CAPÍTULO 8

HISTÓRIA DOS ÍNDICES DE INFLAÇÃO

Dai-me o controle da economia de uma Nação,
e pouco me importará quem redige as leis.

Barão de Rothschild

 

Embora os índices de preços mais antigos que se conhecem tenham surgido na Europa, na época dos Grandes Descobrimentos Marítimos, somente por volta de 1920 se iniciou o cálculo sistemático de índices de inflação no Brasil.

Existem, no entanto, maneiras indiretas, baseadas em registros históricos, de se estimar os índices para os anos anteriores a 1920. Buescu (3), por exemplo, fez um levantamento dos índices brasileiros de 1560 até 1889.

Os índices que começaram a ser calculados em 1920, com retroação até 1912, eram divulgados pela Fazenda Nacional e vigoraram até 1939. Tratava-se, na realidade, da indexação dos gastos com a manutenção da família de Leo Affonseca Jr., pertencente à alta classe média, que era o responsável pelo seu cálculo e envio ao governo, para publicação.

O IPC da FGV

Com a criação da Lei do Salário Mínimo, em 14-jan-36, o índice do Sr. Leo sofreu várias reformulações, passando a ser calculado pela FGV, sob a denominação de Índice de Custo de Vida (ICV).

Em junho de 1966 foi realizada uma pesquisa de orçamentos domésticos, com vistas a modernizar o ICV. Para tanto,

... foram preenchidas, pelos funcionários da própria FGV e por operários do Arsenal de Marinha, cadernetas domiciliares, onde se registrava, dia a dia, a natureza e o valor do consumo dos diferentes itens de despesa. Dessas cadernetas, foram selecionadas, por amostragem, 36 referentes a famílias de operários do Arsenal de Marinha e 27 da própria FGV, todas com salários inferiores a Cr$ 15.000. O índice derivado dessa pesquisa foi publicado a partir de março de 1958 e já abrangia 85 itens de despesas. (137)

Vários aperfeiçoamentos daí se seguiram, sendo que a última alteração de certa monta foi a inclusão na fórmula de cálculo do "Efeito Substituição" (V. Glossário) em 1977. Assim, a fórmula hoje utilizada para o IPC (ex-ICV) é mista: média geométrica para produtos alimentares e fórmula de Laspeyres (22, Cap. IV) para outras despesas.

O INPC do IBGE

A exposição de motivos que justifica o Decreto-Lei no 399 de 30/4/38, que regulamenta a Lei do Salário Mínimo, esclarece:

O salário mínimo estabelecido pela Lei deve corresponder às necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário e transporte do trabalhador adulto, excluída, portanto, a idéia do salário profissional e afastada a do salário familiar.

Esse mesmo Decreto-Lei determina as rações-tipo essenciais mínimas para as diferentes regiões do país.

Baseado nessas rações mínimas de subsistência, tornadas legais em 1938, já em 1935 o Serviço de Estatística da Previdência do Trabalho começou a calcular índices de custo de alimentação nos municípios das capitais. Esses índices foram calculados até 1949, quando o Ministério do Trabalho instituiu o primeiro sistema de índices de custo de vida para todo o País, com ponderações baseadas em uma pesquisa de orçamentos familiares realizada em 1948 e incluindo itens de despesas de alimentação, habitação, vestuário, higiene, transporte, luz e combustível. Esse índice teve suas ponderações e metodologias revistas em 1967 e em 1977, e acabou sendo absorvido pelo IBGE, servindo de embrião para o estabelecimento do índice nacional de preços ao consumidor (INPC). (137)

O INPC deu origem ao IPCA e, posteriormente, ao IPC-IBGE.

