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Uma vez alguém teve um bocado de trabalho para descobrir se os fumantes tiram menores notas no colégio do que os não fumantes. Descobriu-se que sim. Isso ágradou a muitas pessoas e elas têm feito muito uso disso, desde então. O caminho para boas notas, parecia, estava em deixar de fumar; e para levar a conclusão a um razoável passo à frente: fumar turva a mente.

Esse estudo, em particular, foi, creio eu, bem feito: uma amostra suficientemente grande, honesta e cuidadosamente escolhida, correlação com alta significância etc.

A falácia é antiga. Todavia, tem uma poderosa tendência a surgir em assuntos estatísticos, onde está disfarçada por uma guarnição de números impressionantes. É aquela que diz que "se B segue-se a A, então A foi a causa de B." Uma suposição sem fundamento foi feita: desde que fumo e notas baixas caminham juntos, o fumo causa notas baixas. Não poderia bem ser o contrário? Talvez notas baixas levem o estudante não à bebida mas ao tabaco. Neste ponto, esta conclusão é mais ou menos semelhante à outra, e do mesmo modo bem apoiada pela evidência. Mas não é tão satisfatória aos propagandistas.

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Parece bem mais provável, todavia, que nenhum desses fatos tenha produzido o outro, mas ambos sejam produto de algum terceiro fator. Será que o tipo social que considera seus livros com menos seriedade é também o mais tendente ao fumo? Ou há uma pista no fato de que alguém uma vez já estabeleceu uma correlação entre extroversão e notas baixas - uma relação aparentemente mais próxima do que aquela entre notas e inteligência? Talvez os extrovertidos fumem mais que os introvertidos. O ponto é que, quando há muitas explicações razoáveis, você dificilmente tem o direito de escolher aquela que serve ao seu intuito, e insistir nela. Mas muitos fazem exatamente isso.

Para evitar cair no engano do Post Hoc ("Depois disso", em Latim) e dai acreditar em muitas coisas que não são verdadeiras, você precisa inspecionar minuciosamente qualquer afirmativa de relação entre as coisas. A correlação, aquele número convincentemente preciso, que parece provar que uma coisa ocorre em virtude de outra coisa, pode na verdade ser de vários tipos.

Uma é a correlação devida ao acaso, Você pode juntar um grupo de números e com eles provar alguma coisa inesperada, mas se tentar de novo, seu próximo grupo de números pode absolutamente não provar a tal coisa. Como a pasta de dentes que parecia reduzir a cárie, você simplesmente elimina os resultados que não quer, e publica amplamente aqueles que deseja. Com uma amostra pequena, é provável achar-se alguma correlação substancial entre qualquer par de características ou eventos que você imagine.

Uma espécie comum de correlação é aquela na qual a relação é real, mas nao é possível se estar seguro de qual das variáveis seja a causa e qual o efeito. Em alguns desses casos, causa e efeito podem se alternar de hora em hora, ou ambos podem, sem dúvida, ser causa e efeito ao mesmo tempo. Uma correlação entre a renda e a propriedade de ações deve ser dessa espécie. Quanto mais dinheiro você ganha, mais ações compra, e quanto mais ações compra mais dinheiro ganha; não é correto dizer simplesmente que uma produziu a outra.

Talvez a mais ardilosa delas seja o exemplo, muito comum, no qual nenhuma das variáveis tenha qualquer efeito sobre a outra, e ainda assim haja uma correlação real. Uma grande quantidade de tapeação tem sido feita com esse tipo. As notas baixas entre os fumantes está nessa categoria, como está a maioria das estatísticas médicas citadas, sem a qualificação de que, apesar da relação mostrar-se real, a natureza de causa-e-efeito é somente uma questão de especulação. Como exemplo do absurdo, ou de correlação falsificada, alguém alegremente apontou um fato estatistico real: Há uma relação próxima entre o salário dos pastores presbiterianos em Massachusetts e o preço do rum em Havana.

Qual é a causa e qual o efeito? Em outras palavras, estão os pastores se beneficiando do comércio do rum ou subvencionando-o? Bem, isto é tão forçado que torna-se ridículo à primeira vista.

Mas observe outras aplicações da lógica do Post Hoc, que diferem somente por serem mais sutis. No caso dos pastores e do rum é facil se ver que ambos os números estão crescendo em virtude da influência de um terceiro fator: o histórico aumento mundial no nível de preços de praticamente tudo.

Apanhe os números que mostram que a taxa de suicídios atinge o máximo em junho. Os suicídios produzem noivados em junho ou os casamentos de junho precipitam o suicídio dos desprezados? Uma explicação mais convincente (ainda que igualmente não provada) é que o indivíduo que recalca suas depressões por todo o inverno, com a idéia de que as coisas serão mais róseas na primavera, desiste quando chega junho e ainda se sente deprimido.

