RESERVA DE MERCADO DE INFORMÁTICA:
O ESTADO DA ARTE

Antonio Carlos M. Mattos
Junho-88

A resposta é sim. Mas qual era mesmo a pergunta?
Woody Allen

O surgimento da idéia de reservar o mercado brasileiro de computadores para os fabricantes de informática se deu nos inícios dos anos 70. Multinacionais como Burroughs, IBM, Olivetti, HP etc não mais poderiam fazer concorrência com as indústrias nacionais, o que possibilitaria o crescimento e fortalecimento destas. Após algum tempo (até 1992, que aparentemente é o prazo de vigência da Lei de Informática), estas empresas já estariam em condições de concorrer com as multinacionais, e o mercado poderia então ser reaberto. Durante esse prazo, seria desenvolvido um know-how genuinamente nacional e o país se tornaria tecnologicamente independente na área de informática.

Para justificar a proposta de reservar do mercado, foram citados os casos japonês e americano, como exemplos bem sucedidos de protecionismo. A Elebra tem mesmo usado esse argumento em sua propaganda, cujo texto, do General Ulysses S. Grant, Presidente dos EUA em 1870, é reproduzido abaixo:

Senhores: Durante séculos, a Inglaterra usou o protecionismo, levado a seus extremos, o que lhe proporcionou resultados satisfatórios. No há dúvida de que a esse sistema deve seu poderio atual. Depois de dois séculos, a Inglaterra achou conveniente adotar o livre-câmbio, por considerar que a proteção já não mais podia dar resultado. Pois bem, Senhores, o crescimento de minha pátria me faz acreditar que, dentro de duzentos anos, quando a América do Norte houver obtido, do regime protetor, tudo o que ele lhe pode dar, adotará o livre-câmbio.

Para a consecução dessa nova política industrial, o governo criou um organismo constituído por coronéis do Serviço Nacional de Informações --- atual SEI --- o que despertou logo a ira de alguns setores liberais da classe empresarial [1].

A idéia logo teve acolhida de setores da sociedade que, embora não entendendo de Política Industrial [12] [14], ficaram sensibilizados com palavras de ordem tais como "A informática é Nossa", "O Mercado é um Patrimônio Nacional", "Abaixo as Multinacionais Sangue-Sugas", e outras do gênero. Tal trabalho de conscientização (lobby) foi eficientemente realizado por várias entidades ligadas ao Setor de Informática, como a ABICOMP (defende os interesses dos fabricantes de computadores nacionais), a SBC (representa os professores universitários de informática), a APPD (sindicado não oficial dos técnicos de computação) etc. Uma exposição das teses defendidas pelos líderes do movimento pró-Reserva pode ser encontrado nas publicações da ABICOMP [2] [5], em Machline [3], Setúbal [4] e Benakouche [6]. Vários desses artigos foram exposições feitas pelos seus autores nos hearings do Congresso Nacional (seus membros precisavam ser informados sobre as idéias básicas da Reserva, tendo em vista a futura aprovação da Lei da Informática, hoje em vigor). Naturalmente, nem todos aceitam tais argumentos como válidos [7] [9] [10] [11] [13] [17] [38].

Entretanto, com o passar dos anos, os consumidores foram se apercebendo que a tão sonhada independência tecnológica, se viesse, ainda iria demorar bastante, pois o que se via no mercado eram cópias dos microcomputadores fabricados nos EUA [35], algumas até fraudulentas [21]. Além disso, havia ainda três agravantes: (1) Qualidade bem inferior; (2) De três a dez vezes mais caros que os estrangeiros; (3) Obsoletos, já havendo modelos mais recentes lançados no mercado internacional.

Naturalmente, isto não deveria ser novidade para o consumidor brasileiro, pois, em outros setores, as coisas não são tão diferentes. Por exemplo, a qualidade dos eletrodomésticos nacionais é flagrantemente inferior aos equivalentes importados; o automóvel nacional possui uma transmissão obsoleta há mais de vinte anos (nos EUA os carros são hidramáticos); além disso, são pelo menos três vezes mais caros que os consumidos no exterior.