O IPC da FIPE-USP

A Lei que instituiu o salário mínimo determinava a regionalização dos reajustes salariais e indicava, como referência, os menores salários pagos por empresas e outras entidades, inclusive serviço público, em cada região. Dentro desse espírito, foi instituído o primeiro índice regional de custo de vida no Brasil em 1936, pela Subdivisão de Documentação Social e Estatística da Prefeitura de São Paulo. Este índice refletia o padrão de consumo dos garis de limpeza urbana do município de São Paulo. Em 1970, o Instituto de Pesquisas Econômicas da USP passou a calcular esse índice, que foi então estendido, para abranger a "classe modal" (i.é, mais freqüente) da população da Grande São Paulo. (137)

O IPA da FGV

O índice de preços por atacado, publicado no primeiro número da Conjuntura Econômica (nov-47), era uma média ponderada de preços dos 25 produtos mais importantes comercializados no País. A série dos índices foi revista no início de 1955, ampliando-se o número de produtos para 90. As ponderações foram estabelecidas a partir dos dados do Censo, acrescidas de informações sobre importações. Na série revista, os índices calculados para o período1944-47 foram ponderados pelos dados do Censo de 1940 e, a partir de 1958, aplicaram-se dados relativos ao Censo de 1950. A ponderação era calculada (como ainda hoje) com base no "valor adicionado" (produto final menos matéria-prima), ou, quando não possível, no valor de transformação industrial, para se evitar efeitos, no movimento dos índices, decorrentes de duplas contagens.

As ponderações e metodologia introduzidas em 1955 foram usadas até 1969. No segundo semestre de 1969 foi realizada modificação substancial, tanto de metodologia, quanto de ponderações. Essas modificações foram feitas visando a:

O ICC da FGV

O primeiro índice de custo da construção calculado pela FGV a partir de 1950, para a cidade do Rio de Janeiro, se referia aos custos de um edifício de três andares, sem elevador, padrão esse que constituía o mais usual na época.

A modificação dos padrões de construção levou a que, em 1972, se revisse o sistema de ponderações, que passou a refletir uma média de padrões definidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, ponderadas pela área de licença de Habite-se em 1969 e 1970.

Posteriormente, em 1975, foram fornecidas à FGV, pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção, estruturas analíticas de custos para diferentes padrões de construção, o que permitiu criar um sistema de cinco índices, com ponderações bem detalhadas (83 itens). Esses cinco índices se referem ao índice médio (encadeado ao anterior) e construções habitacionais com 1, 4, 8 e 12 pavimentos. (137)

O IGP da FGV

O índice geral de preços começou a ser calculado conjuntamente com os primeiros índices divulgados por Conjuntura Econômica. Até 1949, era calculado como média do índice de preços por atacado e índice de custo de vida no Rio de Janeiro. A partir de 1950, passou a contar com mais um componente: o índice de custo da construção no Rio de Janeiro.

Esse índice foi calculado, inicialmente, com finalidade bem específica: deflacionar o índice mensal da evolução dos negócios, que era um indicador obtido a partir da arrecadação do imposto sobre vendas e consignações (atual ICM) e da compensação de cheques.

Quando se introduziu a correção monetária no Brasil (meados dos anos 60), esse índice passou a ser usado para correção de conjunto bastante grande de operações, sobretudo correção de valores de contratos de obras públicas. Por essa razão, mesmo quando a FGV decidiu descontinuar o cálculo do índice da evolução dos negócios, não pôde descontinuar a publicação do índice geral de preços. Nas várias modificações de diagramação da "Conjuntura", a FGV viu-se obrigada a manter inclusive esse índice situado na mesma posição nas tabelas de apresentação, pois o uso do índice se tornou de tal forma difundido e popularizado, que a maioria dos contratos e portarias passou a se referir apenas à coluna em que era (e ainda é) publicado -- coluna 2 -- sem mencionar sequer seu nome (IGP-DI).

A escolha dos três componentes da "coluna 2" se deve ao fato dessas três atividades (operações em geral, preços de varejo e construção civil) representarem o conjunto de operações realizadas no País. A ponderação representa a importância relativa de cada tipo de operação na formação da despesa interna bruta: produção, transporte e comercialização a grosso de bens de consumo e de produção (representados pelo IPA): 60%; valor adicionado pelo setor varejista e pelos serviços de consumo (representados pelo índice do custo de vida): 30%; e valor adicionado pela indústria da construção civil: 10%. (137)

OS ÍNDICES E AS PRESSÕES POLÍTICAS

Após 1964, os índices da FGV, uma das ideólogas do movimento desse ano (66), passaram a ter um caráter oficial, sendo seu uso explicitamente definido em vários decretos e regulamentações. A própria ORTN, criada nesse ano, era definida com base nos índices da FGV (24) (33).

