O DESPERDÍCIO NA INFORMÁTICA

Fonte: http://www2.uol.com.br/exame
28-mai-97
Comments based on the book of Strassman,
"The Squandered Computer"

FATO: Bilhões de dólares são torrados em investimentos inúteis em tecnologia.

QUESTÃO: Dá para se defender?


Cavalos têm quarenta dentes. Tal afirmação, escrita por Aristóteles em 350 a.C., era aceita como verdade absoluta até o final da Idade Média. O filósofo grego provavelmente abriu a boca de um cavalo e se deu por satisfeito com o número de dentes que lá encontrou. Foi preciso esperar que os primeiros cientistas experimentais contassem dentes de vários eqüinos, quase 20 séculos depois, para descobrir que essa verdade não era absoluta. Éguas têm 36 dentes. Os cavalos podem ter entre 36 e 40. Considere agora outra afirmação: computadores aumentam a produtividade e geram mais lucros. No mundo dos negócios, poucos ousariam contestá-la. Só em 1996, empresas e governos investiram 1,076 trilhão de dólares em tecnologias da informação (pense que, juntas, as 13 049 maiores empresas do mundo lucraram meros 750 bilhões). Pois bem. Não há estimativa oficial, ninguém quer falar no assunto nem gosta de admitir, mas boa parte desse dinheiro vai parar, sem escala, na lata de lixo.

"A culpa é dos administradores. A tecnologia da informação tem um custo elevadíssimo, mas os executivos parecem não levar isso em conta", disse a EXAME o americano Paul Strassmann, ex-chefe do setor tecnológico do Pentágono e de empresas como Xerox e Kraft Foods. No Pentágono, Strassmann controlou entre 1991 e 1993 um orçamento anual de 10 bilhões de dólares em tecnologia. Sozinho, diz ser responsável por 0,5% do que a humanidade já gastou nessa área. Em seu livro The Squandered Computer ("O Computador Desperdiçado"), recém-lançado nos Estados Unidos, ele faz com computadores o que os primeiros cientistas fizeram com cavalos: analisa dados experimentais de cerca de 500 empresas, recolhidos desde 1980.

A principal conclusão de Strassmann é arrasadora: Não há a menor relação entre quanto uma empresa investe em tecnologia da informação e seu sucesso econômico, seja ele medido como lucro, crescimento ou produtividade. Gastar muito pode significar inovação, mas também desperdício. Gastar pouco pode significar prudência, mas também atraso. O importante não é quanto se investe, mas como. Parece óbvio? E é. Lembre, porém, que a humanidade levou quase 2000 anos apenas para descobrir quantos dentes têm os cavalos.

DESPERDÍCIO

As conclusões de Strassmann não são propriamente uma surpresa. Em 1994, uma pesquisa do Standish Group já concluiu que, dos projetos de informática de 365 empresas americanas, 31% foram cancelados antes de prontos (e isso custou-lhes 81 bilhões de dólares), 53% estouraram mais de 90% no custo previsto (a um preço de 59 bilhões), 13% estouraram mais de 200% e apenas 16% foram concluídos dentro do prazo e do orçamento. No Brasil, empresas tentam encobrir de todas as formas os casos flagrantes de desperdício, mas algumas já começam a admitir que, sem enfrentar esse problema, os executivos da área de informática não sobreviverão. "Na época da inflação, aumentar 1% no preço dava mais lucro que economizar 1% no custo", diz Augusto Marques da Cruz Filho, diretor administrativo e financeiro do grupo Pão de Açúcar. "Hoje a coisa mudou."

Ele menciona um exemplo clássico de gastança dentro do próprio Pão de Açúcar, que pretende investir em tecnologia da informação 35 milhões de reais até 1998 (no ano passado a rede faturou mais de 3 bilhões). A empresa comprou em 1989 um computador de grande porte IBM 3090, capaz de processar 21 milhões de instruções por segundo. Era um investimento de 16 milhões de dólares em duas fases, além de 2 milhões gastos nas instalações. "Foi um erro. Com a crise do Plano Collor, o computador ficou parado e não se podia fazer nada", diz Cruz. Era um canhão para matar moscas. O equipamento ficou encostado e depois foi desativado. Em 1995, o Pão de Açúcar resolveu alugar um IBM 9121, que processava 40 milhões de instruções por segundo. O preço? Menos de 1 milhão de reais por ano. Hoje, o aluguel de um IBM 390, com o dobro da capacidade de processamento, custa 1,2 milhão.

