CAPÍTULO 6 A FIGURINHA DE UMA SÓ DIMENSÃO |
Havia uns dez anos ou mais, ouvia-se falar muito do povo miúdo, do povão, o que significava praticamente nós todos. Quando isto começou a parecer demasiado paternalistico, tornamo-nos o "homem comum", o "homem das ruas". Logo isto também foi sendo esquecido, o que provavelmente foi bom. Mas o povo miúdo, o homenzinho, continua aqui entre nós. É o herói do grafico.
Um gráfico em que um homenzinho representa um milhão de homens, um saco de dinheiro ou uma pilha de moedas representa um milhão (ou um bilhão) de dólares, a silhueta de um boi representa o suprimento de carne para o ano vindouro. São gráficos pictóricos. São um recurso útil. Têm o que, receio eu, chama-se apelo visual. E é capaz de tornar-se um mentiroso fluente, escorregadio e bem-sucedido.
O papai do gráfico pictórico, ou pictograma, é o gráfico de barras, um método simples e popular de representarem-se quantidades, quando duas ou mais vão ser comparadas. Um gráfico de barras também é capaz de mentir. Desconfie de qualquer versão em que as barras mudam tanto de altura como de largura, quando representam o mesmo fator, ou quando aparecem objetos de três dimensões cujos volumes não sejam facilmente comparáveis. Um grafico de barras truncado tem (e merece ter) a mesmíssima reputação do gráfico de linhas truncado, de que já falamos. O habital do gráfico de barras é o do livro de geografia, do relatório da empresa e da revista noticiosa. Isto também é verdade para seu filhote, o gráfico do apelo visual.
Mostremos a comparação de dois números - o salário semanal médio dos carpinteiros,
nos Estados Unidos e na Rotúndia. As quantias poderão ser $ 60 e $ 30. Pretendo chamar
sua atenção, por isso não me satisfaz publicar apenas os números: faço um gráfico de
barras. Aliás, se esse número $ 60 for muito diferente do que você teve que pagar ao
carpinteiro que lhe consertou a varanda, lembre-se que seu carpinteiro pode não ter tido
trabalho todas as semanas do ano, ou não ter encontrado quem aceitasse contas tão
salgadas. De qualquer modo, não especifiquei a espécie de média que estou considerando,
ou como cheguei a este resultado, por isso não adianta discutir. Está vendo como é
fácil alguém esconder-se atrás da estatistica mais espúria, se forem omitidas
informações adicionais? É provável que você tenha adivinhado que eu inventei estes $
60, só para usar um exemplo, mas não iria duvidar, nem por um instante, se eu tivesse
usado o respeitável número $ 59,8333.
Voltando ao caso: aqui acima está o grafico indicando à esquerda os dólares por semana.
É um quadro claro e honesto. Duas vezes mais dinheiro e duas vezes mais no gráfico, e é
o que parece.
Entretanto, ao quadro falta apelo visual, não? Poderei facilmente corrigir isto usando uma coisa que parece mais com dinheiro do que uma barra: sacos de moedas. Um saco para o desgraçado rotundiano e dois para o feliz americano. Ou três para o rotundiano e seis para o americano. De qualquer modo, o gráfico permanece honesto e claro, e não enganará você, mesmo num relance apressado. É assim que um gráfico pictórico honrado é feito.
Isto me satisfaria, caso tudo o que eu desejasse transmitir fosse informação. Mas eu quero mais! Eu quero dizer que o trabalhador americano está muito melhor que o rotundiano, e quanto mais puder dramatizar a diferença entre trinta e sessenta, melhor.
Para dizer a verdade (o que, claro está, é o que pretendo 'não' fazer) quero que você conclua por si mesmo qualquer coisa, que tenha uma impressão exagerada, mas não quero ser pego com a boca na botija das minhas malandragens. Há um meio, e é um meio que está sendo empregado diariamente para enganar os incautos.
Simplesmente desenho um saco de dinheiro para representar os trinta dólares do rotundiano, e depois desenho outro, com o dobro da altura, para representar os sessenta do americano. Está proporcional, não? Agora eu tenho a impressão que procurava! O salário do americano torna-se gigantesco ao lado do outro.
