A Internet vai mudar
o mundo.
Para melhor
Por Cláudia Granadeiro
claudia@jt.com.br
Jornal da Tarde, domingo, 27-fev-2000, p. A4
http://www.jt.com.br/noticias/00/02/27/po2.htm
Para o professor de Internet Business da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Antonio Carlos Mattos, a Internet vai revolucionar a vida das empresas e dos consumidores. Ele alerta para a vulnerabilidade da rede, especialmente na hora de fazer compras com cartão de crédito. Todo cuidado é pouco, avisa. Apesar dos problemas, Mattos tem uma visão otimista do futuro da Internet
A primeira grande crise na Internet ocorreu neste mês, com a invasão de diversos sites famosos por hackers, como Amazon, CNN, Buy. Como o senhor avalia esses ataques?
Existe uma frase que diz: O caos é o nascimento do novo. O que está havendo é que a Internet está em um processo de crescimento e a rede, de certo modo, reflete o mundo real, onde há fraudes. A Internet não está preparada para ser um sistema extremamente seguro, para ser usado por bancos e lojas. Os hackers aproveitam essa fragilidade que existe hoje. Agora eles inventaram uma tecnologia que é um fogo cruzado vindo de várias máquinas diferentes. Eles solicitam tantas chamadas de lugares diferentes que o site pede água. Os hackers, pelo menos a maioria deles, são aventureiros. Mas, se começa a ficar fácil invadir um banco, eles podem ficar tentados a desviar dinheiro. Se perde muito dinheiro na Internet
As invasões podem atrapalhar o crescimento da Internet?
A Internet chegou para ficar e quem ignorar a Internet corre o risco de virar peça de museu. O processo é irreversível.
Mas existem meios de se prevenir esses ataques?
A segurança absoluta não existe em nenhum lugar do mundo. Basta ver os bancos. Em São Paulo, a média é de três assaltos por dia. Então não se pode querer que o mundo virtual tenha segurança absoluta. O problema é que as falhas de segurança são provocadas por pessoas que estão operando a Internet. Por exemplo, faço uma compra e envio meu número de cartão de crédito para a loja. Pode ocorrer de a pessoa pegar meu cartão e vender para um bandido, que irá cloná-lo. É impossível acabar com esses problemas, a não ser que você tivesse pessoas absolutamente sérias e idôneas operando computadores.
O assunto Internet tornou-se tão importante que o presidente Bill Clinton convocou uma reunião com líderes de empresas e anunciou a criação de um centro de segurança cibernética. Há motivo para tanto pânico? Esse centro pode realmente surtir resultado?
Os hackers estão invadindo alguns centros muito sensíveis em termos de segurança. Eles já invadiram o FBI e a CIA. O governo está preocupado porque está percebendo que a Internet virou um instrumento de domínio público mundial. Não dá mais para tocar a Internet de forma amadora, é preciso ser profissional, checar onde há perigo para a segurança. É uma possibilidade absurda e remota, mas a gente pode até imaginar, em um caso extremo, um hacker que dispara um míssil intercontinental e manda uma bomba via computador.
A questão das invasões suscita uma questão bastante debatida no comércio eletrônico: liberdade versus privacidade. Maryland e Virgínia estão para tornar-se os primeiros Estados norte-americanos a aprovar leis que regulem o comércio eletrônico. O senhor é a favor de leis exclusivas para a Internet?
Não existe jurisprudência para Internet. Os advogados e juízes estão perdidos, estão surgindo questões que eles nunca imaginaram. Naturalmente, há uma tendência à regulamentação mas os internautas detestam regras na Internet. Então, fica um jogo dialético: empresas, bancos e governo querendo regulamentação e internautas repelindo qualquer tentativa de amordaçar a Internet.
Existe um problema sério de pirataria na rede, principalmente de software, música, questões envolvendo direitos autorais...
Sim, o problema é que transferir a experiência do mundo real para o virtual não funciona. Vamos supor que eu abra um site e comece a distribuir ou vender música de CD, o que é proibido. Aí a Sony manda a polícia fechar meu site. Bobagem. Em meia hora, jogo meu site para outra página, em outro local. Na Internet, é preciso ter outra abordagem e, no caso da música, as gravadoras já começaram a perceber que vai ser difícil acabar com o problema e deverão elas mesmas vender música pela Internet. É difícil regulamentar a Internet porque a rede é um ambiente anárquico, sem governo, sem patrão.
Enquanto nos Estados Unidos o presidente Bill Clinton vai liberar uma enorme verba para infra-estrutura e prevenção de problemas na rede, o Brasil parece mostrar-se mais vulnerável. Em um mês, ocorreram 18 invasões de sites brasileiros importantes, como o do IBGE.
O Brasil é um país de Terceiro Mundo e o que nos falta, naturalmente, são duas coisas: dinheiro e tecnologia. O pior é que o brasileiro não tem uma mentalidade de segurança. O pessoal monta um site e acaba não adotando sistemas seguros por ser caro. Depois que o site é invadido eles começam a pensar em segurança. Outro problema: muitos sites trabalham com ambiente Windows. Os hackers chamam o Windows de peneira, ou seja, não tem segurança nenhuma. Os hackers adoram invadir site com ambiente Windows: é mais fácil do que Linux, Unix, Apple.
