CAPÍTULO 7
O NÚMERO PRÉ-INIDICADO |
Se você não puder provar o que deseja, demonstre outra coisa e finja que são iguais. Na confusão que resulta do choque da estatística com a mente humana, dificilmente alguém notará a diferença. O número pré-indicado é uma arma garantida para manter você em boa situação. Funciona sempre.
Você não pode provar que seu remédio cura resfriados mas pode publicar (em letras grandes) um atestado de um laboratório, "sob a autoridade" de algum médico, de que meia onça do preparado matou 31.108 germes num tubo de ensaio, em onze segundos. Nessa ocasião, assegure-se de que o laboratório tenha boa reputação ou nome famoso. Reproduza o relatório completo. Fotografe um médico em roupas brancas e coloque o retrato ao lado do relatório.
Mas não mencione os truques da sua história. Não cabe a você - claro - mostrar que um antisséptico que atua bem num tubo de ensaio pode não atuar na garganta humana, principalmente depois de diluído, de acordo com as instruções, para evitar queimar os tecidos da goela. Não confunda o resultado dizendo qual o tipo germe que foi morto. Quem conhece o germe causador do resfriado? E, até, provavelmente, não seja nenhum germe.
Na verdade, não há ligação conhecida entre a multidão de germes de um tubo de ensaio e o seja-lá-o-que-for que causa resfriados, mas as pessoas não vão discutir isso com precisão, principalmente enquanto estão fungando.
Talvez isso seja bastante óbvio, e o povo começa a notar, embora os anúncios não dêem a perceber. De qualquer modo aqui está uma versão mais ardilosa:
Digamos que durante um período de aumento do preconceito racial você seja contratado para provar o contrário. Não é uma tarefa árdua. Faça uma enquete ou, melhor ainda, mande uma organização de bom conceito fazê-la. Pergunte àquela parcela usual da população se eles acham que os negros têm chance tão boa quanto os brancos de conseguir emprego. Repita seu levantamento em intervalos, de modo a ter uma tendência geral para relatar.
O Escritório de Pesquisas de Opinião Pública de Princeton, certa vez, testou essa pergunta. O que veio à tona foi uma interessante evidência de que as coisas, especialmente nas pesquisas de opinião, não são sempre o que aparentam. A cada pessoa perguntada sobre empregos, foram também feitas perguntas com o fim de descobrir se tinha forte preconceito contra os negros. Revelou-se que as pessoas que tinham forte preconceito racial eram mais inclinadas a responder "Sim" para a pergunta sobre oportunidades de emprego. (Ocorreu que dois terços dos que eram simpáticos aos negros não achavam que os negros tinham tão boa chance quanto os brancos num emprego, e cerca de dois terços dos que demonstravam preconceito diziam que os negros estavam conseguindo tão boa chance quanto os brancos), Era bem evidente que dessa votação você aprenderia muito pouco sobre as condições de emprego para os negros, ainda que pudesse aprender algumas coisas interessantes sobre as atitudes raciais do homem.
Você pode ver, então, que, se o preconceito avoluma-se durante o periodo de sua pesquisa, haverá um número crescente de respostas para o fato de os negros terem chances de emprego tão boas quanto os brancos. Assim você anuncia os resultados: Sua pesquisa mostra que os negros estão recebendo cada vez mais um tratamento mais justo.
Você acabou de atingir algo notável com o uso cuidadoso do número pré-determinado. Quanto mais as coisas pioram, melhor aparecem na sua pesquisa.
Veja esta: "27 por cento de uma grande amostra de médicos eminentes fumam mais Gargantolas do que qualquer outra marca". Naturalmente, o próprio número pode ser falho de vários modos, mas isso na verdade não faz diferença nenhuma. A única resposta para um número tão irrelevante é "E daí?" Com todo respeito devido à classe médica, conhecem os médicos mais sobre as marcas de tabaco do que você? Têm eles alguma informação que os permita escolher o menos nocivo dentre os cigarros? Claro que não, e seu médico seria o primeiro a dizê-lo. Ainda assim, esses "27 por cento" soam de algum modo como se significassem algo.
