APÊNDICE 12
Parece improvável que a influência da política bancária
sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma para
determinar um volume de investimentos ótimo.
Eu entendo, portanto, que uma socialização algo ampla
dos investimentos seja o único meio de assegurar
uma situação aproximada de pleno emprego (...).
Ademais, as medidas necessárias de socialização podem
ser introduzidas gradualmente, sem afetar as tradições
generalizadas da sociedade.
J. M. Keynes ("Teoria Geral", Cap. 24)
A pauta de exportações do Brasil é típica de país em desenvolvimento, com um certo equilíbrio entre produtos industrializados e primários, como se observa mais adiante no quadro do comércio exterior do Brasil em 1983.
O café, que chegou a representar 70% das exportações, se reduz, hoje, a 9% não obstante se constitua, junto com a soja e o minério de ferro, os principais produtos primários vendidos pelo Brasil.
Quanto às importações, é notória a dependência do petróleo (56%), cujo preço do barril (159 litros) passou de US$ 1,50 em 1970 para US$ 37 em 1980 (em 1983 baixou para US$ 28,5), ou seja, ficou 25 vezes mais caro, provocando um enorme golpe em todos os países dele dependentes. O trigo, que pode aqui ser cultivado, também absorve 6% das importações. Vemos, assim, a importância dos incentivos à produção de álcool combustível e de trigo, como forma de desafogar nossa Balança Comercial.
O superávit de US$ 6,5 bilhões deveu-se à contração das importações, e não à expansão das vendas (como quis dar a entender o Governo), tendo aquela caído de US$ 23 bilhões em 1980 para US$ 15 bilhões em 1984, enquanto que as exportações têm se mantido em torno de US$ 22 bilhões por ano.
A dependência dos EUA é grande, tanto para importar como para exportar, bem como da Arábia Saudita e do Iraque, no caso do Petróleo.
Com relação ao Balanço de Pagamentos, isto é, ao movimento (oficial) de dólares com o exterior, observamos, na tabela do balanço de pagamentos do Brasil em 1983, que os empréstimos levantados junto ao FMI mal têm conseguido pagar os juros da dívida externa, que chegou a cerca de US$ 100 bilhões em 1984 ou US$ 25.000 por contribuinte do Imposto de Renda, a maior do mundo. 51 O Balanço é cronicamente deficitário, ou seja, as receitas não têm sido suficientes para cobrir as despesas, donde a ênfase do Governo e do FMI nas exportações, única fonte de dólares sobre os quais não incidem juros.
Chama também a atenção o fato de que praticamente a metade de nossas despesas financeiras se refere à remessa de lucros para fora do país, cujo valor real, aliás, é bem superior a esse, já que não estão contabilizadas as remessas clandestinas feitas através do mercado paralelo de dólares (173) (178) (179), nem tampouco os envios conseguidos com a importação de mercadorias a um preço superior à sua cotação no mercado internacional (sobrefaturamento), ou com a exportação abaixo do preço recebido (subfaturamento). Aliás, só os depósitos ilegais, que brasileiros mantêm nos Bancos suíços, excediam a US$ 14 bilhões em 1979, segundo a CIA americana (180)(181).
Por outro lado, a situação de insolvência para a qual caminhamos -- aliás, onde já chegamos -- é mais séria do que pode parecer à primeira vista. Com efeito, se calcularmos a parcela dos dólares obtidos com as exportações, que são reenviados ao exterior para o pagamento dos juros e amortizações da dívida externa, notaremos uma percentagem que vem crescendo sem parar, já tendo atingido 97% em 1982 (vide quadro da parcela das exportações que voltam ao exterior). Ou seja, neste ano, praticamente todos os dólares recebidos com as exportações foram usados para atenuar o crescimento da dívida.
Como chegamos a essa situação?
Por que acabamos por ficar sob um fogo cruzado, com os Bancos internacionais e os árabes disputando a repartição de nossas receitas em dólares?
As linhas abaixo procuram traçar um breve retrospecto dessa situação. 52
1970-1980:
O Brasil vai se endividando, sob pressão dos Bancos internacionais, que possuíam excesso de dólares (petrodólares, eurodólares etc.) a juros reais (isto é, descontada a inflação) praticamente zero. Cerca de 80% dessa dívida é contraída a taxas de juros variáveis e em aberto, livremente determinadas pelos próprios Bancos credores. Assim, o Brasil nunca fica sabendo quanto deverá pagar de juros com antecedência.
