XIV - Diferenças nos período iniciais e na duração da próxima Idade Média em vários paises

"I am a scientist."

O significado dessa frase em inglês é nitidamente diverso daquele de sua tradução literal: "Sou um cientista."

Não quero, com isto, apresentar um exemplo das ciladas nas quais pode cair aquele que traduz literalmente, ao argumento da impossibilidade de se produzir maquinalmente traduções profissionais de bom nível. Quero demonstrar, em lugar disso, como estão refletidas nessas expressões verbais algumas diferenças fundamentais na maneira de considerar a ciência e a técnica, em diversos países: neste caso, a Itália e os países anglo-saxões.

Um inglês, ou um americano, que diga: "I am a scientist", não faz, em geral, uma afirmação capaz de ser posta em ridículo, mas fornece a informação de que o seu trabalho desenvolve-se numa instituição científica - eventualmente universitária - e que consiste numa atividade de pesquisa teórica ou experimental. A afirmação é, tendenciosamente, fátua, ainda que possa ser feita com objetivo polêmico, para indicar que quem a pronuncia tem opiniões do tipo lógico - experimental e não baseadas em preconceitos, impressões vagas ou informações de segunda mão, descontroladas e incontrolaveis. Naturalmente, sucede também que o anglo-saxão que afirme ser um cientista seja, de fato, um impostor, procurando encobrir a sua impostura com um manto científico - mas, nesse caso, as críticas que lhe venham a ser feitas tendem a negar a sua qualidade de cientista, já que se aceita a convenção de que os cientistas são honestos e competentes.

Na Itália, a frase "Sou um cientista" quase não é mais ouvida. É urna frase que soa enfatuada e vazia e que nenhum cientista sério sente, em geral, vontade de pronunciar. O italiano que quer acrescentar autoridade gratuita aos seus argumentos antes o faz, formalmente, citando a sua posição ou os seus títulos acadêmicos, mas nunca invocando a ciência. É muito provável que isto dependa de uma difundida (e por vezes injustificada) crença dos italianos na incompetência básica de quem quer que seja, e, portanto, também dos cientistas. Esta desconfiança na ciência e nos homens se estende, na Itália, igualmente à tecnologia e aos sistemas de qualquer dimensão.

A desconfiança na tecnologia é uma atitude que deveria ser considerada séria, positiva e capaz de evitar graves desastres. Verificaram-se, de 1946 a 1967, em todo o mundo, 45 incêndios de vultosas dimensões: exatamente um terço dos mesmos ocorreu nos Estados Unidos, ao passo que nenhum teve lugar na Itália, nem na Rússia, ou na Polônia. A explicação desse fato poderia ser encontrada, simplesmente, na circunstância de que nos Estados Unidos as construções de madeira são mais comuns do que outros lugares, sendo, por isso, mais fácil que um incêndio lá, uma vez irrompido numa cidade, assuma grandes proporções. Creio, no entanto, que esta seja uma explicação simplista, não sendo, por outro lado, mais sólida e convincente. É sabido que as normas para execução das instalações elétricas internas são, nos Estados Unidos, mais rígidas e prudentes do que na Itália, e, sobretudo, que, na América, tais normas são efetivamente observadas com escrúpulo, enquanto que os dispositivos italianos correspondentes são, freqüentemente, ignorados. Não é raro, por exemplo, que, na Itália, um lustre seja suspenso por meio dos mesmos fios elétricos que conduzem a corrente às lâmpadas, ou que uma plaqueta de fiação dupla seja fixada por intermédio de preguinhos que atravessam o plástico de isolamento, ao passo que, na América, as soluções improvisadas desse tipo são, praticamente, desconhecidas.

