Disputa Reforça Dúvidas Sobre Leis na Internet

http://www.uol.com.br/internet/webzona/lei.htm
Geanne Rosenberg
The New York Times, 14-abr-1997
http://search.nytimes.com/search/daily/bin/fastweb?getdoc+site+site+16039+11+wAAA+geanne

Sarah Vaughan cantou no Blue Note. Johnny Cash também. Mas enquanto Sarah estava em Nova York, Cash deu show em Columbia, no outro Blue Note do país.

Nova York - Enquanto o mundo do jazz, blues e rock consegue acomodar dois Blue Notes, parece que a Internet não pode. Na última semana, advogados dos dois clubes homônimos se encontraram num tribunal em Nova York, num feudo sobre se o cyberspace é grande o suficiente para os dois.

O confronto entre os dois Blue Notes se tornou um exemplo de uma questão atualmente debatida por advogados, acadêmicos e legisladores dos EUA e de outros países, da Alemanha à Malásia: Se uma pessoa ou negócio na Internet está sob a as leis de alguma, algumas ou todas as jurisdições das quais o site possa ser acessado.

"O coração do problema é que a Internet é ineremente indiferente a fronteiras geográficas, enquanto que os sistemas legais do mundo são construídos sobre fronteiras legais'', afirma Henry H. Perritt Jr., um professor da Villanova University School of Law.

O resultado, na visão de Jane C. Ginsburg, professora da escola de direto da Universidade de Columbia, é que se você "usa a Internet como ferramenta de marketing, isso pode realmente sujeitá-lo a jurisdição em qualquer lugar onde tenha clientes'', particularmente se os clientes podem entrar em contato com o site comprar e vender.

Richard King fundou o Blue Note no estado de Missouri (EUA) em 1980, cinco anos antes de os proprietários do Blue Note de Nova York obterem uma patente federal para o nome. King, cuja clientela é principalmente de estudantes da Universidade de Missouri, acabou com o direito de usar a marca localmente -- o que se chama em lei de patentes de "nicho geográfico".

No ano passado, quando seus jovens empregados fizeram um site na Internet para seu clube, a reação de King foi: "Uau. Agora não preciso pregar meus pôsteres no campus todos os dias", afirmou numa entrevista recente. Em vez de perder tempo pendurando pôsteres, ele acabou sendo citado num processo num tribunal em Manhattan.

Os esforços dos governos para regular a informação na Internet têm sido mais visíveis nos casos de pornografia, jogo e ódio racial, como a investigação da Compuserve em 95, na Alemanha, devido a material pornográfico (a Compuserve bloqueou o material temporiaramente).

Entretanto, como o caso do Blue Note mostra, não é necessário ser um pornógrafo, jogador ou provedor de acesso para ter problemas com jurisdições distantes. "Nada é local no cyberspace", diz Nicholas Negroponte, diretor e co-fundador do Media Lab do Massachussetts Institute of Techonology. "Eu tenho minha casa, minha vizinhança, minha cidade, meu Estado, país etc. No cyberspace, eu estou dentro ou fora".

Alguns países tomaram medidas enérgicas. A China, por exemplo, bloqueou cerca de cem sites na Internet no ano passado, e requereu que provedores de acesso à rede se registrassem no governo e circulassem o tráfego internacional através de uma agência do governo.

Mas a capacidade limitada da China ou de qualquer outro país de controlar a informação que entra pode evaporar totalmente. Pois se hoje a informação que flui através da Intenret chega por linhas telefônicas, e portanto pode numa certa medida ser controlada por autoridades locais, novas tecnologias podem dar um curto-circuito nestes controles. Negroponte acredita que se forem levados a cabo os planos de lançamento de satélites de baixa órbita, "meu espectro de comunicação é o mundo inteiro, com ou sem sistemas telefônicos nacionais".

Enquanto isso, de volta à Terra, Estados, países e seus tribunais ainda têm autoridade para aplicar suas leis em relação à Internet. Isso pode significar problema para algumas empresas.

Muitas empresas que fazem negócio na Internet desconhecem o fato de que estão se aventurando em terriório desconhecido quando o assunto é responsabilidade legal, afirma Bob Chatham, um analista da Forrester Research, uma empresa de pesquisa em tecnologia (Cambridge, Massachussetts). Estes milhares de negócios "servirão como cobaias", diz.