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Outro ponto a considerar é a conclusão de que uma correlação foi extrapolada para continuar além dos dados com os quais foi demonstrada. É facil mostrar que quanto mais chove numa área mais cresce o milho ou, até mesmo, maior é a colheita. A chuva, parece, é uma bênção. Mas uma estação de chuva pesada pode prejudicar ou arruinar a colheita. A correlação positiva funciona até certo ponto e então rapidamente torna-se negativa. Acima de certa quantidade, quanto mais chove menos milho você colhe.

Vamos prestar um minuto de atenção à prova do valor do dinheiro na educação. Aceitemos, por enquanto, haver sido provado que os individuos formados ganhem mais dinheiro do que os desistentes; que cada ano na universidade adiciona mais alguma renda futura. Observe a conclusão geral de que quanto mais você for à escola mais dinheiro ganhará. Ora, os diplomados em filosofia muito frequentemente tornam-se professores e assim passam a não pertencer aos grupos de maior renda.

A correlação, claro está, mostra uma tendência que frequentemente não é a relação ideal descrita como de um-para-um. Rapazes altos, em média, pesam mais que os baixos, sendo esta, então, uma correlação positiva. Mas você pode facilmente achar um de 1,80 m que pese menos que alguns de 1,60 m, e assim a correlação é menor que 1. Uma correlação negativa é simplesmente a afirmação de que, quando uma variável cresce, a outra tende a decrescer. Em Física, isso vem a ser uma "razão inversa". Quanto mais você se afasta de uma lâmpada, menos luz incide sobre seu livro; à proporção que a distância aumenta, a intensidade da luz diminui. Essas relações físicas frequentemente têm a bondade de produzir correlações perfeitas, mas os dados númericos em negócios comerciais, em sociologia ou em medicina, raramente funcionam tão afiadamente. Ainda que a instrução geralmente aumente a renda, pode também facilmente tornar-se a ruina de alguém. Guarde na memória que uma correlação pode ser real, baseada em verdadeira causa e efeito, e ainda assim, ser quase sem valor na determinação de uma ação, em qualquer caso simples.

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Foram coletadas resmas de páginas de dados numéricos, para mostrar o valor em dólares de uma educação superior, e pilhas de panfletos foram publicados para trazer a estes dados (e às conclusões mais ou menos baseadas neles) a atenção de estudantes em potencial. Eu não combato a intenção. Sou mesmo a favor do estudo, particularmente se este incluir um curso de estatística elementar. Ora, esses números demonstraram de modo bem conclusivo que as pessoas que cursaram faculdades ganham mais do que as que não o fizeram. As exceções são numerosas, é claro, mas a tendência é forte e nítida.

O único erro está em vir, junto dos números e fatos, uma conclusão totalmente imprópria. Esta é o apogeu da fraude do Post Hoc, e consiste em declarar que esses números provam que, se você (seu filho, sua filha etc.) frequentarem a faculdade, provavelmente ganharão mais dinheiro do que se decidirem passar os próximos quatro anos fazendo outra coisa. Essa conclusão sem autoridade tem em sua base a mesma suposição desautorizada de que as pessoas com curso universitário ganham mais dinheiro porque frequentaram a faculdade. Na verdade não sabemos se essas são pessoas que ganhariam mais, até se não tivessem ido à faculdade. Há algumas coisas entretanto que indicam fortemente que isto é fato. As faculdades recebem um número desproporcional de dois grupos de alunos: os brilhantes e os ricos. O brilhante pode ter bom potencial de enriquecer, sem necessitar do curso superior. Quanto ao rico... bem, dinheiro cria dinheiro de vários modos óbvios. Poucos filhos de rico encontram-se com renda baixa, indo ou não à faculdade.

A passagem seguinte foi tomada de um artigo, em forma de pergunta-e-resposta, da revista This Week, suplemento dominical de enorme circulação. Talvez você ache divertido, como eu achei, que o mesmo escritor tenha feito um artigo denominado "Crenças Populares: Falsas ou Verdadeiras?"

P: Qual o efeito da frequência à faculdade na sua chance de permanecer solteiro?

R: Se for mulher, aumenta enormemente sua probabilidade de tornar-se uma velha solteirona. Mas se você for homem, tem o efeito oposto - diminui sua chance de permanecer solteiro. A Universidade de Cornell fez um estudo com 1.500 formandos típicos de meia idade. Dos homens, 93 por cento eram casados (comparado com 83 por cento da população geral). Mas entre as formandas, de meia idade, somente 65 por cento eram casadas. As solteironas eram três vezes mais numerosas entre as mulheres formadas do que entre as da população em geral.

Quando Susie Brown (dezessete anos de idade) lesse isso, saberia que, se fosse para a faculdade, teria menos chance de conseguir um marido do que se não fosse. Isso é o que afirma o artigo, e há estatísticas, de conceituada fonte, para suplementá-lo. Complementam-no mas não lhe dão base de sustentação; e note também que, enquanto que as estatísticas são da Universidade de Cornell, as conclusões não o são, ainda que um leitor apressado assim o julgue.