Os usuários americanos confiam, conseqüentemente, na boa execução de suas instalações elétricas e exigem, aliás, a disponibilidade de uma potência elétrica, superabundante, que possa fazer frente, também, às necessidades futuras: em vista disso, os níveis de, intervenção das proteções eletromagnéticas (das ,válvulas") são dispostos com valores muito altos, freqüências muito altas, de modo que, quando se verifica um curto-circuito por razões acidentais, as proteções não entram em funcionamento e o curto-circuito tem excelentes probabilidades de produzir um incêndio. O eletricista italiano, ao contrário, leva em conta que a instalação elétrica é de pouca confiança e, conseqüentemente, dispõe as proteções eletromagnéticas de maneira que entrem em funcionamento não apenas quando a potência excede o estritamente necessário e, então, quando ocorre um curto-circuito, ao invés de produzir um incêndio, a corrente é imediatamente interrompida.

O exemplo citado pode ser considerado banal, mas não o é: situações análogas verificam-se em outros setores. O dirigente italiano que decide implantar um sistema administrativo através de computadores, em seu íntimo, não crê inteiramente que o novo sistema funcione e, portanto, o mantém, paralelamente, em coexistência com o sistema precedente, antiquado e manual, havendo apenas a conseqüência de que se o novo sistema eletrônico apresentar defeitos, é fácil voltar, naturalmente, ao antigo e assegurar a continuidade do serviço.

O dirigente americano, que se inclina a depositar maior confiança - às vezes ilimitada - nos novos sistemas, indubitavelmente avançados, que se decide a empregá-lo, mantém-no desguarnecido de reservas e pode encontrar-se sem qualquer sistema eficiente numa situação de grave emergência.

As concentrações das megalópoles das costas do Atlântico e do Pacífico dos Estados Unidos e da área dos grandes lagos em torno de Chicago devem sua densidade e sua própria existência à disponibilidade de um nível tecnológico muito evoluído. As considerações precedentes indicam que esse estado de coisas implica em riscos acentuados. Isto é, parece provável que quando se verificar a próxima Idade Média, as suas manifestações iniciais tenham lugar nos Estados Unidos da América.

As situações involutivas do tipo medieval difundir-se-ão, sucessivamente, nos países europeus antes que nas outras nações do continente americano não somente por causa das concentrações européias serem maiores em relação às canadenses e latino-americanas, mas também pelo efeito do brain drain - ou êxodo dos cientistas, às avessas.

Este é um fenômeno que começou, já, a manifestar-se por volta do fim da década de 60, em virtude da retração econômica americana e dos conseqüentes e significativos cortes nas verbas destinadas à pesquisa avançada - tanto por parte das empresas privadas, quanto das organizações governamentais e, particularmente, da NASA. os tecnólogos, cientistas, engenheiros, pesquisadores e empresários de origem européia, emigrados para os Estados Unidos, tornando aos seus próprios países, na Europa, tentaram desfrutar novamente de sua capacidade realizadora, dedicando-se a atividades similares às que desenvolviam na América. Ainda que em condições econômicas difíceis, encontrariam grandes organizações dispostas a lhes dar crédito, ao menos porque se deduziria que certas atividades tecnológicas produtivas - e destinadas a tornar mais complexos os sistemas existentes e a criar novos - poderiam constituir uma solução adequada às difíceis condições de mercado de trabalho e de economia. Essas atividades contribuíram, pois, para o aumento das concentrações sistêmicas e para o incremento da probabilidade de que os grandes sistemas atinjam as condições de instabilidade presentemente responsáveis pelo surgimento da Idade Média americana.

Na fase seguinte, que poderia ocorrer poucos anos talvez um lustro - após o início da primeira fase americana, a Idade Média começará nesta ordem: Alemanha, Holanda, Bélgica, Franca, Áustria, Itália, Inglaterra, Espanha, União Soviética, Portugal, Tchecoslováquia, Hungria, Polônia, Romjnia, Iugoslávia, Grécia e Turquia.

A inserção da Inglaterra no sétimo lugar entre as nações européias se deve à paralisação no desenvolvimento inglês: de 1960 a 1970, o produto nacional bruto britânico cresceu muito lentamente, aumentando em apenas 28% no decênio. Isto é considerado um indício perigoso, mas, ao mesmo tempo, esta sustação do desenvolvimento afasta o alcance da instabilidade. Em comparação, na mesma década 1960-1970, o produto nacional bruto da Alemanha, que, em 1960 era quase igual ao da Grã-Bretanha, sofreu um aumente de aproximadamente 70%.