Esse caso está longe de ser único. Pelo contrário, é típico da mentalidade vigente entre executivos que lidam com tecnologia da informação. Considera-se que computadores têm poderes mágicos de resolver problemas de gestão, racionalizar processos e aumentar a produtividade. Não se discute como as máquinas serão recebidas dentro da cultura da empresa, nem se prova na ponta do lápis como elas aumentarão os lucros. Em vez disso, impera o medo da concorrência. É comum justificar investimentos apelando para um argumento do tipo: Se eu não fizer o que fazem os outros, estou frito. O próprio Pão de Açúcar montou há três anos uma rede de micros com software da Novell, a coqueluche do momento.

"Hoje estamos trocando tudo para Windows NT, da Microsoft. Sabíamos que em três anos aquilo ia virar sucata, mas não tínhamos opção. Senão você fica para trás. Às vezes não dá para deixar de seguir a manada", desabafa Cruz. Paul Strassmann compara essa mentalidade à da corrida armamentista: "Se seu inimigo tem metralhadoras, você também tem que ter metralhadoras. Mas não são metralhadoras que ganham a guerra. São pessoas. Você só vence servindo os consumidores e gerando valor. Não imitando o que fazem os outros".

PIONEIRISMO

Ser original também tem seu preço. A rede varejista paulistana Cândia decidiu em 1991 ser a pioneira brasileira nos chamados pontos-de-venda informatizados, ou PDVs, os substitutos das tradicionais caixas registradoras. Na época, pagou-se caro por um produto que ainda não existia no mercado. "Foi uma loucura. Nem sei quanto gastamos", diz Álvaro Farana Filho, gerente de informática do Cândia. Deu retorno? "Ficamos conhecidos no mundo inteiro. Foi um marketing excepcional", afirma Farana. Quanto se lucrou com isso? Mistério. Hoje a rede, que faturou 320 milhões de reais em 1996, investe em 80 novos PDVs para sua loja no Morumbi. Cada um custa cerca de 5 000 reais. O modismo do momento: o caixa vai poder se comunicar por videoconferência e tirar dúvidas quando o código de barras de algum produto falhar. Isso pode até agilizar o atendimento. Só que a quantidade de produtos com código defeituoso, hoje inferior a 10%, só tende a diminuir. E a pequena câmera no equipamento pode se transformar apenas em um adorno inútil, sem gerar lucro algum. "Não se pode correr o risco de pioneirismo. Não vou ser boi de piranha. Melhor ir devagar na direção certa que correr muito na direção errada", diz Cruz, do Pão de Açúcar.

Há no fundo três grandes beneficiários do medo da concorrência e do espírito de manada que regem os ciclos de investimento tecnológico. Primeiro, os vendedores da tecnologia, sejam eles empresas de software, hardware ou serviços. Segundo, o departamento de informática dentro das próprias empresas, que se vê fortalecido politicamente por ter um maior orçamento e por estar "alavancando mudanças". Terceiro, as empresas de consultoria, que têm hoje pelo menos um terço de seu faturamento atrelado direta ou indiretamente à difusão de produtos tecnológicos. "Antes, o consultor era o cara independente que aconselhava o melhor negócio. Mas cada vez mais ele é chamado apenas como implementador de sistemas", diz Silvio Genesini, sócio-diretor da Andersen Consulting. A Andersen desempenhou um papel decisivo num dos casos de desperdício tecnológico mais célebres do país, o do antigo banco Bamerindus.