Mas o maior problema para o usuário nacional não é propriamente o preço alto ou o obsoletismo dos equipamentos, mas sim sua qualidade. De fato, até mesmo os computadores americanos apresentam falhas. No entanto, enquanto que lá estas são rapidamente sanadas, aqui a assistência técnica é um verdadeiro calvário [36], já que o fabricante se interessa apenas em vender e, como vende bem, não se preocupa com a qualidade (um deles chegou mesmo a afirmar: "Para que ter despesas com controle de qualidade, se tudo o que fabrico eu vendo?").

Dada a importância do microcomputador para as empresas nacionais em geral, e a possibilidade de melhores opções externas, o contrabando logo começa a crescer, chegando mesmo, segundo se diz, a haver hoje um micro importado para cada nacional vendido [23] [28] [31] [37].

Dessa feita, não obstante já haver a Reserva logrado produzir bons resultados, embora incipientes [22] [24], as críticas começam a aumentar, tendo partido até mesmo de seus antigos defensores [16] [18]. E os objetivos maiores de independência tecnológica parecem ficar cada vez mais distantes [25] [32], o que, em rigor, não é grande novidade, pois a infraestrutura essencial para tal desenvolvimento --- a Universidade --- se encontra de há muito em frangalhos.

Nessas circunstâncias, pretender concorrer com as multinacionais do setor em futuro próximo, quando acabar a Reserva, só pode ser mais um sonho tropical [19] [20]. Claro que a SEI, acuada, nega tudo isto [15], mas o fato é que os investidores também estão a perder a fé na Reserva. [27]. E sem capital não há trabalho. Pelo menos remunerado.

Mas existe ainda uma outra desilusão da Reserva: O software (programas necessários para fazer funcionar o equipamento). Excluídos alguns casos bem sucedidos (Sistemas de Contabilidade, Folhas de Pagamento e Automação Bancária), nada de muito útil se fez, a não ser copiar os sistemas americanos [30]. A justificativa dada é que as multinacionais vivem se aproveitando dos subdesenvolvidos, e que a pirataria é uma forma de compensação... Mas o usuário brasileiro, no entanto, continua preferindo os originais, que são melhores [26] [29].

Com o pano de fundo acima delineado, nada mais propício para uma cartada internacional contra a Reserva, curiosamente benvinda por muitos usuários: A ameaça de retaliação comercial contra o Brasil, por parte dos EUA [34], como forma de pressionar o governo a acabar com a Reserva, e o consequente recuo da Política de Informática em vigor [33].

Tudo isto poderia ter sido evitado se os fabricantes tivessem conseguido cair nas boas graças dos consumidores, que afinal são os que decidirão a sorte da Reserva. Mas, ao que tudo indica, a Reserva será mais uma quimera que não deu certo, pois nenhum país consegue se desenvolver apenas com o mercado e a indústria. Sem a terceira perna --- a Universidade --- qualquer mesa cai ao chão [8].

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMENTADAS

O autor, criador da SISCO Computadores (que hoje pertence ao grupo Maksoud), conta a história da informática no Brasil e sugere que a reserva de mercado brasileira possui inspirações soviéticas. Livro distribuído pelo autor e pelo senador Roberto Campos.

 

Coletânea de argumentos pró-reserva.

 

Exposição apresentada Câmara Federal.

 

Uma lúcida análise da política nacional de informática.

 

Argumentos a favor da reserva.

 

Artigos contendo argumentos pró e contra a Reserva.

 

Artigos contra a Reserva de Mercado.