A relação não compreende a Suécia, porque, como observei a propósito dos sistemas postais, nesse país a ciência, a tecnologia e a indústria são muito desenvolvidas, ao passo que as concentrações são limitadas e a densidade demográfica é de 18 habitantes por quilômetro quadrado (cerca de 10% menor do que a dos Estados Unidos e 11 vezes menor do que a da Itália). A Suécia, com 8 milhões de habitantes (menos do que Londres) está na vanguarda, por exemplo, da geração e da transmissão de energia elétrica (com linhas de altíssima tensão mesmo em corrente contínua). A Suécia, em virtude disso, não estará sujeita a graves crises sistêmicas e se constituirá numa ilha de eficiência e, talvez, de progresso contínuo, dentro do contexto geral que, apresenta um mar mundial de retrocesso e morte. O clima ajuda-la-á a não ser invadida pelos povos em fuga das ruínas de suas civilizações. Um irreversivel progresso da nação escandinava, simultâneo à degradação e à paralisação das nações mais desenvolvidas, reconduzirá a Suécia à condição que já desfrutou no século X, quando a sua influência alcançava o Mar Negro e no século XVII, quando era a maior potência protestante do continente europeu. No ano 2000, funcionários suecos governarão Nova York, Moscou, Berlim e Paris.

No outro hemisfério, a Idade Média começará no Japão, talvez mesmo antes que nos Estados Unidos. No Japão, de fato, a produção, a exportação e a concentração cresceram, no último qüinqüênio, à razão de 10% ao ano, ao passo que a inflação foi da ordem de 17% ao ano. Essa nação dirige-se, célere, para a instabilidade.

Outra questão interessante é a duração da próxima Idade Média. Já defini (no capítulo I) a Idade Média: "o período de tempo decorrido entre o momento em que for atingido o máximo do overshoot e o momento em que ultrapassado o mínimo - se iniciará um novo período de expansão". Claro está, porém, que desses fenômenos de involução e sucessiva expansão, em larga escala, não se pode, sensatamente, fazer muitas previsões a respeito do desenvolvimento qualitativo mais provável.

Poder-se-ia deduzir que as eventuais migrações dos povos serão mais rápidas do que o foram há dezesseis séculos; que as informações históricas, científicas e técnicas permanecerão acessíveis a um número bastante grande de pessoas e que, conseqüentemente, qualquer abalo dos níveis culturais prevalecentes será um fenômeno facilmente, ou, pelo menos, rapidamente, reversível. Com base nessas considerações, a próxima Idade Média deveria durar cerca de um século A duração deveria ser ligeiramente maior nos Estados Unidos, onde a nova era se iniciará antes do que outros lugares, O renascimento seguinte poder-se-ia iniciar quase que em qualquer lugar - no Brasil, no México, na Argentina, na China, no Japão, na Suécia - mas parece mais provável que se verifique uma convergência de fenômenos similares em lugares muito distantes uns dos outros, já que, verossimilmente, um dos frutos da presente civilização que não se desperdiçará será o das comunicações rápidas, pelo menos, por via do rádio (ainda que não por meio do satélite, porque riso mais existirá uma organização capaz de assegurar a periódica substituição dos satélites "estáveis" para telecomunicações). E se as idéias poderão ser comunicadas rapidamente, a nova civilização poderá surgir com aspectos uniformes em países diversos e longínquos, visto que o único renascimento que poderemos imaginar deve implicar necessariamente na existência de um movimento de idéias novas.

Nos primeiros meses de 1971, algum indício econômico sugeriu que a retração experimentada em grande parte do Ocidente poderia encaminhar-se para o seu final: se, em lugar disso, o slump continuar, a crise final poderá ser retardada por alguns anos. Após a retração, ver-se-á um novo boom e isto (o que se verificará a seguir) poderá levar à instabilidade e ao abalo,

Entre 1985 e 1995, a Idade Média já estará se iniciando.