É óbvio que como o segundo saco tem o dobro da altura, terá também o dobro da largura; portanto não ocupa o dobro, mas sim o 'quádruplo' da área. Os numeros ainda dizem um para dois, mas a impressão visual, que é a dominante, diz que a razão é de um para quatro, Ou pior! Como são representações de objetos de três dimensões, o segundo saco ainda parece ter o dobro da grossura do primeiro. Como dirá o seu livro de geometria, os volumes de sólidos semelhantes variam na proporçao do cubo de qualquer dimensão similar. Duas vezes duas vezes dois são oito! Se o saquinho contém $30, o outro dá a impressão de conter, não $80, mas $240. Olhe outra vez para eles.
E esta é, na verdade, a impressão que meu engenhoso gráfico dá. Ainda que dissesse "o dobro", deixei a impressão perdurante de uma razão de oito-para-um.
Será dificil que você possa acusar-me de qualquer intenção criminosa. Estou fazendo apenas o que muita gente boa faz. O Newsweek faz isso, e também com saquinhos de moedas.
0 American Iron and Steel Institute já o fez com um par de altos fornos. A idéia era mostrar como a capacidade siderurgica da indústria progrediu de 1930 a 1940, para provar que tal indústria era capaz, e que não necessitava de interferências governamentais. Há mais mérito no principio do que na maneira de apresentá-lo. O alto forno, representando a capacidade de dez milhões de toneladas, adicionada à industria na década dos 30, foi desenhado pouco além de dois terços da altura do alto forno de 14 1/4 milhões, representativo do incremento na década de 40. O olho vê dois fornos, um quase três vezes maior que o outro. Dizer "quase um-e-meio" e ser entendido como "três"... eis a façanha que o quadrinbo-de-uma-só-dimensão é capaz.
Esta obra de arte do pessoal siderúrgico tem outros pontos interessantes. O segundo forno, de certo modo, engordou horizontalmente fora de proporção com seu vizinho, e uma barra negra, sugestiva de ferro derretido, ou coisa que o valha, tornou-se duas-e-meia vezes mais comprida do que na década antecedente. Aqui dá-se um aumento de 50 por cento, que passa a ser desenhado como 150 por cento, para dar uma impressão visual de mais de mil e quinhentos por cento. A aritmética torna-se fantasia mágica!
Seria pouco caridoso mencionar que a mesma página de papel cuchê em quatro cores oferece um espécime, de bom a ótimo, de gráfico de linha truncado. Uma curva exagera o crescimento per-capita da capacidade siderúrgica, pelo corte da metade inferior de seu gráfico. Isto, como vimos, é poupança de papel, e dobra também a taxa do progresso.
Muitos desses casos podem não passar de desenhos malfeitos. Mas a coisa é como receber troco errado: Quando todos os erros são a favor do caixa, não se pode deixar de ficar pensando...
A Newsweek uma vez mostrou como "os velhos americanos ficam mais velhos", por meio de um gráfico em que apareciam dois homens, um representando a possibilidade atual de se atingir os 68,2 anos e a outra, a possibilidade de se atingir os 34 anos, na epoca de 1879-1889. Era a mesma velha história: uma figura tinha o dobro da altura da outra, e assim apresentava oito vezes o volume ou o peso. O quadro sensacionalizava o fato, para tornar uma história ainda mais interessante. Chamaria isto de "mau jornalismo". No mesmo número da revista havia um gráfico de linhas truncado.
Existe ainda outra espécie de perigo quando se faz variar o tamanho de objetos num gráfico. Parece que em 1860 havia qualquer coisa na ordem de oito milhões de vacas leiteiras nos Estados Unidos, e que em 1936 havia mais de vinte e cinco milhões. Mostrando tal incremento pelo desenho de duas vacas, uma três vezes a altura da outra, a impressão dada era exagerada, como vimos expondo. Mas o efeito sobre a pessoa que rapidamente estivesse folheando a revista seria ainda mais estranho: poderia ela vir até mesmo a pensar que as vacas agora são maiores do que costumavam ser!
Aplique-se a mesma técnica enganosa ao que ocorreu com a população dos rinocerontes, e eis o que descobrimos. Ogden Nash uma vez rimou rinocerurdo com absurdo.