O banco se animou com o sucesso da primeira mesa de negócios totalmente digital do Brasil, inaugurada em 1992. A Andersen foi então contratada para implementar um plano de reengenharia, baseado em tecnologia da informação. Uma das metas era centralizar todo o processamento em Curitiba e, num período de dois anos, desligar os computadores de grande porte, os mainframes, substituindo-os por redes controladas por máquinas menores, os chamados servidores. Empresas indianas foram contratadas para produzir o software, usando técnicas avançadas para a época.

Em 1994, como pouco houvesse sido feito, o banco resolveu romper o contrato com a Andersen e fechar outro com a HP. A HP também não conseguiu finalizar a tarefa, pois, como ficou demonstrado, o processamento bancário até hoje não conseguiu se livrar do mainframe. O resultado: foram gastos quase 300 milhões de dólares em reformas de agências, compra de máquinas, caixas eletrônicos e desenvolvimento de software. "Superservidores da HP ficaram parados. Durante mais de um ano, os caixas eletrônicos da NCR ficaram no depósito esperando software novo. Todo o software acabou sendo jogado fora. Feitas as contas, uns 100 milhões de dólares foram para o lixo", conta um alto executivo de informática que participou do processo. O banco nunca conseguiu desativar todos os mainframes. Acabou indo à bancarrota.

O erro do Bamerindus foi ter ousado puxar a manada. Acabou sendo boi de piranha. Quando todos falavam que o mainframe estava condenado, acertou quem duvidou e esperou para ver. Foi o caso de instituições financeiras como o Bradesco ou o Real. "As novas tecnologias apenas colocam o mainframe como um grande servidor. Não podemos sobreviver sem um equipamento de alta potência", diz Adilson Herrero, diretor da Real Planejamento e Consultoria, empresa responsável pela infra-estrutura tecnológica do Real.

MODISMOS

Mas será que há como saber de antemão quando uma tecnologia vai dar certo? Quando inovar e quando esperar? Quando ser pioneiro e quando ser conservador? Não há resposta única. A habilidade de quem guia a área tecnológica está justamente em saber a hora de pisar no freio e no acelerador. Há empresas que se dão bem com estilo arrojado, adotando e propagando o modismo. Outras são bem-sucedidas por evitar sucumbir a eles.

"Muita gente é fascinada com investimentos em computadores. Nós pensamos o contrário", diz Sérgio Rubens Loeb, diretor industrial da Semp Toshiba. A empresa não tinha centro de processamento de dados até 1989. Quando se informatizou, já adotou uma rede de micros, em vez de um computador de grande porte. Só agora está pensando em trocar os programas de banco de dados que rodam no sistema Clipper, que, se não é jurássico como os mainframes, pode muito bem ser chamado de cretáceo. Dos cerca de 400 microcomputadores, poucos são os que rodam Windows 95. Há um ano e meio, a Semp começou a avaliar novos programas de bancos de dados e os chamados softwares de gestão, feitos por empresas como SAP e Baan. "Eles não vendem software, vendem um pacote com consultoria, cursos, manuais e monte de papel", diz Fábio Tancredi Tonelli, gerente de informática da empresa. "Não se oferece nem um módulo para importação que converse com o Sistema de Comércio Exterior da Receita Federal, fundamental para quem importa componentes."

De acordo com o senso comum, estão atrasados, perdendo o bonde, deixando de racionalizar os processos e de ser competitivos. Estão mesmo? Há quatro anos a Semp é considerada a melhor empresa do setor eletroeletrônico. No ano passado, foi eleita a empresa do ano por MELHORES & MAIORES, de EXAME, devido à sua competência nos negócios. Faturou quase 800 milhões de reais e deu 120 milhões de lucro. Em software, hardware e serviços de informática, gastou meros 490 000. Detalhe: Em 1996, a Semp também comprou a Lince, uma fábrica de -- adivinhe? -- computadores. "Nós não somos os donos da verdade. A inquietação interna com tecnologia é constante para que a gente também não coma poeira no futuro", diz Loeb. Em visita recente à empresa, executivos japoneses da Toshiba não fizeram nenhum reparo tecnológico.

