mesmo o que é o poder. O estudante do poder deve principiar por aprender a reconhecer as manifestações dele em cada aspecto da vida - porque a vida inteira é um campo de treinamento e cada contato humano é uma oportunidade para testar a habilidade do jogador. Os mestres jogam durante vinte e quatro horas por dia, com empregados de estacionamento, esposas, amantes, chefes de garçons, fiscais do imposto de renda, policiais de trânsito, companheiros de trabalho, superiores e subordinados, tentando instintivamente controlar cada situação em que se encontram e jogar para cima dos outros a maior parte possível de responsabilidade. Para o mestre jogador, até o mais ordinário encontro humano é completamente fascinante, por oferecer incalculáveis oportunidades de praticar o jogo. Alguns dos melhores que conheço desenvolveram suas técnicas básicas em lugares como mercados de fruta, onde a escolha das peças que se desejam, em oposição às que se pretende nos impingir, pode ser usada para estudar conceitos como a resistência sob pressão, a hesitação fingida, a técnica da choradeira e o medo de chegar a um acordo. As próprias crianças nos ensinam muitas técnicas úteis - jogando um pai contra outro, refreando a afeição, vomitando quando tudo mais falhou - mas a maioria das pessoas esquece estas valiosas técnicas à medida que se vai tornando adulta. Por outro lado, a escola fornece lições, no jogo do poder, que raramente alguém esquece, particularmente a habilidade de parecer ocupado e engenhoso quando não se está de fato fazendo coisa nenhuma, assim como o conhecimento essencial de como lidar com valentões, ou tornar-se um deles.

O segredo está em desenvolver um estilo de poder baseado na personalidade e nos desejos de cada um. Nessa base, é possível afiar as jogadas, de modo que elas se tornem belamente cortantes. Os que na escola foram valentões desenvolvem muitas vezes um repertório sofisticado de técnicas de valentia quando ficam adultos, embora possam eventualmente achar-se em situação de desvantagem, se encontrarem um valentão mais poderoso. Aqueles que em criança aprenderam a lidar com valentões através da adulação, da astúcia e de fingimento de fraqueza, normalmente continuam usando essas defesas contra os valentões adultos, com o mesmo sucesso. Os jogadores mais bem sucedidos no jogo do poder são capazes de fazer essas coisas e não se importam de parecer patetas ou fracos quando isso é útil - não é má uma certa dose de destruição do ego.

O instinto do poder é básico para os homens e para as mulheres - como observou Nietzsche: "Onde quer que encontrei vida, lá encontrei a vontade de ter poder" (2) -, mas o que geralmente se pensa acerca desse instinto é que ele constitui uma das menos atrativas características do gênero humano, juntamente com o instinto da violência e da agressão, com o qual muitas vezes é confundido. Muita gente não gosta de admitir que deseja poder, razão pela qual nunca chega a tê-lo, e aqueles que têm poder vão até o fim do mundo para disfarçar que o têm. Alguns políticos, como o falecido Lindon B. Johnson, gostam de saborear abertamente as manifestações do poder, mas o estilo norte-americano contemporâneo do poder é dar a impressão de que não se tem poder algum. Confessar que se tem poder é assumir a responsabilidade pelo uso dele, quando, na verdade, a segurança reside numa atitude de impotência habilmente planejada, por trás da qual se pode fazer exatamente o que se quer. Numa época de vítimas que se queixam em altos brados, é mais fácil a gente juntar-se a elas, seguir a liderança inspirada dos mafiosos que reivindicaram nossa simpatia por sofrerem de discriminação contra os ítalo-americanos, um outro grupo minoritário sem qualquer ligação com aqueles sujeitos que vivem de agiotagem, de narcóticos, de jogo proibido e de prostituição. O "homem de respeito" deu lugar à vítima queixosa, como estilo do poder do crime organizado, quase ao mesmo tempo em que a classe média urbana fazia a mesma descoberta.