O tribunal de Nova York encerrou o caso dos dois Blue Notes em setembro do ano passado, por falta de jurisdição, com o parecer de que King, em Missouri, não procurava clientes em Nova York ou não iniciava comunicações em Nova York. Sua mera presença na Internet foi insuficiente para preencher os requisitos constitucionais para se trazer ao tribunal um réu de outro Estado. Uma corte federal deverá decidir se deve confirmar, modificar ou cancelar a sentença da corte estadual.

O caso do Blue Note ilustra o "risco genuíno de criar um site na Internet, em que pessoas do mundo inteiro podem me achar e ter algum tipo de interação comigo", afirma Kerry Konrada, advogado que defendeu o caso de King. "Acho que o único aviso prático que se pode dar às pessoas é que prestem atenção na maneira com que interagem e com quem interagem".

Uma razão para tomar cuidado: um indivíduo não pode controlar onde a informação colocada na Internet vai parar. "Aquele que envia não tem a possibilidade de bloquar o conteúdo ou restringir os lugares para onde está sendo enviado", afirma Tom Dabney, conselheiro assistente da America Online.

Mas os juristas têm visões diferentes da aplicação das leis tradicionais na Internet. As duas visões divergentes estão cristalizadas no trabalho da professora Ginsburg, de Columbia, que acredita que conceitos legais convencionais deveriam ser adaptados à Internet, e David G. Post, professor associdado do Georgetown Law Center e co-diretor do Instituto de Leis do Cyberspace, que afirmou numa entrevista recente: "Eu parto do princípio de que as leis existentes fazem pouco sentido quando aplicadas a transações e eventos na Internet".

De acordo com a professora Ginsburg, há pelo menos três problemas-chave na resolução de disputas interjurisdicionais na Internet:

A professora Jane Ginsburg afirmou numa entrevista que geralmente "a lei do lugar de origem" da disputa em questão deveria ser aplicada quando duas partes de uma disputa vêm de jurisdições cujas leis estão em conflito.

Uma exceção, diz ela, seria o caso em que a jurisdição de origem é algum tipo de "porto seguro" para atividades que a maioria dos países considera ilegais. Por exemplo, infrações de direitos autorais na Internet não devem ser toleradas se vêm de um país com leis de direitos autorais pouco rigorosas.

Outros, como Post, acreditam que o cyberspace deveria existir à parte das leis que se aplicam ao resto do mundo. "Vocês acham que é possível estar sob as leis de todos?", pergunta ele. "Claro que não. Isto é bom? É terrível. É um sistema terrível. Nós ter uma onda de processos sob leis de que nunca ouvimos falar. Acho que este sistema se engasga em sua complexidade".

Perrit, da Villanvova, disse que uma massa crítica de casos-cobaia era necessária antes que juristas e tribunais tivessem suficiente informação para formular decisões legais e tratados internacionais para acabar com as incertezas.

Além destes mecanismos reguladores convencionais, Perritt sugere que nomes de domínio possam ser usados como "determinante final para a tomada de decisões" sobre conduta ilegal na Internet. Os domínios poderiam ser controladosa e os violadores conhecidos teriam seu acesso à rede negado.

Enquanto o debate acadêmico continua, os advogados estão ansiosos para resolver questões em aberto. As empresas necessitam de "regras previsíveis" para decidir disputas, afirma Jeffrey Richter, conselheiro da Associação de Advogados dos EUA. "Se o uso que os negócios fazem da Internet podem expô-los à jurisdição de outros Estados de forma imprevisível, isto é ruim. É um ponto de resistência para o uso da Internet em negócios".

Mas, afirma Ritter, as empresas estão criando um pouco da previsibilidade de que precisam, na forma de contratos entre servidores e seus clientes, que estabelecem regras de conduta.

Chatham recomenda que as empresas tentem evitar imputabilidade em jurisdições cujas leis não conheçam, afirmando diretamente em seu site que restringem suas ofertas a países ou Estados específicos, com cujas leis queiram viver.

Os advogados da Blue Note de Nova York continuam firmes em sua posição, de que seu cliente tem direito de processar no fórum onde seus direitos foram infrigidos, "em vez de sair caçando piratas por todo o país", afirma Dorothy Weber, uma das advogadas. Se o tribunal federal confirmar o encerramento do caso, ela afirmou que pretende levá-lo à Suprema Corte ou processar o Blue Note de Missouri em seu próprio Estado.