O conservadorismo não é exclusividade da Semp, muito menos garantia de sucesso. A atacadista de alimentos Ceval, de Gaspar, em Santa Catarina, investe em tecnologia 1,5% do faturamento de 2,8 bilhões de reais. Tem uma rede de equipamentos espalhada por 45 cidades, e o custo é uma de suas maiores preocupações. "Não é porque sai um novo sistema ou software da Microsoft que trocamos tudo nas máquinas", diz Sergio da Costa, diretor de tecnologia. A idéia da Ceval é comprar software e hardware depois que a manada passou. "A vantagem é que sai baratinho", diz Ildemar Volles, gerente de tecnologia.

Esse raciocínio funciona muito bem na hora de atualizar máquinas e softwares que, no fundo, acabarão desempenhando a mesma função. Mas se torna discutível se estendido a tecnologias em ebulição como a Internet. "Apesar das pressões, só estamos estudando implantar uma intranet em 1998. Ainda está fora de cogitação processar informação e vender pela Internet", afirma Volles. Em vez disso, a Ceval está investindo cerca de 15 000 reais para implantar o sistema de transações eletrônicas conhecido como EDI, que começou a ser disseminado pelo país no final da década passada. A empresa já se conectou pelo sistema com 15 clientes. Hoje o EDI é mais barato, mas é grande o risco de que ele seja varrido do mapa ou absorvido pelas transações eletrônicas via Internet. "Talvez estejamos ultrapassados daqui a três anos", admite o próprio Costa.

Qual tecnologia é melhor: a nova (e cara) ou a velha (e barata)? "Sempre é possível esperar demais e perder o bonde. O segredo está em comprar o melhor possível, na hora da compra, e esperar períodos maiores entre as atualizações", disse a EXAME John Dvorak, colunista de revistas especializadas como INFORMÁTICA-EXAME. Muitas vezes, fazer a troca do equipamento é mais barato do que fechar um novo contrato de manutenção. "Acabados os três anos de garantia, comprar uma máquina nova equivale a uma garantia de mais três anos", diz Rudimar Dall'Onder, diretor industrial da Grendene. Um contrato de manutenção para um micro pode custar até 500 reais por ano. Trocar o equipamento, incluindo a manutenção na garantia, sai por 1 600.

CINGAPURA

Outra dúvida freqüente é até quando usar um micro. É comum, nos balanços, depreciar o equipamento em dois ou três anos. Mas há quem discorde. "Micro tem que durar pelo menos cinco anos e ponto final", diz Carlos Roberto Boschetti, diretor de tecnologia da informação da Volkswagen. "Executivo só quer tecnologia nova por causa do ego. Não dou mais notebook para nenhum deles." A última de Boschetti ficou conhecida na Volks como Projeto Cingapura. Muita gente pedia micros novos. Ele convidou então 60 executivos a vir ao escritório da empresa num sábado pela manhã, acompanhados de um filho e munidos de chave de fenda e pinça. Sorteou duplas de adultos e crianças, distribuiu a cada dupla um saquinho plástico com componentes eletrônicos, um conjunto de instruções e disse: "Virem-se, façam vocês mesmos o upgrade do micro". O resultado: com um investimento de 48 000 dólares, transformou o que era considerado sucata em 60 micros Pentium de 133 e 166 MHz.

Com o preço de hardware caindo 45% ao ano, para mainframes, e 6% ao mês, para PCs, o custo das máquinas parece ser o menor dos problemas para quem investe em tecnologia da informação. O problema real é como justificar gastos cada vez maiores, que crescem cerca de 20% ao ano no Brasil, sem que haja prova concreta de que os computadores aumentam a produtividade das empresas. O chamado paradoxo da produtividade, ou paradoxo dos computadores, tem encafifado economistas desde a década passada. Entre 1985 e 1995, tudo o que se gastou em tecnologia da informação deu um retorno pífio de 1% ao ano, de acordo com um estudo recente do Gartner Group. "Vemos os computadores em toda parte, menos nas estatísticas de produtividade", teria dito o Nobel de economia Robert Solow, do Massachusetts Institute of Technology, que inaugurou a discussão sobre o assunto.

