ANÁLISE  DO  RISCO  EM  FINANÇAS (RISK ANALYSIS)

Antonio Carlos M. Mattos, BEE, MBA
jan-2006


Suponhamos que você seja um empresário ou um executivo financeiro e que esteja interessado no lançamento de um novo produto por sua empresa. Para saber se tal projeto de investimento é exequível, você precisa saber se sua rentabilidade é aceitável. Para tanto podem-se usar como critérios de análise a Taxa Interna de Retorno, o Valor Presente Líquido, o Payback simples, deflacionado ou financeiro etc. Suponhamos que você decida utilizar o primeiro desses indicadores, a TIR.

Um exemplo ilustrativo

O Fluxo de Caixa desse Projeto, preparado pelo Departamento de Marketing (estimativa das vendas), pelo de Engenharia (custos de produção) e pelo Financeiro (custos indiretos, impostos etc), poderia ser o seguinte (valores mensais em $ postecipados, constantes com referência à data zero):

FLUXO DE CAIXA SIMPLIFICADO
Mês Invest. Iniciais Desp. Pré-Oper. Receitas Líquidas Total
0-6 (6.000) (500) . (45.000)
7-24 . . 3.000 54.000
Total (42.000) (3.500) 54.000 8.500

Calculando-se a TIR chega-se ao valor de 1.40% a/m real (18,16 % a/a), o que reflete uma boa rentabilidade, já que a empresa trabalha com uma taxa real mínima aceitável de 15% a/m. Assim, o projeto tem boa chance de ser implantado.

Obs: Taxa Real é aquela que não contém inflação embutida.

A Teoria e a Prática não se entendem

Entretanto, passados os cinco anos, ao se levantarem os dados históricos (contábeis) referentes a esse projeto, poderemos verificar que, embora as receitas, despesas e investimentos tenham oscilado em torno dos valores previstos acima, A RENTABILIDADE DESSE PROJETO EFETIVAMENTE CONSTATADA NA PRÁTICA RESULTOU MENOR QUE OS 18,12% a.a.

A primeira idéia é que se trata de uma exceção. Porém, se a análise for repetida para os demais projetos já implantados, a conclusão será a mesma. Parece que alguma coisa está saindo errada.

Essa constatação não é nada original. Já em 1968, David Hertz, em um artigo da Harvard Business Review, havia mencionado o comentário do Presidente de uma empresa multinacional, com sede nos EUA:

Não posso entender por que nossa política de investimentos não tem funcionado da maneira esperada. Há alguns anos atrás, o comitê executivo de nossa empresa havia decidido que cada projeto de investimento, para ser aceito, deveria apresentar uma TIR AIR de 20% a.a. no mínimo. A regra foi seguida à risca. No entanto, com o passar do tempo, temos observado que os projetos têm apresentado um resultado real de 14% a.a. para a TIR AIR. E temos entre nós os melhores analistas de investimentos". 59

O que estaria acontecendo?

A origem da discrepância

O problema básico reside em não se considerar o fator RISCO ou INCERTEZA na análise do fluxo de caixa. Com efeito, os valores indicados na tabela acima são meramente ESTIMATIVOS, ou esperados, podendo na prática sofrer variações de 10, 20 ou até mesmo 50% (em países imprevisíveis como o nosso). Além disso, os PRAZOS também podem sofrer atrasos: o lançamento do produto no mercado, previsto para seis meses, pode se dar após sete, oito ou até mais meses a contar do início da execução do projeto. Os investimentos também podem sofrer alterações nas datas de efetivação.

Aí reside a origem do problema.

Análise de Risco: a idéia original de Hertz

Foi pensando em resolvê-lo, ou pelo menos em minimizar seus efeitos, que Hertz lançou em 1964 uma idéia original, chamada por ele de Análise de Risco (Risk Analysis) 62. Consistia em criar milhares de fluxos de caixa semelhantes ao originalmente proposto (com os most likely values), sendo que cada um deles teria as suas entradas e saídas variadas aleatoriamente de acordo com as distribuições de probabilidades previamente fornecidas pelos analistas que construíram o fluxo de caixa. Para cada fluxo assim simulado, seria determinada a TIR (ou outros parâmetros financeiros convenientes) pelas vias convencionais. O resultado final não mais seria a determinação de UMA ÚNICA TIR (como feito no exemplo acima), mas sim o aparecimento de milhares de TlRs, as quais, devidamente transformadas em um histograma, indicariam ao executivo financeiro quais as TlRs possíveis de serem verificadas na prática, bem como as CHANCES de suas ocorrências.