Em 1970, entretanto, aconteceu a tão temida reversão das expectativas inflacionárias: a curva deixou de ir baixando e começou a subir (V. Cap. 7). O grande receio era que, se começasse a subir, poderia não parar mais, ficando fora de controle -- como aliás ocorreu mesmo.

Em 71-72 uma série de medidas ecléticas foram tomadas -- aquelas que não funcionam mais, como já vimos -- e a inflação "não deu a mínima": Continuou subindo. Aí deu o desespero e o governo de exceção então reinante resolveu usar um outro método diferente: em lugar de apagar o incêndio, decidiu desligar o alarme que estava tocando. As medidas, que fariam inveja a Goebbels, Ministro de Propaganda de Hitler, foram as seguintes:

Esse elenco de medidas fazia parte do "Plano Secreto para coibir a Inflação", entregue pelo Ministro da Fazenda ao Presidente da República, cuja divulgação foi proibida através do Comunicado nº 5 de 18-jan-73 do Departamento de Censura da Polícia Federal, distribuído sigilosamente aos meios de comunicação do país (135, p. 249).

Os efeitos logo se fizeram sentir. Vejamos algumas notícias publicadas na época:

Em 11/nov/73, Estado de S. Paulo, página 37:

"Canto Quarto, de Luís de Camões", significando haver um artigo cortado pela Censura Federal.

Na página seguinte, lia-se:

Uma tentativa de se chegar a um número aproximado do custo de vida, partindo de dados divulgados em algumas capitais, indicou a ocorrência de uma elevação de preços da ordem de 16,8%, nos doze meses de 1973. A iniciativa, como em outros anos, esbarrou na escassez de dados estatísticas objetivos e fidedignos, bem como na diferença de critérios utilizados pelos vários órgãos. Mas, no presente ano, a essas dificuldades, somou-se outra: o emudecimento de muitas fontes de informação, antes de presença atuante.

Em São Paulo, o Departamento Sindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) deixou de divulgar os elementos que colhe a respeito do custo de vida, alegando "motivos de ordem econômica". O Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo, considerou os seus trabalhos a respeito do assunto meros "exercícios estatístícos" e os reserva para informação interna dos associados da entidade.

O emudecimento das fontes de informação outrora atuantes não é, porém, ocorrência registrada apenas em São Paulo. Em Belém, o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (IDESP) vinha fornecendo o índice mensal do custo de vida no Estado, apesar do atraso que caracteriza o seu trabalho. A partir de abril, esse índice passou a ter a sua distribuição à imprensa proibida. (74)

Na mesma página lê-se outra notícia: "Nos cálculos do governo, a alta da carne não entra", enquanto que na página 39 verifica-se o ataque aos índices que, úteis desde 1946, de repente não serviam mais:

Para a inflação, outros índices:

O aumento do custo de vida não é o elemento principal de que se vale o governo para medir a inflação (...) Roberto, da FGV, afirma que somente de uma forma bastante grosseira se pode apresentar o índice do custo de vida como medidor da inflação. "É a mesma coisa que trabalhar com uma régua em que estão faltando alguns traços", diz ele.

Tratava-se evidentemente de argumento diversionista, já que a inflação que interessa à população é a medida pelo IPC.

Delfim Netto, no mesmo artigo, chegou a declarar:

As diferenças nesses índices entre as grandes capitais significam realmente muito pouco; a inflação global está decrescendo, lenta e seguramente, como já afirmei.

Observe-se no gráfico do Cap. 7 que desde 1970 já era patente que a inflação global estava crescendo lenta e seguramente. Isto nos faz lembrar Orwell e seu "duplipensar", quando afirma que, segundo o Grande Irmão:

Guerra é Paz
Liberdade é Escravidão
Ignorância é Força (75, p. 19).