Os EUA, que produzem 80% do petróleo que consomem, pagam por ele US$ 3,50 o barril, enquanto que o Japão o importa a US$ 2,00. Assim, pagando 75% mais caro por uma matéria-prima essencial, seus produtos perdem competitividade no mercado internacional. Conseguem, então, que a OPEP aumente o preço de US$ 2,00 para US$ 3,50 o barril. Devido às guerras com Israel (1973), à revolução iraniana (1979) e à guerra entre Iran e Iraque, que demandam um aumento de rendas para sustentá-las, os árabes elevam o preço, até chegar a US$ 33 o barril, quase 17 vezes o preço do início da década. Os maiores aumentos se dão em 1973 e em 1979, por isso chamados de "Choques do Petróleo". Esses acréscimos provocam uma enorme transferência de renda, enriquecendo os "sheiks do petróleo" e empobrecendo os países dependentes do óleo. Para defender seus preços (e suas rendas), criam um poderoso cartel: a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
1975-1984:
Os países ricos, para também proteger as suas rendas, reduzem o consumo de petróleo, forçam a baixa dos preços dos produtos que importam 53 e aumentam os preços de seus produtos exportados e das taxas de juros (que pulam de 6% a/a em 1970 para 21,5% em 1980). Provocam, com isso, uma retração no mundo inteiro, e inicia-se uma crise comparável à dos anos 30. Os países pobres, que dependem do petróleo, como o Brasil, ficam sem condições de remeter dólares para o exterior (pagamento da dívida, remessa de lucros etc.) e, ao mesmo tempo, pagar aos árabes. Isto cria sérios problemas para os banqueiros internacionais -- nossos credores -- pois as cotações de suas ações na Bolsa caem, os acionistas se agitam, o emprego de seus Diretores periclita e o risco de falência cresce. Estes, então, pressionam os devedores no sentido de não se atrasarem no pagamento dos juros, pelo menos. Claro que moratórias ("calores temporários") nem pensar, pois os "marines" podem ser convocados. 54 Solução tentada: Exportar mais e importar menos, para sair do duplo aperto dos árabes e dos banqueiros.
Mas é uma saída difícil, pois todos os países também estão fazendo o mesmo. Como, mesmo assim, os dólares ainda escasseiam, o Brasil é obrigado a percorrer os credores -- de chapéu na mão -- à busca de mais empréstimos ("dinheiro novo") para pagar os juros dos empréstimos anteriores ("rolar a dívida"). Para conseguir esse intento, o país deve se dobrar às exigências do FMI, que atua como avalista do Brasil, impondo-nos, em contrapartida, a perda de nossa precária soberania (ou independência), pois passa a ditar normas de conduta. São os remédios monetaristas: recessão, desemprego, sucateamento de nossa indústria e submissão aos interesses estrangeiros.
As soluções que têm sido apontadas para o problema da dívida são as seguintes:
Alternativas boas para o Brasil:
Alternativas boas para os credores:
BALANÇOS
DE PAGAMENTOS DO BRASIL EM 1983 (US$ milhões) (Movimento de dólares com o exterior) |
||
Receitas | ||
Superávit da Balança Comercial (V. quadro "Com. Exterior") |
6.472 | 37% |
Doações (imigrantes, turistas etc.) | 106 | 1% |
Empréstimos internacionais (FMI etc.) | 8.109 | 47% |
Capital estrangeiro (investimentos) | 2.527 | 15% |
Sub-total | 17.214 | 100% |
Déficit do Balanço de Pagamentos | 5. 737 | |
TOTAL US$ milhões | 22.951 | |
Despesas | ||
Amortização da dívida externa | 8.983 | 39% |
Remessa de lucros (juros, dividendos etc.) | 10.262 | 45% |
Seguros, fretes e turismo | 3.183 | 14% |
Erros e omissões contábeis | 523 | 2% |
TOTAL US$ milhões | 22.951 | 100% |
Fonte: Conjuntura Econômica da FGV.
O
CAMINHO DA INSOLVÊNCIA BRASILEIRA Parcela das exportações que voltam ao exterior (Valores em US$ bilhões) |
||||
Ano | Valores Pagos | Val. Recebidos | Parcela que volta | |
Juros (1) |
Amortizações (2) |
Exportações (3) |
[ (1) + (2) ] / (3) % |
|
73 | 0,8 | 1,7 | 6,2 | 40 |
74 | 1,4 | 1,9 | 8,0 | 41 |
75 | 1,8 | 2,1 | 8,7 | 45 |
76 | 2,0 | 2,9 | 10,1 | 49 |
77 | 2,5 | 4,1 | 12,1 | 55 |
78 | 3,3 | 5,2 | 12,7 | 67 |
79 | 5,4 | 6,4 | 15,2 | 78 |
80 | 7,5 | 5,0 | 20,1 | 62 |
81 | 10,3 | 6,4 | 23,7 | 70 |
82 | 12,6 | 7,0 | 20,2 | 97 |
83 | 10,3 | 9,0 | 21,9 | 88 |
84 | 11,2 | 6,8 | 27,0 | 67 |
Fontes: Conj. Econ. FGV,
nov/84, p. 89.