Aluno de Solow no MIT, Paul Strassmann afirma que é impossível fugir ao paradoxo: "Calculei estatísticas de todas as formas possíveis. Elas sempre mostram um paradoxo com computadores." Medir o efeito dos computadores na produtividade não é trivial. Questionados sobre como avaliar o lucro gerado pelos investimentos em tecnologia, todos os executivos de informática se confundem. "Investir em tecnologia é um pouco de aposta. Se tu descobrires como calcular o retorno exato, me conta", diz Rudimar Dall'Onder, da Grendene.

RETORNO

Feeling é a palavra mais usada quando se pede um método que simplesmente permita contabilizar em reais um investimento feito em reais. "Nosso maior retorno é a satisfação do cliente. Só seria viável fazer as contas na ponta do lápis se houvesse maior precisão de informações", diz Aluízio Borges, diretor executivo do Bradesco.

Sim. Satisfazer melhor o cliente é o mínimo que se exige de qualquer negócio. O Bradesco é o tipo da instituição que pode se dar ao luxo do pioneirismo e de gastar 190 milhões de reais em tecnologia da informação. (Esse gasto não chegou a 25% do lucro do banco no ano passado, um valor modesto se comparado a bancos como o Real, que gastou 30% do lucro, ou o Citibank, que gastou 40%). O Bradesco também pode se dar ao luxo de ser o primeiro banco a oferecer transações pela Internet, ou de fazer experiências com cartões inteligentes. "Essas são coisas que eu usaria como cliente -- e isso é importante na hora de decidir. A análise de custos só serve para a gente dizer não a um projeto. Para o sim, não basta", diz Borges. Vá lá. Afinal, baseado nesse tipo de raciocínio, o banco conseguiu antever o sucesso que fariam os caixas eletrônicos e montar a maior rede de auto-atendimento do país. Hoje, essa rede é responsável por 61% das transações. Mas não deixa de causar espanto que o banco que mais lucra no Brasil não consiga demonstrar, na ponta do lápis, por que os computadores trazem lucros.

Alguém consegue?

Há algumas tentativas. Num depósito do Pão de Açúcar, por exemplo, cada homem movimentava 40 caixas em uma hora. Nos EUA, esse número chegava a 150. Depois de viajar ao Canadá e trazer de lá um sistema mais racional de trabalho, que incluiu a informatização, o chefe do depósito diz já movimentar 120 caixas e quer chegar a 180. Mas será que só a tecnologia foi responsável pela mudança? Não. O método de trabalho no depósito estava errado. Para a coisa começar a funcionar melhor, o essencial foi adotar duas docas e rearranjar as caixas. Isso poderia ter sido feito sem nenhum computador. Seria um erro grosseiro atribuir apenas à tecnologia o retorno sobre algo que poderia ser melhorado sem ela. O único número que faz relação direta entre tecnologia e lucro é o índice de quebras (mercadorias estragadas, com prazo vencido ou furtadas). Caiu de 5% para 2,9% desde que foram instalados os sistemas de controle de estoque. Esses 2,1% de diferença equivalem a 50% do lucro do supermercado, ou 60 milhões de dólares. Mas é duvidoso que todo o crédito desse resultado caiba à tecnologia.

Paul Strassmann acredita que, bem administrado, o computador pode ser uma arma crucial nos negócios: "Ele é a invenção mais maravilhosa desde a descoberta do fogo". Strassmann também tem seus métodos para avaliar a produtividade. Fez um estudo com 183 empresas em vários setores, analisando índices do que chama produtividade da informação, conceito que pretende explorar em um próximo livro. Suas conclusões, embora não sejam definitivas, dão uma pista de onde pode estar o desperdício com computadores:

Surpreso?

Não deveria. O custo dos computadores pessoais se tornou uma das maiores preocupações entre os executivos. Se você ainda pensa que, instalando um micro, está proporcionando aos seus funcionários uma ferramenta de produtividade, acorde. Você pode estar apenas criando mais um centro de custos. Em 1993, um estudo de Peter Sassone, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, mostrou que, entre 1.700 usuários em várias empresas, o computador mais reduzia do que aumentava a produtividade. O Gartner Group estima que 70% dos projetos de tecnologia da informação não trouxeram retorno justamente por falhas na integração com os funcionários.

