VIII Esperanças mal ocultas e temores infundados em relação aos computadores eletrônicos

As cinco afirmações precedentes constituem, infelizmente, a única justificação de muitas decisões, que são tomadas para definir a solução de problemas que interessam a milhões de homens. Este tipo mesmo de decisão é igualmente considerado como particularmente brilhante e moderno, apesar de que algumas das cinco afirmações às quais me referi sejam destituídas de sentido e outras delas possam ser consideradas verdadeiras apenas em determinados contextos e após acurados exames.

Apraz a quase todos os homens obter o máximo de resultado com o mínimo de esforço e, pois, não é de espantar se muitos responsáveis por decisões importantes esperam evitar trabalho pesado e esforços de imaginação e preferem optar pela adoção de um computador eletrônico, que deverá assegurar a direção otimizada do sistema e garantir, com a sua flexibilidade, o alcance imediato das soluções e a fácil modificação dos programas para se dar conta de idéias novas que, no entretempo, possam ser materializadas. Deveria, pelo contrário, ser óbvio que em loterias desse tipo jamais se vence,

Se não estão satisfatoriamente definidos o projeto seqüencial, a estrutura e a lógica do sistema considerado, e não estão resolvidos os problemas relativos ao eventual congestionamento do sistema, não se poderá obter qualquer vantagem sensível com o emprego do computador. Quando se instala um computador sem se haver, primeiramente, procedido à análise sistêmica necessária, termina-se, fatalmente, transmitindo nos programas dos computadores as estratégias e as estruturas sistêmica mais simples possíveis - com o objetivo de não se arriscar a um insucesso de grandes proporções. Assim, existem sistemas em que certo número de processos são governados por um computador eletrônico numérico e por esta única razão são qualificados como moderníssimos e eficientíssimos, embora prestem, de fato, serviços muito modestos e pouco interessantes.

Neste ponto, cabe discutir, brevemente, o conceito próprio de flexibilidade, qualidade da qual, há vinte anos, os construtores dos computadores eletrônicos se vangloriam em grande parte de seus escritos publicitários. Quando se diz que um computador eletrônico numérico é uma máquina muito flexível, o que se pretende, de fato, dizer é que não é uma maquina construída para uma finalidade específica, mas que pode ser utilizada indiferentemente para resolver problemas matemáticos e lógicos dos mais diversos tipos - mas bem entendido: contanto que tenham sido antes redigidos os programas necessários para fornecer as soluções procuradas. Este trabalho da redação dos programas do computador ou da produção de completas bibliotecas de programas e de sistemas de programação capazes de habilitar um computador a absorver dados é, freqüentemente, subestimado, ao passo que, em muitos casos, o custo relativo (constituído, sobretudo, de mão-de-obra profissional altamente especializada, além do tempo necessário ao computador para as provas dos programas) supera o do equipamento instalado no centro de cálculo. o termo software foi criado para definir, com precisão, as tarefas dos computadores viáveis pela existência de bibliotecas de programas e de rotinas auxiliares e pela disponibilidade de linguagem simbólica de programação. (o termo oposto a software é hardware - literalmente "materiais sólidos", no sentido de ferramentas, e, por extensão, também equipamentos em geral - empregado para designar as unidades de efetiva consistência física que compõem o computador considerado.)

Quando um fabricante de computadores afirma que as suas máquinas são versáteis está claro pois que destaca uma verdade indiscutível - do mesmo modo como um fabricante de caminhão poderia dizer que os seus veículos são versáteis, porque podem servir para transportar carne enlatada, livros, condensadores eletrolíticos ou cucurbitáceas. No caso do caminhão, porém, basta carregar-se objetos diversos e levá-los ao seu destino - enquanto que no caso dos computadores é preciso, primeiramente, dispor do software necessário para resolver efetivamente os problemas dos quais o computador tem capacidade para tratar, após ter sido programado. A flexibilidade dos computadores, em conclusão, não garante totalmente que os cálculos confiados ao software possam ser viáveis, nem que possam ser economicamente exeqüíveis.