Dessa forma o administrador poderia tomar uma decisão bém mais acertada, pois teria em mãos não somente a TIR "esperada", mas também os RISCOS envolvidos do empreendimento. A simulação explicava também porque a TIR verificada na prática geralmente não coincidia com a TIR única obtida na análise convencionalmente feita até então.

A idéia foi muito bem aceita na época, tendo o artigo de Hertz sido incluído entre os melhores publicados pela Harvard em 1964.

Nem tudo, no entanto, era um mar de rosas.

Dificuldades de implementação

Quando as empresas mais dinâmicas resolveram implementar a nova técnica de tomada de decisões, depararam-se logo com um problema: COMO determinar as distribuições de probabilidades para as entradas e saídas do Fluxo de Caixa? A dificuldade era semelhante a definir as probabilidades de a inflação no próximo mês ser de 1 ou 5 ou 10% etc. Mesmo que se diga haver uma chance de 40% de ser ela 30% a/a, por exemplo, ainda resta a dúvida: que quer dizer 40% de chance? E como este valor deve ser obtido?

Nem mesmo os estatísticos sabem responder com certeza o que quer dizer "40% de chance". Ora, para um executivo, responsável por investimentos de milhões de dólares, explicações desencontradas não são úteis para a sua profissão. Talvez nas escolas de administração essa dificuldade não seja considerada muito grave mas, no mundo real, um modelo que se baseie em dados obscuros e obtidos sem muito critério não pode ser de grande valia.

De fato, foi exatamente essa a reação dos financistas ao modelo apresentado por Hertz como está fartamente documentado na literatura especializada. 45,52,53,56

Como conseqüência, o modelo foi aos poucos perdendo aceitação.

Nem tudo, no entanto, estava perdido.

A Análise de Sensibilidade

Com o passar dos anos, os pesquisadores foram verificando que as famosas "curvas de probabilidade" não eram assim tão indispensáveis e o risco poderia ser analisado a contento, bastando que se fornecesse a faixa de variação associada a cada elemento do fluxo, bem como de seus prazos. Assim, ao invés de se definir a distribuição de probabilidades de um investimento inicial de, digamos, $ 10.000, bastaria que o analista informasse qual a margem de valores possíveis de serem verificados na prática. Por exemplo, poder-se-ia simplesmente fornecer ao modelo os dados $10.000 + ou - 20%. Desse modo, a incerteza seria expressa por 20% de margem de erro no valor do investimento de $10.000, isto é, poderíamos ter um investimento cujo valor real estaria entre $8.000 e $12.000. Sem dúvida, um dado muito mais fácil de ser conseguido nas empresas, além de ser mais claro seu significado. Diga-se, en passant, que essa maneira de apresentar um resultado numérico é, de há muito, utilizada pelos engenheiros e físicos, dentro do que se chama "Teoria dos Erros". (V. NOTA abaixo)

Com essa nova maneira de se definir a incerteza, ditada pelo bom senso, o modelo de simulação pode ser executado sem dificuldades, e até mais rapidamente. Assim, a mesma idéia de Hertz, mas agora sem as problemáticas probabilidades, acabou por ganhar uma aceitação mais ampla entre os executivos americanos, tornando-se hoje em dia um lugar-comum em finanças. A essa técnica, adaptada para a realidade empresarial, deu-se o nome de ANÁLISE DE SENSIBILIDADE. 37,45,49,53,55 Atualmente, essa metodologia é aplicada não apenas em finanças mas em muitas outras áreas profissionais, tais como Sociologia, Recursos Humanos, Auditoria, Contabilidade, Engenharia, Economia, Medicina etc, como se pode verificar na bibliografia adiante.

Em Finanças, o termo Risk Analysis continuou sendo empregado, por ser mais sugestivo.

As obras básicas de referência continuam sendo as de Hertz: Seus artigos 59,62 de 1964 e 1968 e seus dois livros 23,30 de 1983 e 1984.

 

UM EXEMPLO PRÁTICO DE APLICAÇÃO

No sentido de se mostrar um exemplo de aplicação prática de Análise de Risco, iremos utilizar um caso de construção de um prédio de apartamentos, mostrado nesta planilha Excel. Os resultados  foram obtidos com o software RISK.EXE, um modelo de Análise de Risco por simulação, desenvolvido por este autor. A simulação demora 1 ou 2 segundos, e são calculados 10.000 fluxos de caixa diferentes. Para fluxos de caixa mais complexos, a simulação pode levar mais que 2 segundos.