O velho ideal de caminhar de cabeça levantada, de irradiar uma aura de poder, em termos físicos e psicológicos, foi uma grande arma no arsenal tradicional do homem urbano. O lema do habitante da cidade para com o seu semelhante foi sempre, até recentemente, "não me pises os calos". O servilismo era considerado uma atitude errada e a figura ideal típica do servil era o Tio Tom, aquele simpático velhinho negro que os brancos gostavam de pensar que representava o que os negros sentiam a respeito do homem branco, embora intimamente duvidassem de que isso fosse verdade. Com o início da desintegração urbana, o poder passou para as ruas, sob a forma alarmante dos próprios negros, que aprenderam a ritualizar sua exigência de poder numa série de atitudes destinadas a sugerir as boas-vindas da gente de cor a uma oportunidade de confrontação: o andar gingado, o olhar friamente desdenhoso, a exibição espalhafatosa de um estilo afetado de vestir - tudo contribuía para tornar o negro visível na rua, para sugerir que o negro comum, ganhador de salário, tinha ligações com a violência armada das esquerdas e com a realidade apavorante do crime urbano. Como reação, a classe média urbana branca, aqueles que não fugiram para os subúrbios - retraiu-se, aprendeu a caminhar discretamente, para evitar a confrontação. Mostrar que se tinha poder era puxar encrenca e, mais do que isso, sujeitar-se a ser responsabilizado pela educação de segunda ordem dada nos guetos, pelo fato de as casas estarem caindo aos pedaços, pela insuficiência dos serviços médicos, pela rapacidade dos senhorios. pela corrupção da polícia...

Era mais fácil e mais razoável dar a entender que todos nós éramos vítimas do sistema, quer vivêssemos no gueto, quer num apartamento duplex de doze quartos e vista para o parque. O fato de que esse tinha sido o nosso sistema, de que nós vivíamos bem, em parte porque outros viviam mal, era algo que se considerava conveniente ignorar, agora que se estava sob ataque - o que explica o estranho fenômeno de pessoas integradas no sistema, os próprios beneficiários e arquitetos dele, se juntarem às pessoas a eles não pertencentes, para o denunciarem. Assim foi possível a Leonard Bernstein afirmar em voz alta que "entendia" os Panteras Negras, na muito badalada festa que ofereceu em honra deles, por ser evidente que não dava dividendo defender o sistema que lhe possibilitou adquirir um belo apartamento, com a finalidade de assegurar que sua vizinhança fosse a que ele desejava, que a educação no seu bairro fosse de primeira classe, que o lixo fosse coletado diariamente na sua rua, caso o sistema estivesse a ponto de ser destruído. A verdade é que nenhum membro da tripulação tinha sombra de desejo de ir para o fundo com o navio e mesmo os passageiros de primeira classe estavam ansiosos por provar que tinham sido levados à força para bordo, ou que mesmo nunca tinham navegado em tal navio. Por que não? Metade das pessoas que em Washington tinha levado a gente para a guerra do Vietnã juntou-se mais tarde à campanha contra a guerra, como se não tivesse nada a ver com o que havia acontecido. Aquilo que as pessoas sempre tinham feito instintivamente em suas vidas privadas e em suas vidas de negócios foi subitamente elevado à condição de uma filosofia de vida.

Agora que o sexo é assunto abertamente discutível, o poder parece ter-se tornado o único segredinho humano sujo a esconder. O comentário mais familiar sobre o poder é o de Lorde Acton: "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente".(3)

No entanto, em nosso tempo, as conseqüências de não se jogar o jogo do poder são consideradas mais graves. O ponto de vista de Acton acerca do poder foi substituído pela opinião geral de que poder é bom, de que "toda a fraqueza tende a corromper, e a impotência corrompe absolutamente".(4) Se neste último quartel do século vinte ainda acreditamos em alguma coisa, é na extensão do poder que acreditamos, na caminhada para o domínio. Do ponto de vista contemporâneo, não ter o poder como objetivo é limitar o potencial do indivíduo, é estabelecer um limite ao grau de conscientização da pessoa. Duas guerras mundiais, Darwin e Freud levaram finalmente a maioria dos homens ocidentais a compreender que a existência é finita, que a morte é real. Deixaram de existir substitutos plausíveis para o sucesso e a realização nesta vida, tal como deixou de existir a confortável crença de que insucesso aqui em baixo será de algum modo recompensado lá em cima. Não existe alternativa para a divinização presente: Despidos por Darwin de nossa supremacia como seres humanos, expostos às nossas imperfeições por Freud, obrigados pela própria História a viver com a consciência de nosso imenso potencial para a violência e para a irracionalidade, não nos é permitido fabricar o nosso substituto para a imortalidade. O poder - "a capacidade de realização de nossos desejos" (5) - é tudo que nos resta.

Em outros tempos, o poder era um jogo da elite, uma atividade violenta como o torneio ou a caça à raposa, que preenchia o tempo daqueles que já tinham o que comer. A maioria das pessoas dedicava-se arduamente à sobrevivência e quaisquer dúvidas que se pudesse ter acerca de sua posição na sociedade eram respondidas pelos líderes religiosos de qualquer credo que lhes tivesse sido imposto. O conhecido e comovente hino vitoriano de Cecil Alexander - que principiava otimisticamente por "Todas as coisas esplendorosas e belas, todas as criaturas grandes e pequenas..." - continuava traduzindo as mais brutais realidades do contrato social tradicional:

Homem rico em seu castelo,
Homem pobre em seu porão,
Deus os criou, importantes ou insignificantes,
E colocou em ordem a sua situação.