Os programas, o software e, em geral, os modos de utilização de um computador eletrônico não podem ser melhores nem mais eficientes do quanto o sejam o pessoal de programação que os produziu. Nos últimos vinte anos, a demanda de programadores cresceu com incrível velocidade e foi necessário treinar, apressadamente, novas levas. As deficiências no treinamento dos programadores e a inexperiência daqueles que os dirigiam tiveram por conseqüência que, mesmo em poderosíssimas organizações industriais, as novas atividades mecanizadas sofreram insucessos clamorosos. Em lugar de tornar disponíveis dados elaborados mais rapidamente e com maior segurança, os resultados vêm se verificando com atraso e cheios de erros. Ao invés de prestar um serviço ao menos equivalente, com custos menores, os custos se elevaram. Nos últimos anos, portanto, muitas sociedades industriais e comerciais americanas, de grande porte, decidiram minimizar o risco no empreendimento de novas atividades mecanizadas por meio de calculadores eletrônicos e confiaram, em empreitada, todo o trabalho de organização dos centros de cálculo (máquinas e pessoal) e toda a responsabilidade de elaboração - até à produção dos resultados finais - às sociedades externas especializadas nesse tipo de trabalho.

Essas circunstâncias foram citadas unicamente para chamar a atenção sobre a gravidade dos aspectos puramente de aplicação dos sistemas de computação eletrônica.

Não se resolve problema algum simplesmente comprando ou locando um calculador e contratando alguns engenheiros e alguns matemáticos.

Num certo ponto de vista, é lamentável que as atividades dos laboratórios e as realizações da indústria eletrônica tenham obtido tanto sucesso público. A conseqüência desse fato é que os mais atualizados e progressistas profissionais e cientistas nos mais diversos campos de, atividade concebem e projetam soluções meramente em termos de aparelhos (hardware) e de processos de aplicação de aparelhos (software) - em vez de em termos de sistemas.

Quando, por exemplo, um banco mecaniza a enorme massa de trabalho constituída pelas operações contábeis de seus escritórios, avulta muito o fato de que a parte executiva e aritmética do trabalho é desenvolvida, precisamente, por um computador eletrônico e se tende a descurar do importantissimo trabalho de análise de processos que deve preceder à mecanização e que conduz, freqüentemente, à adoção de profundas modificações no funcionamento da entidade. A análise dos processos é necessária para controlar se os mesmos são mecanizáveis e para torná-los tal, em caso negativo.

Se essa análise é bem feita, acarreta justamente vantagens, senão comparáveis, pelo menos maiores do que as obtidas com os meios de elaboração eletrônica; se é mal feita, o sistema, no seu complexo, funciona pior após a mecanização do que anteriormente à mesma.

A aproximação sistêmica deveria consistir propriamente na tentativa de otimizar o funcionamento do sistema no seu complexo, selecionando os dados a elaborar, evitando as elaborações que dariam resultados supérfluos, evitando as duplicações e, se necessário, tornando a definir os objetivos essenciais do trabalho a ser desenvolvido,

É sabido que os maiores sucessos registrados no emprego dos computadores eletrônicos - à parte aqueles conhecidos nos campos de ciência pura e aplicada - verificaram-se nas aludidas aplicações contábeis e nas de controle dos processos industriais. As primeiras, especialmente, se caracterizam por uma enorme massa de dados a serem elaborados. A consideração desse fato conduziu, em muitos casos, a decidir se é necessário empregar um computador eletrônico toda vez que se depare com dados apreciáveis, sem considerar, contrariamente, a outra alternativa - que é a de modificar o sistema de maneira a prevenir e impedir a produção de tantos dados. Um exemplo típico é a descoberta das informações jurídicas.

