CAPÍTULO 6

COMO SE MEDE A INFLAÇÃO

Se um modelo não se encaixa bem na realidade,
então mude de realidade.
Um Tecnocrata.

Todos os dias lemos nos jornais que a inflação foi de 10%, ou que o INPC baixou para 8% etc. Como são esses números calculados?

Tudo se origina de uma Cesta Básica.

Consideremos, por exemplo, o item "Alimentação", que é um dos que mais pesam no IPC (cerca de 40% do total). Para definir quais são os componentes desse item podemos tomar, como exemplo, a "Ração Mínima Essencial" definida pela Lei do Salário-Mínimo, que é a alimentação indispensável para se manter um trabalhador vivo (Dec-Lei 399 de 30-4-38):

UMA CESTA BÁSICA (diária)
200 g de carne 200 g de pão
1/4 L de leite 20 g de pó de café
150 g de feijão 3 bananas
100 g de arroz 100 g de açúcar
50 g de farinha de trigo 25 ml de óleo
200 g de batata 25 g de manteiga
300 g de tomate  

Definida a Cesta, o próximo passo é obter os preços de seus componentes, mês a mês. Daí calculamos quanto é necessário para encher essa Cesta.

A Tabela a seguir mostra os resultados dessas contas.

QUANTO CUSTA COMPRAR A RAÇÃO ESSENCIAL
    Maio-84 (Cz$) Maio-85 (Cz$) Maio-84 (Cz$)
Produto Quant. Mensal Preço Médio Gasto Mensal Preço Médio Gasto mensal Ponderação (%)
Carne 6 kg 3,548 21,288 7,317 43,902 32,64
Leite 7,5 L 0,340 2,550 1,050 7,875 3,91
Feijão 4,5 kg 2,530 11,385 3,305 14,873 17,45
Arroz 3 kg 0,728 2,184 2,782 8,346 3,35
Farinha de Trigo 1,5 kg 0,459 0,689 1,854 2,781 1,06
Batata 6 kg 0,544 3,264 1,143 6,858 5,00
Tomate 9 kg 0,730 6,570 2,478 23,302 10,07
Pão 6 kg 0,834 5,004 3,262 19,572 7,67
Pó de Café 600 g 3,380 2,028 18,811 11,287 3,11
Banana 7,5 dz 0,492 3,690 1,080 8,100 5,66
Açúcar 3 kg 0,450 1,350 1,570 4,710 2,07
Óleo 0,75 l 3,220 2,415 7,280 5,460 3,70
Manteiga 750 g 3,750 2,813 12,808 9,606 4,31
Total Mensal - - 65,230 - 165,672 100,00

Fonte: Boletim DIEESE - junho-85

Notemos que só a carne (peso 32,64%) e o feijão (peso 17,45%) foram responsáveis por 50% do custo da Cesta, em maio de 1984.

De posse desses dados, podemos agora calcular qual foi o aumento do custo da alimentação básica, de maio de 84 a maio de 85:

(165.672 - 65.230) / 65.230 = 1,54 = 154%

Ou seja, o aumento foi de 154% em 12 meses para o item "Alimentação".

Na prática, os números que aparecem nas revistas especializadas não são os custos mensais para encher a cesta, mas sim números-índices, tais como IPC, IGP etc. Para realizar a transformação, basta estabelecer o índice 100 para um mês (ou ano) de referência e calcular, através de regra-de-três, os índices para os demais meses, como no exemplo:

maio-84     Cz$ 65,230       X
maio-85     Cz$ 165,672   100

X = 65,230 X 100 / 165,672 = 39,37 = Índice de maio/84

Para se calcular o aumento (taxa de inflação) basta verificar a variação do índice:

(100 - 39,37) / 39,37 = 1,54 = 154% que é o mesmo valor já encontrado.

Mas, para uma pessoa se manter, não basta apenas a alimentação. São necessários também outros itens. A FGV, por exemplo, estabeleceu oito grandes itens na sua Cesta do Custo de Vida, base para o cálculo do IPC-RJ:

ITENS PONDERAÇÕES
Alimentação no domicilio 37,5428
Alimentação fora do domicilio 4,0179
Vestuário 5,4440
Habitação 14,4632
Artigos de residência 10,8366
Higiene e saúde 4,2158
Serviços pessoais 13,7784
Serviços públicos 9,7013
Peso total 100,0000

Conhecendo-se os preços médios mensais de cada item ou sub-item da cesta, determinamos o custo para enchê-la, após o que esse valor é indexado, isto é, transformado em índice, como já vimos.

Cada entidade, como o IBGE (IPC), DIEESE (IPC-SP), FGV (IPC-RJ), FIPE-USP (IPC-SP) etc., tem a sua Cesta Básica, bem como sua metodologia própria. 31 Por exemplo, uma forma ligeiramente diferente consiste em fixar as ponderações da Cesta durante vários anos e calcular a variação média dos preços de cada sub-item. A soma dos produtos dos pesos pelas variações dos preços dará a variação do Custo de Vida. No caso da Ração Essencial, tal procedimento seria:

Item (1)
Variação do preço
(%) maio-84 a 85
(2)
Ponderação
em maio de 84 (%)
(1) x (2) / 100
Contribuição para
a inflação (%)
Carne 106,2 32,64 34,67
Leite 208,8 3,91 8,17
Feijão 30,6 17,45 5,35
Arroz 282,1 3,35 9,45
Farinha 303,9 1,06 3,22
Batata 110,1 5,00 5,51
Tomate 239,5 10,07 24,11
Pão 291,1 7,67 22,33
Café 456,5 3,11 14,20
Banana 119,5 5,66 6,76
Açúcar 248,9 2,07 5,15
Óleo 126,1 3,70 4,67
Manteiga 241,6 4,31 10,41
SOMA - 100,00 154,00

Nessa tabela, observamos que de maio-84 a maio-85 os itens que alimentaram a inflação, ou seja, aqueles cujos preços sofreram aumentos acima da inflação oficial no período (medida pelo IGP-DI), que foi de 225,6%, foram: arroz, farinha de trigo, tomate, pão, café, açúcar e manteiga; abaixo da inflação oficial estiveram: carne, leite, feijão, batata, banana e óleo.