Trabalhar e rezar era a sina das classes ocupadas e, dada a natureza da sociedade pré-industrial, o trabalho tendia a absorver inteiramente as energias da maioria das pessoas.

Na era atual, o trabalho é uma experiência menos absorvente, sobretudo para o pessoal de escritório ou de gerência. Poucos escritórios modernos apresentam qualquer semelhança, mesmo superficial, com aquelas casas do conto descritas por Dickens, em que os empregados trabalhavam durante longas e extenuantes horas, sob dura disciplina e supervisão direta. Na realidade, o tempo é hoje um fardo nas mãos de muita gente, e há muita energia sobrando para ser usada na melhoria da situação pessoal. E, o que é mais, temos agora uma atitude democrática frente ao trabalho - outrora acreditava-se que ele era uma dura necessidade, parte da condenação da humanidade por Deus, por causa daquele fatal erro gastronômico no Jardim do Éden, uma desgraça inevitável que, se redimível de algum modo, só o seria no céu; hoje, nós achamos que o trabalho é uma oportunidade. Aprender uma profissão, arranjar um emprego, tomar-se a gente alguma coisa, ser alguém! O trabalho não constitui mais um fim, mas um meio de nos transformarmos, de subirmos na vida. Já não encaramos mais o lugar em que trabalhamos como pista de animal que puxa engenho, mas como escada. E subir é bem mais interessante do que o trabalho propriamente dito.

Os psicanalistas, que não estão de acordo uns com os outros acerca da maioria das coisas, concordam em que "a sêde de poder" é uma expressão essencial da nossa humanidade, embora pareçam incapazes de recomendar como, exatamente, esse instinto deve ser usado. "Realize! Suba! Conquiste!", exortava Alfred Adler. "Qualquer que seja o nome que lhe dermos, sempre encontraremos nos seres humanos esta grande linha de atividade, esta luta para subir de uma posição inferior para uma superior, da derrota para a vitória, de baixo para cima." (6) Inegavelmente verdadeiro: caminhar "de baixo para cima" é ambição tão universal que não teria sentido discutir a moralidade, ou até mesmo o senso comum, de tal desejo. Nós acreditamos na ambição, como outrora acreditávamos na salvação; na verdade, alguns jogos do poder existem, em grande parte, para suprir a ilusão de uma boa competição, em vidas e carreiras que de fato não passam de rendições incondicionais. Como espécie, nós desejamos acreditar que estamos combatendo pela liderança do rebanho, mesmo quando não estamos senão pacificamente pastando à margem.

Deste modo é fácil compreender por que desejamos poder - sem ele, somos meros dentes de engrenagem numa máquina sem sentido. A questão mais complicada é por que precisamos do trabalho. Ao fim e ao cabo, de poucas pessoas se pode dizer que elas gostam de trabalhar e, à medida que a sociedade se torna mais complexa e mais tecnológica e as funções se dividem em especialidades de cada vez menor âmbito, oferecendo oportunidade sempre decrescente de nos envolvermos no conjunto do processo, o número de pessoas que gostam do seu trabalho provavelmente irá declinando no futuro.

Num tempo em que a ética puritana do trabalho parece irrelevante, há quatro razões básicas para trabalhar: 1) o Hábito; 2) o Prazer; 3) o Dinheiro; 4) o Poder.

O Hábito é um fator significativo. A maioria das pessoas tem inclinação para cair numa rotina firme de trabalho, simplesmente porque qualquer outra coisa exigiria imaginação, invenção e espírito de aventura. Aceitar a rotina do trabalho dá significado e ordem a vidas que, de outro modo, seriam caóticas e insuportáveis. Não é tanto o caso de as pessoas gostarem de trabalhar, é o caso de as pessoas terem medo de não terem nada que fazer nem terem lugar para onde ir durante oito ou mais horas por dia. Como explicar de outro modo a depressão que invade os homens prestes a se aposentarem, mesmo nos casos em que eles se retiram com uma generosa pensão e uma gorda carteira de ações? O trabalho é uma droga criadora de hábito, e o hábito é difícil de quebrar.