Todo ano, os tribunais continuam a proferir sentenças. Toda sentença pode ter importância - como "precedente" para a decisão de causas e de processos celebrados após a sua emissão (nos países anglo-saxões, sobretudo, as sentenças precedentes constituem quase a única fonte de direito e substituem os códigos). Os juizes e os advogados têm, portanto, de resolver o problema de descobrir as sentenças precedentes que possam ter alguma importância para o caso de que se ocupam, e, todo ano, devem, fatalmente, tentar localizá-las entre um número enorme e sempre crescente de outras sentenças de nenhum interesse, no momento, para os seus objetivos. Pensa-se, agora, em codificar as sentenças (no sentido de traduzi-Ias em códigos aceitáveis pelos computadores eletrônicos) e registrá-las na memória dos computadores, utilizando as mesmas máquinas para descobrir as sentenças interessantes a determinado fim (em geral, procurando-se no texto da sentença aparecem, ao menos, certas palavras-chave capazes de definir o assunto julgado). Uma notável massa de atividade dedica-se a esse tipo de pesquisa nos Estados Unidos da América do Norte, União Soviética, Bélgica, França, Itália, Holanda, Luxemburgo, Inglaterra, Tchecoslováquia e nas duas Alemanhas. Pelo contrário, uma atenção muito menor, de fato quase nula, é dedicada à reforma dos códigos e dos sistemas jurídicos, a qual, por si só, poderia resolver basicamente o problema e tornar inútil não apenas o emprego dos computadores, mas a própria necessidade de conservar uma quantidade, de precedentes crescente ad infinitum.

Algo de muito semelhante está-se verificando no campo, mais vasto, das publicações científicas. Publicam-se, atualmente, no mundo, mais de 100 mil periódicos técnicos e científicos. Mesmo considerando, entre esses, apenas os pertinentes a ramos específicos de atividades de pesquisa, não se pode esperar que haja tempo de examinar todos para controlar se algum já não tenha descoberto e publicado os resultados que uma pesquisa nova pretende obter. Também aqui se sugeriu a utilização de computadores eletrônicos para memorizar tudo o que se publica no mundo, no campo técnico e científico (como por exemplo, traduzindo para o inglês todas as publicações que não forem editadas naquele idioma). Os pesquisadores científicos e técnicos deveriam, posteriormente, pesquisar nas memórias dos computadores, automaticamente, para tentar descobrir tudo o que já existe de relevante para as finalidades de sua própria atividade. O problema, aqui, é, indubitavelmente, mais sério e crítico. Alguém julga que a maior parte do tempo dos cientistas é ocupada atualmente pela pesquisa bibliográfica: isto não é inverossímil, se se pensar que já existem, no mundo, 100 mil volumes unicamente de bibliografias (reunidas em um outro volume denominado World Bibliography of Bibliographies).

Também neste setor seria mais lucrativo analisar a estrutura do processo, que compreende a elaboração de textos científíco-técnicos e sua subseqüente descoberta, antes de aceitar sem discutir que se continuem a publicar e a distribuir, todo ano, milhares de toneladas de páginas e a recorrer, posteriormente, à força bruta - ou seja, a grandes e velozes computadores eletrônicos - para tornar possível aos eventuais interessados a leitura das publicações que dizem diretamente respeito à sua atividade. A alternativa óbvia é constituída pela decisão de, pelo menos, limitar o número de artigos e de relatórios publicados, ou dos artigos e dos relatórios elaborados. Qualquer cientista pode fornecer uma extensa lista de publicações cuja impressão poderia ser suprimida sem que isto fizesse grande diferença. Ninguém deve, sequer, se espantar muito com esse estado de coisas: os progressos reais e significativos, além de difíceis, são raros.

Existe, certamente, uma providência que, por si só, já contribuiria para reduzir, de modo essencial, a massa de produções científicas publicadas, entre as quais, posteriormente, se pesquisariam quais interessam a determinados fins: trata-se de uma radical modificação das normas e dos processos segundo os quais são decididas as promoções e é atribuído o mérito no campo acadêmico. Com ou sem razão, julga-se, atualmente, que o grau merecido por um aspirante a docente seja dado em função do número de páginas de memórias científicas por ele publicadas. É por este motivo que são mais freqüentes e numerosas as produções literárias de indivíduos mais jovens, que aspiram atingir graus superiores justamente em virtude de seus próprios escritos. Normalmente, a produção de material escrito decresce bruscamente quando se atinge um grau aceitável e superior, apesar de ocorrer, freqüentemente, que por hábito e por força da inércia, também os docentes que superaram os limites mais importantes - como o ordinariato, na estrutura universitária italiana, e o contrato vitalício ou tenure, na estrutura universitária americana - continuem a escrever ou a fazer escrever e, muitas vezes, a publicar memórias demasiadamente longas e de conteúdo escasso ou quase nulo.

