Um caso feio de contas falsas

Publicado no Jornal da Tarde em 1986

As irregularidades que podem ser praticadas por uma administradora em conivência com o síndico do condomínio em muitos casos configuram verdadeiros crimes de "colarinho branco".

Um desses casos foi descoberto e denunciado há dois anos pelo professor Antônio Carlos M. Mattos, da FGV, no condomínio onde morava, no Jardim Europa.

A história foi sendo descoberta por ele aos poucos. Mattos era muito amigo da síndica, mas começou a desconfiar da origem do dinheiro que ela usava para dar grandes festas, comprar presentes caros (inclusive para ele, no aniversário), sítio, carro do ano. O salário não era suficiente, já que ela era funcionária da Vara de Familia, e o marido garantiu a um amigo comum que não lhe dava dinheiro algum (os dois só não se separavam por interesses econômicos).

Mais tarde começaram a surgir provas meio por acaso. Mattos descobriu que ela tentava colocar o irmão para trabalhar no prédio como zelador. Foi comprar material elétrico em uma loja próxima ao condomínio e a proprietária lhe disse que se fosse eleito como síndico (na época sua esposa já era candidata) poderia lhe dar umas notas acima do valor (era nessa loja que o condomínio comprava o material elétrico de que precisava).

Diante dessas provas, o professor resolveu procurar outras, com mais empenho. Conseguiu o extrato bancário da síndica e a cópia de um cheque onde comprovava o pagamento a um fornecedor inferior à nota apresentada; foi pedir a apólice do seguro e descobriu que o condomínio sequer tinha seguro (o gerente do banco, "sócio" da síndica, aplicava o dinheiro e ficava com os lucros, devolvendo o capital integral para ela; se fossem descobertos, ele emitiria a apólice na hora); conseguiu outras notas frias; as despesas com cloro, por exemplo, eram muito acima do necessário, e não havia estoque do produto; nas atas da reunião eram incluídas cláusulas depois do registro, escritas a mão.

Todas essas irregularidades, comprovadamente, tinham o apoio da administradora. Aliás, o proprietário dava um jeito de participar de todas as assembléias como secretário. E tinha todo interesse nisso afinal, o condomínio certamente era a administração que mais lhe dava lucros. Só para se ter uma idéia, hoje cada apartamento paga, por mês, Cz$ 20 mil, o que gera uma receita mensal de Cz$ 4 milhões (são 200 apartamentos com 274 m2 cada um) e anual de Cz$ 48 milhões, sem contar despesas extras.

Depois de constatar todos esses "roubos", Antônio Carlos Mattos decidiu partir para a briga de verdade e conseguiu eleger sua esposa, Olga, para síndica. A concorrência teve lances de cinema, que incluem até ameaças por telefone, devidamente denunciadas à polícia.

No dia da assembléia, o clima era de guerra: de um lado, Olga e Antônio Carlos, munidos de procurações dos "aliados" (procedimento usado constantemente pela síndica para se manter no poder); de outro, a síndica e o administrador, com as devidas procurações (ainda eram a maioria), e com a certeza de mais uma vitória.

O que eles não esperavam é que Antonio Carlos Mattos contasse com mais munição. Conseguiu por aprovação da maioria dos presentes formar a mesa apenas por pessoas que haviam constatado fraudes na administração anterior (pela primeira vez o administrador não seria o secretário), e todas as suas procurações eram registradas no cartório de Registro de Imóveis (exigência de lei). As procurações da síndica não tinham registro, muitas eram falsificadas outras foram dadas por inquilinos ou pelo pessoal em atraso com o condomínio, e outras ainda não tinham data.

Assim, Olga Mattos conseguiu assumir o posto de síndica e em um ano diminuiu as despesas em 22%, as parcelas mensais dos condôminos caíram 27% e as receitas extraordinárias (aplicações no over, devolução do seguro, aluguel do salão de festa, entre outras) aumentaram 221%. Seu desempenho foi tão satisfatório que hoje ela trabalha do outro lado, é gerente de uma administradora de imóveis.

Por essa razão, Mattos dá algumas dicas para quem não quer ser enganado pela administração do condomínio: leia sempre a convenção do condomínio, para saber o que o síndico pode e não pode fazer.

Mattos lembra que os imóveis financiados pelo SFH já têm seguro contra incêndio. Assim, nesses casos basta fazer o seguro contra outros tipos de sinistros (como desmoronamentos), de responsabilidade civil (acidentes provocados pelo condomínio em pessoas) e das garagens.

Ele ressalta ainda que é prática normal do mercado as corretoras devolverem ao condomínio de 10% a 40% do valor do prêmio pago no ano anterior, para assegurar a renovação do seguro. Essa devolução dificilmente chega às mãos dos condôminos.

Outra recomendação é para que se confiram diversos orçamentos nos casos de reformas, manutenção ou benfeitorias, pois também é normal as empresas darem 10% para o síndico. Da mesma forma, também se deve acompanhar os rendimentos das aplicações (no condomínio onde Mattos morava, não eram creditados os rendimentos da aplicação de parte do fundo de reserva e das parcelas dos condôminos no overnight).

Até por uma questão psicológica, Antonio Carlos Mattos acha que o síndico deve ser remunerado para compensar o grande trabalho que tem na administração do condomínio. "É uma atividade que não recebe nenhum estímulo: o síndico sempre é o chato, o autoritário, o incompetente, o ladrão", -- caso contrário, ele poderá se sentir no direito de tirar alguma coisa para "pagar" as dores-de-cabeça que tem.