Com exceção dos artífices especializados - uma fauna em vias de desaparecimento -, poucas pessoas trabalham por prazer. A maioria delas não faz questão de trabalhar, mas tem a sensação de que é simultaneamente uma indecência e um desperdício gostar abertamente do trabalho. Metade da razão pela qual se executa trabalho é a influência que isso nos dá sobre as outras pessoas. Em situações domésticas, o trabalho pode ser usado para justificar quase tudo: impotência, impaciência, pretexto para não lavar a louça, motivo para dormir no sofá depois do jantar - toda uma variedade de desculpas, de exigências e de argumentos especiais. Poucos homens se sentem inclinados a ir para casa depois de um dia de trabalho e contarem o prazer que o trabalho lhes deu; dá muito mais dividendo afetar fadiga, desespero e tensão, como se o dia de trabalho fosse um terrível sacrifício feito em benefício dos entes que amamos. Em casa, as mulheres têm os seus próprios meios de cobrar tributo dos outros pelo trabalho realizado: ninguém ganha nada em admitir que gosta do seu trabalho. Além disso, há sempre a suspeita de que a pessoa que gosta de trabalhar talvez simplesmente não esteja trabalhando o suficiente. É menos perigoso a gente queixar-se juntamente com os colegas e esperar que as queixas sugiram que estamos ganhando o salário que nos dão e, quem sabe, que esse salário venha a ser aumentado.

Em contrapartida, quem está interessado no poder sabe como trabalhar e, normalmente, trabalha duro. Tem um objetivo para além de meramente ganhar dinheiro ou preencher o tempo, porque pretende que o seu trabalho leve a algum lugar, traga recompensa em termos de autonomia, de independência e de auto-satisfação. Só quem compreende o poder pode tirar o máximo de proveito de seu trabalho, por mais perfeição que se ponha na execução desse trabalho. Como razão para se trabalhar, o desejo de dinheiro é sem dúvida muito forte, mas, em nossa sociedade, vai sendo cada vez menos relevante - não que os norte-americanos estejam sendo menos fortemente motivados pela acumulação de riqueza do que no passado, mas porque a riqueza, como sonho, se desvaneceu na era do burocrata, do "executivo júnior", da inflação, do cartão de crédito e dos pesados impostos. Poucos podem aspirar à conquista de grande riqueza - ainda menos acreditam que seja mesmo possível chegar lá - e quase todos os que trabalham estão envolvidos numa organização, de uma ou de outra espécie, dentro da qual devem ser contidos os limites de suas ambições monetárias.

É a ânsia pelo poder que mantém a maioria das pessoas trabalhando. Então, o que nos está sendo oferecido não é mais apenas a oportunidade de riqueza ilimitada, mas a chance de conquista de poder limitado, com a vantagem de que a satisfação alcançada não pode ser taxada nem fica sujeita a depreciação ou depredação por parte dos especuladores internacionais. Nas modernas corporações o dinheiro não é mais a finalidade - ou o aguilhão. O mais bem sucedido executivo de uma corporação dificilmente pode aspirar a mais do que uma crescente suficiência em termos de renda, e a real finalidade da maioria dos empregados é congregar uma série de benefícios que lhes permitam manter-se durante o período normalmente escasso de dinheiro entre a aposentadoria e a morte, partindo do princípio de que sobreviverão para enfrentar essa sombria antecipação da própria morte. Tal como o Cristianismo, a corporação oferece conforto num problemático futuro, em troca de sacrifícios e boas ações no presente.

Simplesmente, não se pode motivar as pessoas com a simples ameaça de uma velhice de miséria - é preciso oferecer-lhes alguma motivação para o presente. A oportunidade de conquistar e dispor de poder fornece precisamente essa motivação; por isso, muitas corporações consideram de seu interesse encorajar o jogo do poder. Daí o fato de existir em cada empresa um jogo do poder "doméstico", ou "da casa", cujas regras e prêmios são determinados pela gerência. O jogador astuto deve jogar o jogo da organização como se fosse dele próprio, mas mantendo-se consciente de que ganhar o jogo de outrem não significa necessariamente o seu próprio jogo - na verdade, a vitória obtida num jogo estabelecido pela gerência de uma companhia ou desenvolvido dentro do âmbito das tradições da companhia pode, no final das contas, levar a pessoa a perder o seu próprio jogo. O jogador deverá, por isso, desconfiar automaticamente da maioria das promoções, dos títulos, das distinções simbólicas e dos aumentos, quando isso lhe é oferecido - o que não quer dizer que deva recusar ou maldizer abertamente o que lhe oferecem, Seria bom lembrar o seguinte aviso: "O poder não pode, rigorosamente falando, ser dado a outrem, porque, nesse caso, o recebedor ficaria devendo esse mesmo poder ao doador. De certo modo, o poder tem que ser assumido, tomado, reivindicado. Se ele não pode ser tomado contra uma oposição, não é poder e nunca será sentido como realidade por parte de quem o recebe." (7) O que nos é dado, por mais atrativo que pareça, é quase sempre uma armadilha.