 

Para que a reserva desse certo no Brasil seria necessário a existência do tripé mercado - indústrias - universidades. Como, entretanto, estas últimas têm sofrido um processo de destruição nos últimos vinte anos, o tripé fica desbalanceado e a reserva não pode atingir seus objetivos de independência tecnológica nacional.

 

Impedir a vinda de empresas multinacionais causa desemprego no Brasil.

 

As mentiras espalhadas pelos defensores da Reserva.

 

Três mentiras disseminadas pelo lobby dos fabricantes: 1- Lei votada por unanimidade; 2- A reserva é necessária; 3- Reafirma soberania.

 

Muito se fala sobre a Reserva mas pouco se conhece sobre ela.

 

O Presidente da IBM do Brasil em entrevista acha que a Reserva pode colocar o Brasil na Idade da Pedra da tecnologia.

 

Mostra como no governo (SEI) são tomadas as decisões envolvendo a política nacional de informática.

 

O titular da SEI defende a reserva e nega que o órgão que dirige seja autoritário.

 

O coronel Dytz, grande defensor da reserva quando era secretário da SEI, afirma que é hora de repensar a reserva, antes que esta seja sepultada por proteger uma indústria de ferro velho.

 

Cientista da UNICAMP critica a Reserva.

 

Edison Ditz fala sobre o Plano Nacional de Informática (Lei 7463-86).

 

História da IBM americana, o terror dos fabricantes nacionais de computadores.

 

Mostra como que se desenvolvem as pesquisas nos laboratórios da IBM, que investe 1,3 bilhões de dólares por ano só em pesquisas básicas, e possui 5 prêmios Nobel e 1.000 cientistas-doutores trabalhando em seus laboratórios. É contra essa infraestrutura que muitos acham que as empresas nacionais poderão competir quando a reserva terminar...

 

O furto de tecnologia do Macintosh efetuado pela Unitron.

 

Alguns resultados e algumas ressalvas à Reserva.

 

O contrabando contornando as dificuldades impostas pela reserva.

 

Enquete mostra que os melhores micros brasileiros são Sid, Scopus e Microtec.

 

As indústrias não têm muitas novidades a apresentar em 1987, contrariando os argumentos dos defensores da reserva.

 

Governo brasileiro prefere software americano em lugar do similar nacional.

 

Os investidores estão pagando menos pelas ações dos fabricantes de computadores.

 

Uma blitz para apreender micros contrabandeados causa revolta nos usuários, um dos quais afirma haver terrorismo de Estado e acusa a Máfia da Informática (os fabricantes nacionais) de terem pedido essa blitz à polícia federal pois não estão mais conseguindo vender sua sucata no Brasil.

 

Os fabricantes nacionais oferecem cópias piratas de programas americanos, sem pagamento de copyright, na compra de seus computadores.

 

A Scopus brasileira copiou sem autorização o famoso sistema MS-DOS da Microsoft americana e lançou-o no Brasil sob o nome de SISNE, o que provocou ameaça de processo por pirataria por parte da Microsoft.

 

Como os usuários brasileiros se defendem da reserva, adquirindo computadores bons e baratos com aparência de nacionais, mas fabricados na China Nacionalista.

 

Na 7ª Feira de Informática não apareceram inovações tecnológicas nacionais, mostrando que os argumentos pró-reserva na prática não estão funcionando.

 

Como a SEI cedeu e deixou o Brasil importar o OS/2 da IBM, por pressão das próprias indústrias nacionais de informática.

 

A retaliação americana contra a Reserva. Os produtos nacionais ameaçados.

 

Uma cópia parcial do COMPAQ-386 americano (considerado o Cadillac dos micros) é lançado no Brasil, levantando suspeitas quanto à nacionalidade do projeto.

 

O padecimento dos usuários de computadores nacionais com uma assistência técnica deficiente e irresponsável.

 

Baixa produção, impostos, juros altos, inexperiência. E a cara informática brasileira não consegue competir.

 

Como as indústrias brasileiras se sentem prejudicadas com a Reserva.