Em outubro de 74, uma outra notícia (76):

IBGE calculará os índices de preços a partir de 76:

Este fato, anunciado pelo Presidente do IBGE e desmentido por assessores do Ministro da Fazenda, já se encontra de fato definido desde maio deste ano, quando o Presidente da República aprovou o plano.

Segue-se, depois, no mesmo artigo, uma série de argumentos, para mostrar que é melhor calcular os índices pelo IBGE e não pela FGV, estando-se assim "acompanhando uma tendência aceita pelos países desenvolvidos do Ocidente". Nascia, desse modo, o índice mais manipulado do Brasil: o INPC.

Mas a inflação "não deu bola" para tudo isso e continuou subindo sem parar, a ponto de não mais ser possível "tapar o sol coma peneira".

O caso só veio realmente a público em 1977, já em pleno governo Geisel, através do "Relatório Secreto do BIRD sobre a Economia Brasileira" (77), que afirmava, textualmente:

A figure of 22.5% for the rate of inflation in 1973 has been used instead of the official figure of 12,6% (Um valor de 22,5% para a taxa de inflação em 1973 foi utilizado em lugar do valor oficial de 12,6%).

Essa descoberta provocou um grande impacto, causando um enorme prejuízo moral e uma crise de credibilidade tanto para o governo quanto para a FGV.

Na época era Ministro M. H. Simonsen, da FGV que, em vista do escândalo, procurou aconselhar o governo sobre como proceder. Em seu relatório "O problema inflacionário em 1974" (78), ele abriu o jogo, mostrando que o critério de manipulação tinha sido: usar os preços tabelados pelo governo, ao invés dos preços de mercado (isto é, realmente pagos pelas donas-de-casa). Disse também que, embora o IPC oficial tivesse sido de 13,7% em 1973, seu valor correto era 26,6%; o item "alimentação", que era de 16,4%, devia ser elevado para 41,4%. Terminava seu "paper" sugerindo quatro possibilidades para consertar a situação:

Dessas quatro alternativas, Simonsen condenou as duas primeiras, sugeriu usar a terceira e considerou a quarta aceitável. Verificou-se, posteriormente, que passou a vigorar a segunda opção.

Desse modo, a FGV restabeleceu a verdade e a sua credibilidade perante a Nação, pois não tinha agido de má-fé. Teve, isto sim, que se submeter às enormes pressões do governo, já que parte de seu orçamento vem de dotações federais.

Infelizmente, não houve aí um "happy end", mas tão somente um "intermezzo", como veremos.

A partir de 1974, embora os índices da FGV tenham voltado a ser calculados corretamente, foi a vez da ORTN, que começou a ser corrigida para baixo (até 1973 sua correção vinha acompanhando a inflação).

Comparemos os valores, notando a grande desindexação ("perdas") havida em 79, 80 e 83: 33

Ano 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83
ORTN % 12,8 33,3 24,2 37,2 30,1 36,2 47,2 50,8 95,6 97,8 156,6
IGP % 15,7 34,5 29,4 46,3 38,8 40,8 77,2 110,2 95,2 99,7 211,0
Perdas % 2,6 0,9 4,2 6,6 6,7 3,4 20,4 39,4 (0,2) 1,0 21,2

Em 1979, com o segundo choque do petróleo (o primeiro foi em 1973), este e seus derivados foram praticamente excluídos do índice de Preços por Atacado, não mais influindo direta e imediatamente no cálculo da inflação.

Com a inflação disparada desde 1970, um novo ataque de desespero acontece em 1983, quando se repetem os episódios de 1973.

Desta vez, todavia, não foi possível repetir as façanhas de 1973, pois a liberdade de imprensa já havia sido reconquistada. Aliás, quanto a este aspecto, em que o jornal O Estado de S. Paulo teve um notável desempenho, à altura de suas tradições, vem bem a calhar um pensamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Aliomar Baleeiro:

A Liberdade não se recebe por mercê ou tolerância dos opressores. Há que merecê-la ou disputá-la. Sempre que houver almas de escravos, existirão vocações de senhores.