Aqui, de novo, uma correlação real foi usada para apoiar uma relação de causa e efeito não comprovada. Talvez tudo funcione de outro modo, e aquelas mulheres permanecessem solteiras mesmo que não houvessem cursado a faculdade. Se essas possibilidades não são melhores que a sustentada pelo escritor, talvez sejam conclusões igualmente validas: isto é, meras suposições.

Há, sem dúvida, uma evidência sugerindo que uma propensão para o celibato leva a pessoa a cursar faculdades. O dr. Kinsey parece haver encontrado alguma correlação entre sexualidade e educação, talvez com características fixadas na idade pré-universitária. Isso torna mais duvidoso ainda dizer que ir à faculdade atrapalha o caminho do casamento.

Susie Brown: acredite-me, isto não é necessariamente verdade.

Um artigo médico apontou certa vez, com grande alarme, um aumento de câncer entre os consumidores de leite. O câncer, parece, apresentava crescimento frequente na Nova Inglaterra, Minnesota, Wisconsin e Suíça, onde grande quantidade de leite é produzido e consumido, enquanto permanecia raro no Ceilâo, onde o leite é escasso. Para maior evidência, foi apontado ser o câncer menos frequente em alguns estados do sul, onde menos leite era consumido. Foi também apontado que as inglesas que bebiam leite sofriam de certos tipos de câncer dezoito vezes mais frequentemente do que as japonesas que raramente bebem leite. Cavando um pouco, podemos desenterrar um certo número de caminhos para descobrir de onde vêm esses números, mas um fator por si só é suficiente para desmascará-los. Câncer é uma doença que atinge predominantemente da meia idade em diante. A Suíça e os estados mencionados são semelhantes em suas populações, contendo grupos de relativa idade avançada. As inglesas, na época da pesquisa, tinham em média doze anos de idade mais do que as japonesas.

A professora Helen M. Walker imaginou uma divertida ilustração da bobagem de se considerar que deve haver causa e efeito, sempre que duas coisas variam juntas. Ao investigar a relação entre a idade e algumas características das mulheres, comece por medir o ângulo dos pés ao andar. Você verificará que o ângulo tende a ser maior entre as mais velhas. Primeiramente poder-se-ia considerar que isto indica que as mulheres envelhecem porque pisam para fora e pode-se imediatamente notar quanto isso é ridículo. Assim parece que, ao contrário, a idade aumenta o ângulo entre os pés, e a maioria das mulheres deve pisar mais para fora à proporção que envelhece.

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Qualquer conclusão desse tipo é provavelmente falsa e sem base. Você somente poderia chegar legitimamente a isso estudando a mesma mulher -- ou possivelmente grupos equivalentes -- por um período de tempo. Isso eliminaria o fator responsável, qual seja, as mulheres mais idosas cresceram numa época onde era moda pisar para fora, enquanto as do grupo mais jovem aprenderam a postura numa época onde isto foi abandonado...

Ao achar alguém -- normalmente a parte interessada -- defendendo muito uma correlação, veja primeiro se não é daquele tipo produzida pela corrente de acontecimentos no curso do tempo. Em nossa época é fácil mostrar uma correlação positiva entre qualquer par de coisas tais como: número de estudantes na universidade, números de internados em casas de saúde, consumo de cigarros, incidência de doenças do coração, uso de máquinas de raios-X, fabricação de dentaduras postiças, salário dos professores da Califórnia, lucro dos cassinos. Chamar algum desses de causa do outro é idiotice declarada. Mas isto é feito todo o dia.

Permitir que o tratamento estatístico, e a presença hipnótica de números e vírgulas decimais, indiquem relacionamentos causais, é pior que superstição. E é frequentemente mais enganador. Assemelha-se à convicção do povo das Novas Hébridas, para os quais os piolhos proporcionam boa saúde. A observação, através dos séculos, ensinou-lhes que as pessoas saudáveis normalmente tinham piolhos e os doentes raramente os tinham. A observação em si foi acurada e honesta, como surpreendentemente são as observações feitas informalmente através dos anos. Pouco pode ser dito sobre a conclusão daquele povo primitivo: "Piolhos faz o homem saudável. Todos devem tê-los."

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Como já notamos, evidência mais deficiente que essa -- temperada na forja da estatística até que o bom senso não pudesse mais penetrar -- tem produzido muita fortuna médica e muito artigo médico nas revistas, inclusive profissionais. Observadores mais sofisticados esclareceram as coisas nas Novas Hébridas. Como foi notado, quase todos lá tinham piolhos a maior parte do tempo. Era, você poderia argumentar, a condição normal do homem. Quando, todavia, alguém apanhava uma febre (bem possivelmente trazida por esse mesmo piolho) e seu corpo esquentava demais para ser uma habitação confortável, o piolho ia embora. Aí você tem causa e efeito lado a lado, confusamente distorcidos, invertidos e entrelaçados.