Agora, volte atrás um por cento e considere o caso do espremedor de frutas. Foi amplamente propagado um aparelho que "extrai 26 por cento mais suco", assim "comprovado por teste de laboratório" e "garantido pelo Good Housekeeping Institute".
Isso soa muito bem. Se você puder comprar um espremedor que seja vinte e seis por cento mais eficiente, por que comprar qualquer outro? Bem, sem entrar no fato de que "testes de laboratório" (especialmente os "laboratórios particulares de teste") têm provado os maiores absurdos, exatamente qual o significado daquele número? Vinte e seis por cento mais do quê? Quando fosse finalmente examinado, o significado seria que tal espremedor conseguiria mais suco do que um arcaico espremedor manual teria conseguido. Não tinha absolutamente nada a ver com o dado que você desejaria ter antes de fazer a compra; esse espremedor poderia ser o pior do mercado. Além de ter uma precisão suspeita, o número "vinte e seis" por cento é totalmente irrelevante.
Anunciantes não são os únicos que irão enganá-lo com números, se você deixar: Um artigo sobre segurança no volante, publicado na revista "This Week", indubitavelmente com a melhor das intenções, dizia o que poderia ocorrer se você, "dirigindo violentamente pela estrada, a 120 Km por hora, capotasse". Voce teria, dizia o artigo, quatro vezes mais chances de sobreviver se fosse sete horas da manhã, do que se fosse sete horas da noite. A evidência: "Casos fatais nas estradas ocorrem quatro vezes mais às sete da noite do que às sete da manhã". Ora, isso é aproximadamente verdadeiro, mas a conclusão não procede. À noite mais pessoas morrem do que pela manhã, simplesmente porque há mais pessoas na estrada. Você, um motorista isolado, pode correr mais perigo à noite, mas não há nada nos números, para provar isso ou o contrário.
Pelo mesmo tipo de absurda falta de senso que o articulista usou, você pode mostrar
que um tempo elaro é mais perigoso que um tempo de cerração. Ocorrem mais acidentes num
tempo claro porque há mais dias claros do que nevoentos. Entretanto, na cerração, é
muito mais perigoso guiar um carro.
Você pode utilizar as estatísticas de acidente para apavorar-se com qualquer tipo de
transporte... se você deixar de observar o valor relativo que os números têm.
Os aviões mataram mais gente no ano passado do que em 1910. Todavia, os aviões modernos são mais perigosos? Disparate. Há hoje em dia milhares de vezes mais pessoas voando.
Foi anunciado que o número de mortes em acidentes ferroviários num ano recente foi
4.712. Esse parece um bom argumento para afastá-lo do trem; talvez usar mais o seu carro.
Mas quando você investiga o
significado do número, vê significado diferente: Quase a metade daquelas vitimas eram
pessoas cujos carros haviam colidido com trens nos cruzamentos. A maior parte dos
restantes eram pingentes. Somente
132 dos 4.712 eram passageiros regulares dos trens. E mesmo esse número vale pouco para a
comparação, a menos que venha acompanhado do total de passageiros por km. Se estiver
preocupado com a probabilidade de ser morto numa longa viagem, não conseguirá
informação muito valiosa, perguntando o quê matou mais no ano passado, se foram os
trens, ou aviões ou carros. Atinja seu propósito procurando saber o número de casos
fatais para cada milhão de passageiros por km. Isso aproximar-se-á do risco que se
corre.
Há muitas outras formas de coletar dados sobre alguma coisa, e depois relatá-los como se fosse outra. O método geral é apanhar duas coisas que se parecem, mas não são iguais.
Como gerente do departamento de pessoal de uma companhia que está em briga com o sindicato, você "faz uma pesquisa" para ver quantos têm queixas contra o sindicato. A menos que o sindicato fosse composto de anjos chefiados por um arcanjo, você pode perguntar e anotar com perfeita honestidade e conseguir uma prova de que a maioria dos homens tem queixas. Você apresenta seu relatório de que "uma vasta maioria - 78 por cento - é contra o sindicato". O que você fez foi juntar um bando de queixas não diferenciadas, e pequenas reclamações, e depois chamá-los de outra coisa que parece a mesma.