As vantagens sistêmicas provavelmente oferecidas pelos grandes computadores eletrônicos, e não materializadas que vínhamos considerando até aqui, não se concretizaram por razões do tipo organizacional. Há, no entanto, algo pior, no que tange a erros e falácias conceituais que têm, infelizmente, curso livre no campo dos computadores, ou da "informática", como alguns gostam de chamar a ciência do cálculo automático e a teoria das informações e das comunicações. Existem classes inteiras de aplicações dos computadores que motivaram pesquisas científicas e atraíram investimentos de capitais também consideráveis em vista da grande exploração industrial e comercial em alta escala ao passo que aquelas bases do tipo de utilização projetada são vagas e insubsistentes ou eivadas de impossibilidades intrínsecas ou de contradições. A característica comum a essas aberrações é que postulam analogias mais ou menos profundas entre o funcionamento do cérebro humano e o dos sistemas de computação eletrônica e se propõem redigir programas de computação eletrônica capazes de substituir o homem na execução de atividades racionais e decisões de alto nível. Esta substituição do homem pela máquina é, em geral, indicada como desejável por razões de ordem econômica. E breve dar-se-á conta, porém, de que não apenas não se realizam as economias esperadas, mas de que o projeto, em sua totalidade, não é exeqüível: neste ponto, agora, a ênfase se transfere e busca uma justificação para a atividade desenvolvida, sustentando que a mesma seria para demonstrar cientificamente a identidade entre o homem e a maquina, que já era, inicialmente, postulada, ou, ao menos, serviu para emprestar uma importante contribuição a uma provável demonstração futura dessa identidade.

A dificuldade basilar de toda esta história é, provavelmente, que Norbert Wiener era um matemático de grande valor e gozava, portanto, de muito prestígio. Conseqüentemente, quando, em 1948, desenterrou a palavra "cibernética" (inventada, inocentemente, por Ampère, cento e quatorze anos antes, no contexto de uma classificação geral das ciências) e sustentou haver fundado a nova ciência do controle e das comunicações nos animais e nas maquinas, deram-lhe crédito. Ainda hoje, o termo cibernética é uma palavra polida, seja na Academia de Ciências da URSS, seja no Massachusetts Institute of Technology e na RAND Corporation - e não deveria sê-lo, como o demonstrou rigorosa e brilhantemente Mortimer Taube, já em 1961, em seu livro Computers and Common Sense.

Para explicar o estado das coisas não é necessário retomar as antigas polêmicas, entre vitalistas e mecanicistas. Ninguém contesta que as atividades do cérebro humano são possíveis graças a um conjunto de matéria, onde circulam correntes elétricas. Ninguém nega que também os computadores eletrônicos podem ser definidos como conjuntos de matérias nas quais circulam correntes elétricas, nem que os computadores eletrônicos possam executar mais rapidamente do que um homem muitas operações de elaboração de dados definidos formalmente (no sentido mecânico). O que se nega é que possa existir, no estágio atual da técnica de computação, um computador capaz de fornecer respostas equivalentes às de um cérebro humano. Com toda probabilidade, as coisas são ainda um pouco mais complicadas se é verídico que os computadores são adaptados apenas a fornecer informações segundo processos formalmente definidos, ao passo que o funcionamento do cérebro humano é essencialmente do tipo informal.

Sem tentar resolver esta última questão, altamente especializada, basta considerar a história da cibernética, nos últimos vinte anos. Já no inicio da década de 50, não somente divulgadores, mas também engenheiros e matemáticos encarregados de pesquisas avançadas nos institutos de instrução superior prometiam que estariam disponíveis dentro de poucos anos:

Vejamos, por outro lado, como decorreram as coisas.