Anuário do IBGE (1982), p. 572.
COMÉRCIO
EXTERIOR DO BRASIL EM 1983 (em US$ milhões) |
||||
Exportações | ||||
Produtos primários | ||||
Café | 2.078 | 9% | ||
Minério de Ferro | 1.020 | 5 | ||
Farelo de Soja | 1.792 | 8 | ||
Açúcar | 320 | 1 | ||
Outros | 3.307 | 15 | 8.517 | 39% |
Produtos industrializados | ||||
Material de transporte | 1.446 | 7% | ||
Produtos siderúrgicos | 1.255 | 6 | ||
Caldeiras e apar. mecânicos | 1.093 | 5 | ||
Suco de laranja | 609 | 3 | ||
Outros | 8.672 | 40 | 13.075 | 60% |
Diversos (consumo de bordo etc.) | 308 | 1% | ||
TOTAL | 21.900 | 100% | ||
Importações | ||||
Produtos primários | ||||
Petróleo | 8.067 | 56% | ||
Trigo | 905 | 6% | 9.512 | 62% |
Produtos industrializados | ||||
Máquinas e equipamentos | 2.505 | 16% | ||
Produtos químicos | 963 | 6 | ||
Metais | 335 | 2 | ||
Instrumentos ópticos | 226 | 1 | 4.029 | 26% |
Diversos | 1.887 | 12% | ||
Sub-total | 15.428 | 100% | ||
Superávit da Balança Comercial | 6.472 | |||
TOTAL | 21.900 |
Fontes: Conj. Econ. da FGV.
Anuário Estat. do IBGE.
PRINCIPAIS
PAÍSES PARA OS QUAIS O BRASIL EXPORTA E IMPORTA (1981) |
|||
Exporta | Importa | ||
EUA | 18% | Arábia Saud. | 17% |
RFA | 6 | EUA | 16 |
Holanda | 6 | Iraque | 8 |
Japão | 5 | Japão | 6 |
Itália | 4 | RFA | 5 |
França | 4 | Venezuela | 4 |
Argentina | 4 | ||
47% das export. |
56% das import. |
Fonte: An. Est. do IBGE.
Notas:
51 Na realidade, 75% dessa dívida foi contraída pelo setor público (governo e estatais) e 25% pelo setor privado. voltar ao texto
52 Maiores detalhes podem ser encontrados em Cruz (182), Benakouche (183, p.168), Langoni (184), Beting (220) e principalmente Delamaide (236). voltar ao texto
53 Segundo a CEPAL (órgão da ONU), os preços dos produtos primários exportados pela América Latina são os mesmos que em 1930. voltar ao texto
54 Desde 1800, os EUA já realizaram mais de 60 intervenções militares na América Latina. A última foi em Granada, em 1984. A esse respeito, como informa Asimov (208, p. 209), o general-brigadeiro Smedley Butler, herói da marinha dos EUA, falando ao povo por uma cadeia de rádio e televisão, disse:
"Em 1903 ajudei a fazer de Honduras um lugar vantajoso para as companhias frutíferas norte-americanas. Em 1914 ajudei a fazer do México, especialmente Tampico, lugar seguro para o petróleo americano. Ajudei a fazer de Cuba e Haiti lugares ideais para o recebimento de impostos pelo National City Bank. Preparei a República Dominicana, em 1916, para o açúcar americano. Em 1937, na China, ajudei a proteger os interesses da American Oil Company. Recebi honrarias, medalhas e promoções. Olhando para trás, penso que devo ter dado algumas idéias a Al Capone. Afinal, o melhor que ele podia fazer era operar em três distritos. Nós, da Marinha, operávamos em três continentes."
55 Isto lembra a seguinte estória: Certa feita. José não conseguia dormir, devido a uma dívida com Pedro. Penalizando-se da situação, sua mulher lhe diz: "José, liga para o Pedro e diz-lhe que não vais pagar a dívida, pois não tens dinheiro. Ai, quem não vai dormir será ele. . . ". voltar ao texto
56 O Prof. Dornbusch do M. I. T. (EUA) chegou a declarar que "Os banqueiros devem colaborar com o Brasil, pois eles não têm escolha. O Brasil pode fazer o que quiser, pois, se não pagar, os Bancos quebram" (Est. S. Paulo, 10-8-86, p. 54). voltar ao texto