Você não provou nada, mas bem parece que sim, não é mesmo? É honesto, ainda que só de certo modo. O sindicato poderia também vir a "provar" que praticamente todos os trabalhadores queixavam-se de sua empresa. Se você deseja continuar procurando números pré-determinados, deve tentar os balanços de sociedades anônimas. Procure os lucros que poderiam parecer muito grandes, e são escondidos com outro nome. A revista Ammunition (Munição) do Sindicato dos Trabalhadores na Indústriá de Automóveis descreve o mecanismo desse modo:
O artigo diz que no ano passado a Companhia obteve 35 milhões de lucro. Exatamente um e meio por cento das vendas. Você sente até pena da Companhia. Se uma lâmpada se queima no banheiro, a Companhia gasta 30 centavos para substitui-la. É igual ao lucro correspondente a 20 dolares de faturamento. Isso faz até o empregado poupar papel higiênico, de pena. Mas a verdade é que a Companhia declara como lucro somente metade ou um terço do lucro. A parte que não é declarada está escondida nas depreciações e reservas.
Brincadeira igual consegue-se com as percentagens. Num período recente, a General Motors foi capaz de declarar um lucro modesto (deduzindo impostos) de 12,6 por cento das vendas. Mas, para o mesmo período, os lucros nos seus investimentos atingiram 44,8 por cento, o que parece bom negócio, ou mau, dependendo do tipo de discussão que você pretende vencer.
Similarmente, a coluna dos leitores da revista Harper's veio em defesa das lojas A&P, apontando o baixo lucro liquido de somente 1,1 por cento das vendas. Perguntava-se: "Algum cidadão condenaria como 'tubarão' quem ganhasse pouco mais de 10 dólares em cada 1.000 dólares investidos por ano?"
À primeira vista, esse 1,1 por cento parece quase calamitosamente pequeno. Compare com os 4 a 6 por cento de juro que é o usual nos Bancos. Não seria melhor se a organização A&P fechasse suas lojas e colocasse todo seu capital no Banco e vivesse dos juros?
A verdade é que o valor do retomo anual do investimento não é igual ao valor expresso pelo ganho no total sobre as vendas. Como outro leitor respondeu: "Se eu comprar cada manhã um artigo por 99 centavos e vendê-lo à noite por 1 dolar, estarei ganhando 1 por cento do total das vendas, mas 365 por cento do dinheiro investido no ano".
Há frequentemente muitas formas de expressar qualquer número. Você pode, por exemplo, exprimir o mesmo fato, chamando-o de retorno de 1 por cento das vendas, 15 por cento de retorno do investimento, lucro de 10 milhões, aumento de 40 por cento nos lucros (comparado com a média de 1935-39), ou decréscimo de 6 por cento do ano passado. O método é escolher aquele que soa melhor para o objetivo desejado, e confiar em que poucos dos leitores vão reconhecer a imperfeição com que o núumero reflete a situação.
Nem todos os números predeterminados são fruto de fraude intencional. Muitas estatísticas, inclusive as médicas, que são importantes para todos, são distorcídas por incoerências na origem. Há dados impressionantemente contraditórios em assuntos delicados como abortos, filhos naturais e sífilis. Se você olhasse os mais recentes dados sobre gripes e pneumonia, chegaria à estranha conclusão que estas doenças estão praticamente confinadas aos três estados sulinos, que têm cerca de oitenta por cento dos casos constatados. Na verdade o que explica essa percentagem é que esses três estados continuavam a exigir dos médicos que informassem tais casos, quando os demais estados praticamente haviam abandonado tal exigência.
Alguns dados sobre a malária pouco significam. Na América do Sul, em locais onde antes de 1940 havia centenas de milhares de casos por ano, há agora somente uns poucos. Aparentemente houve uma importante mudança na salubridade desses locais, em poucos anos. Mas tudo o que ocorreu foi que os casos somente são registrados quando são comprovadamente de malária, enquanto que antes a palavra era muito usada coloquialmente para designar qualquer gripe ou febre.
