Desindexação e abertura mudam jogo dos índices

Estadão, 7-set-97, p. B1

Os preços estão desabando abaixo de zero em São Paulo. Mas a era da inflação baixa começa a pesar nos índices que medem os preços. Quando o custo de vida disparava, todos os índices, que captavam exclusivamente preços ao consumidor, tendiam a se aproximar ao longo do tempo. A indexação generalizada da economia contribuía para a convergência. Agora isto pode não estar mais acontecendo.

As pesquisas que constituíram a maioria dos índices em uso estão desatualizadas. O mais atual é o ICV (Índice do Custo de Vida), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), que modificou sua base em julho passado. Se ele for comparado com o da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo), por exemplo, a deflação paulistana teria sido menor -- 0,28%. A FIPE apontou 0,76%. A inflação em 12 meses do DIEESE (6,72%) corre significativos 2,07 pontos percentuais à frente dos 4,65% da FIPE. Ambos tendem a se aproximar apenas quando o período analisado é menor.

A explicação é simples: Segundo o DIEESE, o peso da alimentação diminuiu para 26%, enquanto a FIPE continua atribuindo a ela 30,8%. Foi o preço dos alimentos que comandou a derrocada da inflação em São Paulo em agosto -- e durante boa parte do Plano Real. Outro item que forçou a deflação, vestuário, tem ponderação de 8,65% na FIPE e 6,78% no DIEESE.

As diferenças entre os dois não são constantes e sua metodologia também difere. O DIEESE captou e atribuiu peso de 5,3% aos equipamentos domésticos, refletindo o "boom" de consumo destes itens após o Real. Eles tiveram quedas signicativas em agosto e, se a ponderação do DIEESE fosse aplicada ao nível de preços captados pela FIPE, este índice teria sido um pouco menor. Nos últimos doze meses, a variação de preços do transporte, algumas despesas pessoais e vestuário, no índice do DIEESE, são menores que nos da FIPE.

A importância da variação é óbvia. Mesmo com inflação baixa, eles corrigem contratos na economia, como os de aluguel. Não há índices "errados " ou "melhores". A desatualização pode ora beneficiar ora prejudicar quem tem pagamentos indexados a eles.

Os institutos que calculam o custo de vida estão preocupados em fazer novas alterações na ponderação de seus índices para acompanhar as mudanças de hábitos do consumidor. A FIPE, por exemplo, deverá começar a refazer seus cálculos a partir de 98, quando a estabilidade econômica estiver mais consolidada.

Saúde passa a pesar mais no bolso dos consumidores.

O aumento do peso da saúde no orçamento familiar foi uma das principais constatações da última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada em 1995 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE). Na POF anterior, feita em 1983, as famílias com renda média de R$ 1.365,48 gastavam 4,95% de seu orçamento com remédio e serviços médicos. Doze anos depois, o peso desses gastos no bolso do consumidor subiu para 8,18%.

"Essa foi a mudança mais significativa constatada nesse período", observou José Maurício Soares, coordenador do Índice do Custo de Vida (ICV) do DIEESE. As despesas com alimentação ainda representam a maior parte dos gastos, embora sua participação no orçamento tenha caído. Em 1983, o consumidor gastava 28,13% do que ganhava com comida. Em 1995, esse percentual havia caído para 27,44%.

A segunda maior despesa é com habitação. Do total do orçamento, 23,52% se destinam à moradia. Há doze anos, esse item representava 24,8% das despesas.

Efeito sazonal -- Quando a inflação é muito baixa, o índice fica muito sensível a fatores como entressafra e substituição de coleções de roupa de uma estação para outra, explica o economista.

Para amenizar o impacto disso, o índice precisaria ser dessazonalizado. A variação do custo de vida em janeiro, por exemplo, quando os gastos com material escolar e mensalidades escolares pressionam a inflação, passa a ser comparada com a variação de igual mês do ano anterior. O procedimento seria o mesmo para entressafras e mudanças de estação.

Para Leonardo Rangel, economista da MCM Consultores, especialista em índices, retirar da pesquisa o efeito sazonal não é tão fácil.

Uma saída, na sua opinião, seria dividir o custo de vida em dois grupos: O dos produtos oligopolizados e industrializados, e o dos sujeitos à sazonalidade. O efeito sazonal, também na sua opinião, é o que mais contribui para distorções no índice quando a inflação está muito baixa.