"É Falsa a Sensação de Anonimato na Internet"

Marcelo Monteiro
Zero Hora/Agencia RBS
ZAZ, 14-dez-1999

O delegado Mauro Marcelo de Lima e Silva é a maior autoridade do país na investigação de crimes cometidos por meio da Internet. Formado em Direito pela Universidade São Francisco, em Bragança Paulista, começou a desvendar delitos virtuais em 1995, muito anos antes da instituição do Setor de Crimes pela Internet, criado este ano pela Polícia Civil de São Paulo. Paulista da Capital, casado e pai de três filhos, é um dos 15 brasileiros formados pela Academia Nacional do FBI, a polícia federal americana, na Virgínia. Aos 40 anos, Lima e Silva lidera uma equipe de nove policiais que investiga, desde novembro, o empresário e ex-controlador do Mappin Ricardo Mansur, acusado de ter enviado, de Londres, e-mails para o mercado financeiro com informações falsas alardeando o risco de quebra do Bradesco.

Agência RBS - Quais são os crimes virtuais mais comuns cometidos no país?

Mauro Marcelo de Lima e Silva - É necessário distinguir os crimes que estão ocorrendo e os que chegam à polícia. Ainda são poucos os que chegam ao nosso conhecimento. No mês passado, o crime mais combatido foi contra o direito autoral: fechamos 20 sites que exibiam fotos da Playboy sem autorização. Mas a Internet está sendo utilizada como meio para a prática de vários crimes. Há casos de desvio de dinheiro de home bankings, pornografia infantil, estelionato, apologia e incitação ao crime.

Agência RBS - O que foi apurado nesses quatro anos de investigação?

Lima e Silva - Cerca de 400 sites já foram retirados do ar. Há, inclusive, condenações. Um homem que ameaçou duas jornalistas de morte em 1996 foi condenado a dar aula de informática na Academia de Polícia em São Paulo.

Agência RBS - Existe uma lei específica para os crimes virtuais?

Lima e Silva - A afirmação de que a Internet é um ambiente absolutamente sem leis é uma mentira. Praticamente todas as condutas típicas feitas na Internet encontram parâmetros no Código Penal, mesmo sendo de 1940.

Agência RBS - Algum tipo de irregularidade praticado na rede não está previsto no Código Penal?

Lima e Silva - Poucas situações não estão tipificadas como crimes no Código Penal. Quando um hacker invade um computador, dá uma olhadinha e sai, sem roubar nada ou produzir nenhum dano, por exemplo, não existe lei para enquadrá-lo. Mas se ele produzir dano, será considerado crime.

Agência RBS - Qual é o perfil das pessoas que praticam crimes na Internet?

Lima e Silva - Há três estágios. Entre 13 e 17 anos, os adolescentes hackers fazem coisas erradas apenas pelo espírito da mocidade, pelo desafio. Montam páginas na Internet, pegam da própria rede fotos de pornografia infantil, receitas de como fazer bombas e fazem apologia ao crime. Mas fazem sem saber que é crime. No segundo, estão jovens de 17 a 25 anos, com conhecimento profundo de computação, que tentam obter pequenas vantagens. São os hackers que compram CDs ou pizzas com um número de cartão de crédito falso ou cometem pequenos delitos. O terceiro grupo, que usa a rede para disseminar idéias fascistas e praticar crimes financeiros, é o mais perigoso.

Agência RBS - Qual desses grupos é o mais expressivo?

Lima e Silva - O primeiro, porque a Internet é um ambiente novo, onde existe o falso sentimento de anonimato.

Agência RBS - Quer dizer, então, que não há anonimato na Internet?

Lima e Silva - Na rede, não se consegue ficar sempre anônimo. Em um crime normal, é possível que os criminosos fujam pelas ruas sem ser localizados. Na Internet, as pessoas sempre deixam rastros. Por meio desses vestígios, a polícia localiza os criminosos.

Agência RBS - Como é feita a investigação dos crimes virtuais?

Lima e Silva - Ninguém faz nada na Internet sem provedores. Há tevês e rádios piratas, mas provedor pirata não existe. A partir disso, vê-se o papel fundamental dos provedores de acesso na atividade policial: detêm todas as informações para a polícia fazer seu trabalho.

Agência RBS - Como se originou a investigação do caso Mansur?

Lima e Silva - Muitos detalhes envolvem privacidade e sigilo. Instauramos um inquérito para apurar a origem de e-mails anônimos que foram passados a todo o mercado, falando mal do Bradesco. As mensagens ofendiam e praticavam crime contra a honra do Bradesco e de seus diretores. Apuramos a prática de crime contra o sistema financeiro. A denúncia foi feita pelo Bradesco.

Agência RBS - A difamação de pessoas ou empresas é comum na Internet? A utilização de e-mails fictícios dificulta o trabalho da polícia?

Lima e Silva - No caso do Mansur, foi criado um e-mail falso no Hotmail, nos Estados Unidos, e as mensagens foram enviadas de um computador público, de um cybercafé de Londres, o que tornaria praticamente impossível descobrir a identidade do autor.

Agência RBS - Como foi descoberta a autoria dos e-mails contra o Bradesco?

Lima e Silva - O Mansur foi descoberto porque começou a acessar as respostas dos e-mails que havia enviado ao sistema financeiro por meio de uma linha direta, de um número de Protocolo de Internet (IP) fixo, em Londres. Esse rastro possibilitou identificarmos a origem das mensagens. A polícia não tem dúvidas da participação direta ou indireta de Mansur no episódio, mas a data de seu depoimento ainda não está definida.

Agência RBS - É fácil praticar crimes pela Internet?

Lima e Silva - Bastante. Mas se todas as polícias do país estivessem em condições, também seria muito fácil desvendar esses crimes. Há 15 anos como delegado e há cinco anos investigando crimes no ambiente virtual, confesso que nunca achei tanta facilidade em investigar como estou achando agora. Mas, somente em 1999, o número de ocorrências superou o total de casos dos últimos três anos juntos.