Até quando vai continuar o crescimento da Internet?
O crescimento explosivo está diminuindo. Na Europa já está havendo uma certa saturação. Nenhum setor pode crescer eternamente a taxas anuais de 30% a 40%. Teremos taxas normais de crescimento na Internet a curto prazo.
Nas últimas semanas houve uma febre de sites oferecendo conexão de graça à Internet? A Abranet, associação que reúne os provedores, protesta. O que o senhor pensa da Internet grátis? Os provedores desaparecerão?
O futuro, sem dúvida, é a Internet grátis. Os provedores estão começando a desaparecer na Europa e nos Estados Unidos. O mesmo anunciante que hoje aplica seu dinheiro no rádio, televisão e jornal vai migrar para os sites. Além disso, existe um projeto bilionário do Bill Gates, que envolve recursos de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões, o Teledesic. Por meio de um computador de bolso ou máquina de calcular, você vai poder entrar na Internet, usar telefone, passar mensagem, acessar e-mail, tudo com acesso direto ao satélite. Você não vai precisar de companhia telefônica, de linha telefônica ou de provedor. Se der certo, será uma tremenda revolução.
Em que setores a Internet vai crescer mais?
Não vejo nenhum setor que a médio e a longo prazo não seja influenciado pela Internet. Na Internet, o grosso serão as transações comerciais entre empresas. Setenta por cento das transações serão feitas no business-to-business (empresa para empresa) e 30% consumer-to-consumer e consumer-to-business, fora as utilizações não-comerciais como chat, e-mail e lazer. Daqui a pouco você vai escolher um filme e assistir na Internet.
O que impede uma expansão maior da web no Brasil?
Além da restrição econômica, outro problema são as linhas telefônicas. A tecnologia hoje em uso no Brasil não foi feita para Internet, para transmitir dados e, sim, falar ao telefone. A rede não agüenta a Internet e por isso ela é tão lenta. Uma saída seria a linha digital, que ainda é objeto de curiosidade no Brasil. A solução mesmo é a Internet 2, que vai trazer uma velocidade espantosa. Será possível transmitir, por exemplo, do meu computador para o seu, 80 mil Bíblias por segundo.
Quando a Internet 2 estará em funcionamento?
Ela já está em fase experimental nos EUA. No Brasil, existem duas universidades querendo entrar na Internet 2 mas ela é muito cara. Isso é coisa para daqui a 10 anos, 15 anos.
As ações de empresas ligadas à Internet vivem um boom. Dá para imaginar um futuro brilhante no mercado acionário com a Internet?
Essa é uma pergunta que ninguém sabe responder. O que posso dizer é que o pessoal da área financeira está chocado. Hoje, um garotão aluga uma sala, bota alguns computadores, liga na Internet e começa a operar comercialmente. De repente, você vê que as ações dessa empresa valem mais do que a Petrobrás. É difícil de entender mas isso ocorre porque os investidores estão apostando na Internet. Mas provavelmente esse boom vai diminuir e o preço das ações deve cair.
Como a Internet está mudando e vai mudar a vida dos profissionais e empresas?
Algumas profissões, como bancário ou vendedor, irão praticamente desaparecer. Haverá novas formas de trabalho. Milhares de profissionais trabalharão em casa e isso reduzirá custos para as empresas. Com isso, o produto ficará mais barato e o consumidor será beneficiado. Outras profissões já surgiram, como web designer, marketing virtual e administrador de sistemas de acesso à Internet.
O senhor compra pela Internet?
Eu me recuso a fazer compras pela Internet usando meu cartão porque não há segurança. Só compro em empresas que usam o S.E.T. (Secure Electronic Transaction), como o Bradesco. Com esse sistema, fico tranqüilo. Eu autorizo o banco a passar determinado valor para uma loja e ele vai checar se a loja existe. Milhões de dólares são roubados virtualmente todo dia. Existe um programa, o credit wisard, que é encontrado facilmente em sites de hackers. Com o programa, é possível gerar um cartão de crédito falso. Todo cuidado é pouco ao comprar na rede.
O que o senhor vislumbra no futuro para a Internet?
Estou absolutamente convencido de que a Internet chegou para ficar e vai virar o mundo de pernas para o ar. Para melhor.
Nome: Antonio Carlos Mattos
Data de nascimento: 12/06/1943
Estado civil: casado, duas filhas
Histórico acadêmico: ex-aluno do ITA e formado em Engenharia de Eletricidade pela Escola Politécnica da USP, em 1969. Fez Pós-Graduação em Informática de Gestão no Institut National de Recherche en Informátique et Automatique (Inria) e no Conservatoire des Arts et Métiers, em Paris. Mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)
Histórico profissional: é professor por concurso de Matemática Financeira, Informática e Internet Business na FGV-SP. Consultor da ONU em sistemas de intercâmbio de tecnologia. Gerente de Informática por 10 anos. Responsável pelos vestibulares e concursos públicos da FGV.
Home-page pessoal: http://www.amattos.eng.br
Hobby: eletrônica e música ("bachiano convicto")