A análise convencional

Ao se analisar o fluxo inicial, a primeira impressão é tratar-se de um bom projeto, pois para um total de R$ 511.419.000 de desembolsos, há um retorno de R$ 568.879.000, ou um retorno líquido de R$ 57.460.000, em 17 meses. Isto é ainda confirmado por uma TIR real de 8,41% a/m (já que o fluxo está expresso em reais constantes da data zero).

A análise acima é a convencionalmente realizada. O fator risco não foi considerado nesses cálculos. Algumas vezes, para "melhorar um pouco" a análise, costuma-se incluir mais dois valores, ficando: a TIR pessimista, a mais provável e a otimista. Isto, entretanto, não melhora muito os resultados, além de falsear a análise, por se usar um método incorreto (admitir que todos os valores do fluxo são, ao mesmo tempo, os piores possiveis na TIR pessimista, é "forçar a barra").

Vejamos agora como se leva o risco em consideração.

A Análise de Risco do Projeto

Na planilha Excel mencionada, ao lado de cada parcela do fluxo de caixa do projeto, inclui-se agora a incerteza, através das faixas de variação que cada valor pode ter. Por exemplo, a primeira parcela da contrução civil, R$ 22.446.000, pode sofrer uma variação de 5% para menos ou de 10% para mais.

Em seguida, RISK.EXE constrói 10.000 fluxos de caixa, variando aleatoriamente cada parcela, dentro das faixas de risco especificadas, calculando a TIR, o Payback Financeiro e o VPL para cada fluxo. O resultado final mostra que o IRR baixou de um valor fixo de 8.41% a/m para uma distribuição estatistica com média 8.16% a/m. Além disso, a chance de se ter uma rentabilidade entre 7.5% a 8.6% a/a é de 29.2%, e a chance de um IRR entre 8.6% a 9.6% a/m é de 25.5%. A faixa mais provável (29.2 + 25.5 = 54.7% de casos observados) está entre 7.5% a 9.6% a/m.

Assim, em resumo, enquanto a análise convencional indicava uma IRR de 8.41% a/m, a análise de risco mostrou que, com 54.7% de chance, pode-se esperar uma rentabilidade entre 7.5% e 9.6% a/m.

As mesmas considerações se aplicam aos dois outros parâmetros, o payback financeiro (10 meses, a maior chance) e NPV (entre 29 e 44 milhões, com 52.1% de chance).

Por fim, notemos que as médias das distribuições estatisticas ("com simulação") baixaram um pouco, em relação aos valores convencionais ("sem simulação"). Por exemplo, a IRR convencional foi de 8.41% a/m, enquanto que a simulação mostrou que, em média, a IRR vale 8.16% a/m. Naturalmente, essa variação pode ser maior ou até mesmo ser nula, tudo dependendo das variações previstas para cada parcela do fluxo de caixa original.

O exemplo acima mostra-nos de onde proveio o fato mencionado por aquele presidente citado por Hertz, onde a TIR verificada a posteriori sempre resultava inferior à TIR calculada a priori pelos analistas financeiros.

Conclusão Executiva

Se você é conservador e avesso ao risco, pode encarar esse projeto como tendo uma rentabilidade de 7.5% a/m.

Se você for propenso ao risco, pode vê-lo como um projeto que pode dar  9.6% a/m.

Se você não se enquadrar em nenhum dos dois casos acima, trate esse projeto como tendo uma rentabilidade média de  8.16% a/m.


NOTA:

BEERS, Yardley. Introduction to the Theory of Error. s.l.p., Addison-Wesley, 1962. É um livro que trata desse assunto, bem como

LEME, Ruy Aguiar da Silva. Curso de Estatística. s.l.p., Ao Livro Técnico, 1967.


REFERÊNCIAS BIBLlOGRÁFICAS

OBSERVAÇÕES:

1. A pesquisa foi realizada no acervo da Biblioteca da EAESP/FGV, sendo que as referências bibliográficas foram organizadas em órdem alfabética, dentro de cada ano de publicação (os anos aparecem em ordem cronológica decrescente, abrangendo o perto do de 1964 a 1988).

2. As referências precedidas de asterisco (*) estão disponiveis no acervo da Biblioteca da EAESP/ FGV.\

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