Diz-se que a Central Intelligence Agency americana traduz todo dia o Pravda inteiro, do russo para o inglês, utilizando um computador eletrônico: se a história fosse verídica, não se poderia dizer que o fato seja absurdo, porque mesmo uma tradução de palavra por palavra (possivelmente feita de maneira a fornecer todos os sinônimos do dicionário para cada palavra da língua original) pode dar uma vaga idéia do conteúdo do texto originário. Porém, não se trataria, por certo, de traduções profissionais de bom nível. Provavelmente, é verdadeiro que esse último tipo de tradução não seja viável mecanicamente, por razões teóricas e conceituais, o que seria muito longo e complicado expor aqui, mas, por certo, mais facilmente demonstravel praticamente. Qualquer texto, escrito em qualquer língua é, com efeito, uma mensagem enviada por uma pessoa a outra, ou a um grupo de pessoas mais ou menos restrito: para ser compreendido, pressupõe uma experiência comum acerca da qual cada um dos membros do grupo haja formado em sua própria mente uma imagem, um modelo do mundo exterior.

É justamente com referência àquela imagem, àquele modelo, que quem recebe a mensagem poderá dirimir as ambigüidades do texto e compreender, sem esforço, os eventuais neologismos. Enquanto não se puder fabricar computadores eletrônicos dotados de memória capaz de poder registrar uma imagem do mundo exterior, a tradução automática, de bom nível, não será possível e, corno acenei, talvez nem agora o seja. Até o momento, os computadores eletrônicos têm memórias inadequadas e os editores, em particular, consideram mais seguro e econômico recorrer a tradutores humanos,

No que diz respeito à demonstração de teoremas por meio de computadores, existe, efetivamente, a possibilidade, e é sabido que foram demonstrados pela máquina tanto teoremas de geometria, quanto de lógica. Lamentavelmente, porém, tratava-se de teoremas já conhecidos; as máquinas, neste campo, não fizeram avançar um passo no progresso matemático. E poder-se-ia, aqui, estabelecer um paralelo com o espiritismo: não tenho razão alguma muito forte para não crer na possibilidade de colóquios com os espíritos dos mortos; entretanto, enquanto ninguém se comunicar com o espírito de Piere Fermat e obtiver a demonstração de seu último teorema, recuso firmemente a me deixar impressionar.

Semelhantemente, emitir um computador as regras para jogar damas ou xadrez é uma tarefa imediata, mas não se conseguiu, até agora, que alguma máquina tenha jogado qualquer partida com um nível superior ao de um bom principiante. Estou seguro de que, em 31 de dezembro de 1971, o campeão mundial de xadrez será, ainda, um homem e não um computador e, conseqüentemente, ganharei 120 dólares de uma aposta feita há 9 anos com Joe Weizenbaum um dos mais conhecidos especialistas americanos no campo da inteligência artificial. Estarei pronto a renovar a mesma aposta por alguns decênios, ainda.

No que concerne à última promessa da cibernética - a disponibilidade de computadores que aprendem com base em sua própria experiência precedente - as opiniões são discordantes, porque muitos sustentam havê-los já programado deste modo. Receio tratar-se, de uma questão de definição. É seguramente possível programar computadores eletrônicos a fim de que reajam imediatamente a sinais provenientes do mundo exterior e governem, conseqüentemente, certos processos que esses sinais desenvolvem, produzindo, com este objetivo, outros sinais. É também possível que, além de fornecer esses sinais de controle em função daquilo que ocorra no mundo exterior - mas segundo processos que devem ser previstos e descritos em termos formais e explícitos -, o computador registre certas estatísticas sobre o comportamento do ambiente externo e, em função dos resultados, controle de maneira apropriada os sinais ou os aparelhos postos sob o seu governo. É muito duvidoso, entretanto, que se queira efetivamente dizer quando se sustenta que um computador pode ser programado de modo a produzir um tipo ótimo de reação em conseqüência da verificação de eventos ou, especificamente, de tipos de eventos que o programador não tinha sequer previsto.

Afora o campo do reconhecimento das configurações (na qual o computador poderia ser tipicamente usado com finalidades postais, isto é, para ler caligrafias correntes jamais vistas e para distribuir cartas com endereço escrito a mão ou destino certo), parece que as máquinas dotadas de aprendizagem. são aplicadas (ou que sua aplicação seja proposta) a objetivos militares.