A taxa de mortalidade na Marinha, durante a guerra Hispano-Americana, foi de nove por mil. Para os civis na cidade de Nova York, no mesmo período, foi de dezesseis para mil. O recrutamento naval usou esses números, mais tarde, para mostrar que era mais seguro estar na Marinha do que fora dela. Admita que tais números estejam corretos, o que provavelmente é verdade. Pare por um momento e veja se descobre o que os torna sem o sentido que os recrutadores quiseram dar. Os grupos não são comparáveis. A Marinha é composta principalmente de jovens com comprovada condição de saúde. A população civil inclui criancinhas, velhos, doentes, todos aqueles que têm alta taxa de mortalidade, qualquer que seja o lugar onde estiverem. Esses números não provam absolutamente que os homens, nos padrões da Marinha, viverão mais tempo dentro do que fora dela. E também não provam o contrário.
Você deve ter ouvido a notícia desencorajadora de que 1952 foi o pior ano de poliomielite na história da medicina. Essa conclusão foi baseada no que poderia parecer a evidência total desejada; houve muito mais casos notificados naquele ano do que antes. Mas, quando os peritos revolveram analisar aqueles números, acharam coisas mais encorajadoras. Uma foi que havia em 1952 tantas crianças na idade mais suscetível, que o número de casos tenderia a atingir um recorde, ainda que a proporção de casos permanecesse no mesmo nivel. Outro era que uma conscientização geral sobre a pólio estava levando a um diagnóstico mais frequente a constatação também dos casos benígnos. Finalmente, havia um incentivo financeiro maior, havendo mais seguros contra pólio e mais ajuda disponivel da Fundação Nacional contra Paralisia Infantil. Tudo isso lançou uma dúvida considerável sobre a noção de que a pólio havia atingido um novo recorde. e o baixo número total de mortes confirmou a dúvida.
É uma fato interessante que a percentagem de mortes ou o número de mortes é frequentemente uma medida melhor da incidência de uma doença do que os dados numéricos diretos da incidência - simplesmente porque é muito melhor a qualidade da informação e registro nos casos fatais.
Na América, o número predeterminado atinge um grande florescimento cada quatriênio. Isso não significa que haja uma natureza cíclica nos tais números, mas apenas a chegada das campanhas eleitorais. Uma campanha levada a efeito pelo Partido Republicano em outubro de 1948 foi inteiramente feita com números que pareciam ter ligação, mas não tinham:
Quando Dewey foi eleito Governador em 1942, o salário mínimo dos professores em alguns distritos era de $900 por ano. Hoje os professores no Estado de Nova York recebem os maiores salários do mundo. De uma recomendação do Governador Dewey, baseada nas conclusões de uma Comissão, o Legislativo aprovou em 1947 a verba de $32.000.000 de um superavit do estado, para prover o imediato aumento dos salários dos professores. Como resultado, o salário mínimo dos professores na Cidade de Nova York, oscila de $2.500 a $5.325.
É plenamente possível que o Sr. Dewey tenha provado a si mesmo ser o amigo do professor, mas esses números não o mostram. É o velho truque do "antes-e-depois", com um número de fatores não mencionados e aparentando o que não existe. Aqui você tem um "antes" de "$900" e um "depois" de "$2.500 a $5.325". que soam sem duvida como uma melhoria. Mas o número menor é o salario mais baixo em qualquer distrito rural do estado, e o grande é a média só na Cidade de Nova York. Pode ter havido melhoria sob o governo Dewey, ou pode não ter.
Essa declaração ilustra uma forma estatística da fotografia do "antes e depois", que é um chama-atenção comum nas revistas e anúncios. Uma sala de estar é fotografada duas vezes para mostrar a melhoria que uma pintura pode proporcionar". Mas entre as duas exposições nova mobilia é introduzida e algumas vezes a foto "antes" é pequena, mal iluminada e em preto e branco, e a versão "depois" é uma grande fotografia colorida. Ou um par de fotografias mostram-lhe o ocorrido quando uma garota começou a usar um xampu. Por Deus, ela parece melhor depois! Mas a maioria da mudança (nota-se numa cuidadosa inspeção) foi conseguida persuadindo-se a garota a sorrir e jogando-se uma luz de fundo em seus cabelos. Muíto mais se deve ao fotógrafo do que ao xampu.