Assim, para saber o que ocorreu na época, vejamos as notícias da imprensa:

Fev-83:

Diretor deixa o IBGE para não manipular INPC (79).
Governo tenta desde 81 manipular INPC (80).
E o ministro pede confiança (80).

Jun-83:

Governo já considera expurgo total (81).
Perícia prova expurgo já em 72 (82).
Falta consenso para desindexar (83).

Jul-83:

Economista denuncia presidente do IBGE (84).
A pressão, entrementes, não se fez sentir no IBGE apenas. Também a FGV "entrou na festa".

Set-83:

FGV divulga última taxa real de inflação (85)

Admitida a crise na FGV com omissão da taxa de inflação real (86).

O IBRE tenta convencer Chacel a não se demitir" (87) (O IBRE é o responsável pela revista Conjuntura Econômica, que publica os índices mensais da inflação; o prof. Chacel é o seu diretor).

O que o povo tem a ver com os índices da FGV ? Reagiu Ikeda, da SEPLAN, ao ser indagado se não era um engodo contra a sociedade a decisão do governo de não mais divulgar o índice real de inflação, mas apenas o índice já expurgado (87).

Após ressaltar que a taxa de inflação real é relevante, Simonsen disse que a FGV deve estabelecer normas explícitas para a elaboração de seus índices, para não acentuar ainda mais o elemento risco no mercado financeiro, provocador de distorções, que está levando os aplicadores a querer cada vez mais juros maiores, por saberem que a inflação é superior à taxa expurgada (87) .

Como usuário das informações prestadas pela FGV, Beluzzo, professor de Economia da UNICAMP, considerou o momento muito grave e denunciou pressões feitas pela SEPLAN: houve ameaças de todos os gêneros e espécies. A SEPLAN ameaçou até mesmo retirar verbas da FGV. Creio que o objetivo disso tudo é transformar a FGV em IBGE, ou seja, numa instituição sem credibilidade. Absurdo (87). 34

Resta saber, concluiu um diretor do DIEESE, se a sociedade se deixará enganar como agora, quando só o índice falso passará a ser publicado mensalmente. Isso é descrer de nossa inteligência (87).

O que deve ser contido é a inflação, não os índices (88).

O IBRE não aceita pedido de demissão de Chacel (89).

A FGV conseguiu assim manter a sua seriedade nesse episódio, como se viu, se bem que a duras penas. De resto, só serviu para reforçar famosa frase atribuída a De Gaulle: "Ce n'est pas un pays sérieux".

A redução dos índices de inflação para quase a metade de seu valor real, em 1973, fez com que os trabalhadores acabassem por ter seus acréscimos salariais divididos por 2, já que a correção se dá com base nesses índices.

Mas não somente os assalariados têm saído perdendo. Quem tem dinheiro depositado na caderneta de poupança, ou depende das ORTNs para algum reajuste, como aluguéis por exemplo, também ficou prejudicado, não só em 1973, mas também em 79, 80 e 83, como se depreende do quadro das ORTNs versus IGP, há pouco apresentado.

Por essas e outras, os metalúrgicos resolveram entrar na Justiça, para reaver as perdas derivadas do sutil arrocho salarial sofrido em 1973.

A imprensa informa como vai o Processo:

O reconhecimento, pela Justiça Federal em São Paulo, de que os índices relativos à inflação de 1973 foram rigorosamente fraudados -- o governo os reduziu pela metade, baixando de 26,6% para 13,3% -- suscita algumas indagações que a SEPLAN ainda não se dignou responder.

De certa maneira, o que menos interessa, no momento, é saber se a União vai ser obrigada a pagar a diferença salarial para os metalúrgicos que impetraram a ação. Até porque os prejudicados são pobres, o caso pode ficar rolando durante muitos anos nos tribunais, como observou muito bem o consultor jurídico do Planejamento (90).