As corporações sentem-se perfeitamente felizes em dar poder e prestígio às pessoas que trabalham para elas. O poder fica mais barato do que um aumento salarial e, de qualquer modo, na cúpula, os executivos seniores dificilmente podem esperar ficar com mais de metade daquilo que lhes é pago. Nem é do interesse de uma corporação dar, seja a quem for, garantia de substanciais benefícios de aposentadoria, mesmo que a inflação o permitisse - a incerteza paga dividendo em moeda de desempenho. O que mantém as pessoas trabalhando é a promessa de segurança - se elas tivessem efetivamente essa segurança, poderiam parar. Esse o motivo pelo qual a organização tem interesse em encorajar a natural propensão dos homens e das mulheres para o auto-envaidecimento, ainda que seja só através de recompensas simbólicas. Mobília fica mais barata do que bonificações em dinheiro; é depreciável e, em qualquer caso, pode sempre ser usada pelo próximo encarregado.

Desde que a coisa mais apreciada pelas pessoas seja o poder sobre os outros "managing people" como se diz na linguagem eufemística dos negócios -, a corporação comum funciona como uma espécie de corretora, fornecendo aos que desejam poder um certo número de indivíduos sobre os quais eles possam exercê-lo. Isso não custa nada, qualquer organização tem sempre muitos elementos tão sem importância, ou facilmente substituíveis (admitindo que algum dia eles tenham sido necessários, em primeiro lugar), que é muito simples satisfazer a fome de poder mesmo dos mais incompetentes executivos, dando-lhe alguém para eles tiranizarem, Durante anos, foi esta a real função das secretárias, dentro da cabeça de muitos homens.

Mas a espécie de poder que a corporação pode dar-nos tem as suas desvantagens - tomemos como exemplo a pessoa que tem poder para decidir sobre salários. Essa é uma ambicionada posição de poder, já que dá a quem a possui o máximo de possibilidade de aumentar o seu ego à custa dos outros, ao mesmo tempo em que lhe garante a certeza de ser cortejado, lisonjeado e temido. Por outro lado, a pessoa comum que detém esse poder é condenada, a maioria das vezes, a ser ela própria mal paga, uma vez que a manutenção de sua posição depende da habilidade de conter os aumentos dentro de um limite pré-determinado. Essa pessoa não pode exercer o seu poder e simultaneamente conceder a si própria o substancial aumento que merece ou, até certo ponto, espera.(*) Nesse caso, como em tantos outros, o poder é uma tapeação. Por mais que o seu detentor seja temido, ele perdeu o jogo do poder, pelo fato de o poder lhe ter sido dado; o seu controle sobre os outros é um substituto dos ganhos reais para ele próprio.

O jogador do jogo do poder, pelo contrário, não permitirá jamais que o coloquem em tal posição. Ele não encara os interesses da Companhia como coincidentes com os seus. Se solicitado a fazer economias, ele as fará, mas não à sua custa. Sua técnica será cortar os salários em dez por cento e aproveitar o sucesso de conseguir esse corte para aumentar o seu próprio salário em vinte por cento.

O poder, como veremos, dá dividendos.

Não basta desejar o poder ou mesmo possuí-lo. Ele deve ser usado criativamente. E deve ser curtido.

O uso do poder como arma de agressão faz de nós monstros. O sentimento de que o poder é uma pesada carga ("Se você soubesse o que custa mandar, gostaria de obedecer a vida toda") é destrutivo. O poder deve ser o servo, não o senhor.

Em Act of Will (Ato de Vontade), Robert Assigioli descreve com muita precisão o valor da brincadeira como meio de levar a vida, numa passagem que poderia ser considerada uma eloqüente descrição do poder do jogo: "Um dos melhores incentivos é o instinto de brincar ... Assim se evita o perigo de tornar a vida rígida e mecânica, fazendo, pelo contrário, virar interessante e colorido aquilo que, de outro modo, seria uma cansativa obrigação. Todos aqueles com quem estamos associados podem se tornar nossos colaboradores (sem o saberem!). Um superior tirânico, por exemplo, ou um sócio muito exigente, podem se tornar as barras paralelas em que a nossa vontade desenvolve sua força e proficiência. Os amigos palradores ou desperdiçadores de tempo dão-nos oportunidade para controlar a palavra; ensinam-nos a arte da recusa, cortês mas firme, de entrar em conversação desnecessária. Ser capaz de dizer "não" é uma técnica difícil, mas útil. Diz o ditado budista, Um inimigo é tão útil quanto um Buda".(8)