O caso típico é aquele do ataque de improviso, com mísseis para testes nucleares, feito por uma superpotência a outra. A superpotência atacada dispõe de um período muito breve de tempo para organizar a represália: a decisão de fazer partir seus próprios mísseis, por outro lado, é tão importante que há necessidade de se estar certo de não incorrer em erro e, pelo menos nos Estados Unidos da América a ordem neste sentido é pedida ao Presidente. Alguém escreveu, há alguns anos, um artigo aparentemente científico intitulado: "Um Programa para Simular o Presidente dos Estados Unidos"; não aconteceu, porém, que Johnson ou Nixon tenham delegado sua própria responsabilidade a uma máquina.

As aplicações do tipo militar constituem, indubitavelmente, uma grande incógnita. Até que se verifique um conflito mundial, de dimensões muito grandes, não se poderá saber exatamente quanto êxito será obtido com o emprego dos computadores eletrônicos. É certo, todavia, que uma das nações que mais fez no emprego dos computadores eletrônicos foram os Estados Unidos (que sem dúvida mantêm a vanguarda mundial neste ponto) e, se os Estados Unidos aplicaram computadores para conduzir seu conflito no Vietnã, pode-se concluir que os êxitos no campo militar não são certamente mais freqüentes ou prováveis do que os no campo civil, comercial, industrial ou científico.

Com as considerações precedentes, não pretendo concluir que os computadores eletrônicos sejam inúteis: tal afirmação seria falsa. Sustento, no entanto, que o emprego dos computadores eletrônicos não pode, por si só, resolver os problemas de gestão, administração, organização e estrutura - cuja confusão está provocando a ingovernabilidade e a instabilidade dos grandes sistemas.

Poder-se-ia arguir, contra as teses precedentes, que os êxitos das missões lunares americanas demonstram a capacidade de uma das nações mais adiantadas do nosso planeta: não apenas a de realizar um vasto sistema de funcionamento sem objeção, mas também de utilizar, no contexto deste sistema, computadores eletrônicos perfeitamente integrados com as outras máquinas e com os homens no objetivo comum de conseguir precisões operacionais quase inimagináveis. A contra-objeção é a seguinte: antes de tudo, as astronaves diretas à Lua partem e voltam uma única vez, razão pela qual - pelo menos na fase crítica e pelo decurso rápido da missão - não se verifica fenômeno algum de aglomeração ou de congestionamento. Em segundo lugar, o governo americano, pelo menos até 1969, despendeu nos programas espaciais mais de cinco milhões de dólares por ano, ou seja, mais do que o que despendeu, conjuntamente, em transportes aéreos, abastecimento de água, transportes terrestres, serviços postais, desenvolvimento regional, controle comercial e pesquisas sobre energia térmica, com finalidades militares: um investimento deste vulto merece indubitavelmente certo sucesso. Em terceiro lugar, os recentes cortes nos recursos da NASA e as sensíveis renúncias e reduções nos programas espaciais americanos parecem indicar que o sistema constituído pelos americanos, pelos homens, pela organização e pelos financiamentos necessários ao prosseguimento das missões espaciais, não possui, entre tantas de alta qualidade, a característica de assegurar a própria sobrevivência e não é, portanto, diferente de todos os outros sistemas em via de degradação, dos quais aqui nos ocupamos.

E chegamos à. quinta afirmação, referida no início deste capítulo e concernente ao perigo do controle total dos indivíduos por parte de uma sociedade completamente dirigida por computadores, numa nação tecnicamente evoluída. Não se pode negar que os controles financeiro e fiscal podem ser muito eficientes se forem confiados a fichários obtidos por meio de computadores eletrônicos.

Neste ponto, deve-se observar que se os controles excessivos sobre as atividades individuais são julgados um mal, então a ineficiência dos sistemas deve ser considerada positiva. Como de costume, o risco mais grave não está estreitamente relacionado à simples existência dos meios mecânicos e automáticos modernos, mas ocorre quando estes meios são utilizados por indivíduos no poder e por organizações de fins meramente nocivos. Não deveria ser necessário recordar que as degradações e destruições dos seres humanos, realizadas com técnicas industriais pelos nazistas, não foram, nem mesmo longinquamente, rivalizadas por algum outro poder estatal. Todavia, na Alemanha nazista, os planejadores eletrônicos ainda não haviam sido inventados.