Por outro lado, os maiores responsáveis pela inflação no item alimentação, especificamente, foram a carne (34,67%) o tomate (24,11%) e o pão (22,33%) que, juntos, contribuíram para um aumento de 81,11%, ou mais da metade de todo o aumento de 154%.

Se compararmos os aumentos obtidos a partir das duas tabelas anteriores, veremos que foram ambos iguais a 154% Isto, entretanto, não é regra geral, quando se usa sistema de ponderações. É fácil verificar, por exemplo, que, se a base dos pesos tivesse sido maio-85, teríamos chegado a 193,5% de aumento (ou de inflação), ao invés dos 154% que é o valor correto. Também não podemos generalizar que o sistema de pesos superestima a inflação. Há casos em que ocorre o inverso.

Para medir a inflação sentida pelos consumidores, defina uma CESTA BÁSICA, válida para os habitantes de dada região geográfica e com certa faixa de renda. Determine, em seguida, quantos $$$ são necessários para encher essa Cesta, amostrando mensalmente os preços de seus componentes em supermercados, escolas, empresas de transporte etc., da região. O aumento percentual mensal dos $$$ necessários dá a variação do IPC dessa região. Esta é a taxa de inflação. Para transformá-lo em índice, faça-o igual a 100 em algum mês e, por regra-de-três, calcule-o para os demais meses.

A Cesta Básica, que deve refletir os hábitos dos consumidores de dada região, deve ser mantida sempre atualizada. Os métodos de cálculo utilizados variam de entidade para entidade (DIEESE, FGV etc.).

O DIEESE costuma separar os índices de inflação em três níveis de renda: até Cz$ 944,84, entre esse valor e Cz$ 1.889,69, e acima deste. Fazendo seu IPC = 100 em dez-70, este Índice, em maio-85, foi de 174,59 para a 1a classe de renda; 168,06 para a 2a; e157,16 para a mais rica. Ou seja, enquanto que os preços aumentaram 1.746 vezes para os mais pobres, nesses 14 anos, cresceram "apenas" 1.572 vezes para os mais afortunados. Este é um outro aspecto perverso da inflação: os mais fracos são os mais atacados. É o darwinismo econômico.

O DIEESE também informa "quanto se trabalha para comer". Quem ganha salário mínimo, com jornada de 240 horas por mês, precisou trabalhar 161 horas em maio-84, e 119 horas em maio-85, para poder comprar a Ração Essencial. 32

Por outro lado, a inflação interessa não apenas aos consumidores, mas também aos produtores. Por essa razão, a FGV criou igualmente um índice que procurasse refletir a inflação sentida pela classe empresarial brasileira. Trata-se do índice de Preços por Atacado (ou Índice de Preços aos Produtores). Sua Cesta Básica, incluindo as ponderações, encontra-se no Apêndice 1, e é constituída dos bens de consumo duráveis e não-duráveis, e dos bens de produção (matérias-primas e equipamentos). Este índice reflete o comportamento dos preços dos produtos consumidos pelas indústrias, medidos na porta de entrada das fábricas. O IPA é um índice de caráter nacional, isto é, abrange os preços dos principais centros industriais do país.

Os equivalentes internacionais desses índices são:

Há ocasiões, no entanto, em que se deseja uma medida geral da inflação brasileira, aplicável indistintamente tanto aos produtores quanto aos consumidores. Para tais situações, a FGV criou o Índice Geral de Preços, definido como uma média aritmética do IPC, IPA e do INCC (índice nacional do custo da construção civil, V. Ap.):

IGP = 0,6 x IPA + 0,3 x IPC-RJ + 0,1 x INCC

válido para os conceitos de Disponibilidade Interna ou Oferta Global.

A inflação sentida pelos produtores é medida pelo índice de Preços por Atacado, IPA.

A inflação geral do Brasil é dada pelo índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI, ou "Índice da coluna 2 da FGV"), o qual leva em conta o IPA-DI (peso 0,6), o IPC-RJ (peso 0,3) e o INCC (peso 0,1).

A inflação oficial é indicada pelo IPC do IBGE.

A inflação medida tanto pelo IPA-DI como pelo IPC-RJ não diferem apreciavelmente, a curto prazo, como vemos no gráfico abaixo, onde as duas curvas claramente se alternam com o passar do tempo.

Observação:

Em setembro de 1986, havia no Brasil três índices básicos de inflação:

A Cesta Básica, por outro lado, não é constante, pois sofre alterações de acordo com a mudança de hábitos de consumo da população. Este artigo explica bem esse fato.


Notas:

31 Para o caso do IPC-SP da FIPE, bem como dos Índices em geral, consultar Kirsten (207) e Simonsen (22, vol. 1, Cap. IV). A metodologia do DIEESE está em (214). voltar ao texto

32 Esses dados se encontram nos Boletins DIEESE (mensais). voltar ao texto