Manipulações à parte, vez por outra também ocorrem alguns enganos na divulgação dos índices (120):

O índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado nos últimos 12 meses, correspondente ao período de março de 1983 a fevereiro de 1984, é de 176,07% e não de 175,50% segundo informou ontem o IBGE, retificando comunicação anterior, do último dia 2. Com o novo índice acumulado, o reajuste anual dos aluguéis residenciais, em abril, será de 140,86% e não de 140,40%.

Houve um erro de datilografia na hora de fazer o release, na assessoria de imprensa", assim o IBGE justificou a sua falha, atribuindo às datilógrafas um erro que de fato é de exclusiva responsabilidade das pessoas encarregadas de supervisionar o trabalho delas. E no 'press-release' de ontem, o IBGE voltou a errar: saiu 'aunciado' em vez de 'anunciado', no primeiro perído (sic) da nota oficial em que o órgão se refere ao INPC anual correto.

Abrandada a tempestade, veio a bonança. Mas o mar continuava agitado. Pelo menos foi o que se viu com os índices de abril de 1984.

Notícia de 27 de março de 1984:

Da sucursal de Brasília. O chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda, Edésio Fernandes, recebeu ontem a informação da FGV de que a taxa de inflação deste mês deve ficar mesmo abaixo de 10%, o que, no seu entender, é um bom resultado em comparação com a taxa de 12,3 % registrada em fevereiro (138).

Notícia de 29 de março de 1984:

Da sucursal do Rio. A taxa de inflação apurada pela FGV para o mês de março deverá ficar em 11,1%, superando a expectativa das autoridades governamentais, que estavam calculando uma taxa máxima de 10%, como ponto de partida para o declínio da inflação nos próximos meses (139).

Notícia de 30 de março de 1984:

A taxa de inflação do mês de março ficou mesmo dentro das expectativas dos especialistas e das autoridades governamentais: 10,0% , sem expurgo, e 9,2% com expurgo, de acordo com informação divulgada ontem pela direção de pesquisas da FGV (140).

Para terminar esta história dos índices, vem bem a calhar o caso de mais um expurgo... em um cartum (91) (92). Vale como epílogo.

As palavras seguintes são do autor de uma carta à revista VEJA (22-2-84), O cartunista Paulo Caruso, do "Bar Brasil", da revista SENHOR:

Fui surpreendido pelo comentário de amigos que me avisaram ter sua revista publicado uma lista dos cartunistas preferidos do ministro Delfim Netto, entre os quais me incluía. Minha primeira pergunta, claro, foi saber onde é que eu havia errado. Ao ver a revista me senti novamente aliviado, pois aquilo que o ministro tem exposto em seu gabinete não era um trabalho meu. Meu cartum foi devidamente 'expurgado' de seu significado, ganhando uma conotação sutilmente favorável ao ministro. Para melhor informar a seus leitores, envio aqui a reprodução original do Bar Brasil como foi publicado na revista SENHOR. O desenho se referia ao afastamento recente e pronunciamentos revoltados do então presidente demissionário do Banco Central, Carlos Geraldo Langoni. Ministro, cuidado com as falsificações.
Paulo Caruso, São Paulo, SP.

Resposta de VEJA a essa carta:

VEJA limitou-se a reproduzir o trabalho tal qual existe na coleção do ministro, que por sua vez não é responsável pelo 'expurgo' havido no desenho: ele o recebeu assim de um amigo, que isolou uma parte do cartum e nele introduziu legendas inexistentes no original.

A história dos índices de inflação da FGV se divide em sete fases:


Notas:

33 Para o cálculo das "perdas", partimos da relação geral: (100 + ORTN%) (100 + perdas%) = 100 + IGP%).100 para obter a seguinte fórmula final:

perdas% = (IGP% - ORTN% ) / 1 + ORTN%/100

Ver também o verbete ''ORTN'' no Cap. 1. voltar ao texto

34 A dotação anual da FGV, oriunda da União, que em 1980 era de 1.500.000 ORTN, foi sendo reduzida, chegando a 298.000 ORTN em 1985 (Comunicado da FGV-SP em 28-12-84 ) . voltar ao texto