TEMPO PERDIDO

O motivo mais curioso é conhecido em inglês como futzing. Trata-se do tempo perdido em atividades que não existiriam se não fossem os computadores: Esperar programas rodarem, relatórios serem impressos, formatar documentos, aprender a usar novos softwares, discutir problemas de computador com os colegas e até apagar e organizar velhos arquivos. A empresa Minnesota Mining & Manufacturing descobriu que 30% de seus usuários de PC perdem dados anualmente e que, em média, eles levam uma semana por ano para recuperá-los. Cada funcionário perde pelo menos cinco horas semanais em problemas informáticos sem relação com o trabalho, de acordo com uma pesquisa com 6.000 pessoas realizada pela SBT Accounting Systems. O futzing custaria entre 737 e 5.206 dólares por computador. Já o Gartner Group estima que sejam perdidos anualmente 26 milhões de horas de trabalho, ou mais de 750 milhões de dólares, só com videogames. Sem contar a Internet.

Há hoje no mundo cerca de 200 milhões de PCs. No ano 2000, prevê-se que sejam vendidos 117 milhões. A maior incógnita é quanto custa manter cada um deles. O custo de propriedade não envolve apenas o hardware, mas tudo o que está associado à máquina, desde a manutenção até o futzing. Strassmann diz ter listado cerca de 30 possíveis fontes de gastos para cada máquina. Mas também não tem uma resposta concreta. Escreve ele: "Em 1996, a Fortune avaliou o custo médio de propriedade de um PC em mais de 9 000 dólares, The Economist em 6 400, o The New York Times em 13 000, a Business Week em 8 000 e a Datamation em 10 543. O Gartner avalia entre 7 138 e 13 000, dependendo de quem faz a pergunta. Manter um terminal de computador central nunca custou mais de 3.000".

Se você estimar o custo de propriedade de um PC em, digamos, 9 500 dólares, nada mais razoável que exigir dele um aumento equivalente na produtividade do funcionário. Em vez de fazer esse tipo de cálculo antes da compra, as empresas americanas têm despejado em média 4.970 dólares anuais por funcionário em tecnologia da informação, gasto só ultrapassado pelos custos de saúde, pensão e benefícios. E esse número cresceu 63,6% desde 1994, sem que haja sombra de aumento equivalente na produtividade. Algumas outras contas podem ser feitas. Considerando toda a sua vida útil, um PC custa cerca de 38 centavos de dólar por cada hora de uso. Mas a pessoa que está sentada diante dele custa no mínimo 40 dólares pela mesma hora. Ou seja: cada minuto que a máquina fica parada impedindo que um funcionário trabalhe direito custa à empresa mais de uma hora que ela fica ligada. Manutenção e treinamento eficientes são, portanto, indispensáveis.

REDES DE DESPERDÍCIO

A difusão das redes de microcomputadores parece ser a grande responsável pelos custos galopantes. "O mundo da computação distribuída é o mundo do desperdício", afirma Antônio Candal, gerente-geral da Platinum do Brasil. O detalhe é que, até 1990, Candal era um dos maiores advogados do uso dessas redes. Em 1991, percebeu que, com a descentralização, elas traziam muito mais problemas que soluções. Uma pesquisa da Information Week revelou que 53% dos projetos de redes de micros, em 125 empresas, estavam fora do prazo, fora do orçamento e com menos recursos do que o especificado. Um terço deles foi cancelado. Você voaria numa companhia aérea em que 53% dos vôos não chegam ao destino ou chegam atrasados?

No Brasil, estima-se que o número de insucessos na migração para redes controladas pelo sistema Windows NT é duas vezes maior que o número de sucessos. O Gartner Group avalia que, ao longo de cinco anos, uma rede de micros para 5.000 usuários é 70% mais cara que a mesma rede controlada por um mainframe (são 241 milhões de dólares, contra 141 milhões). O pior é que, diz o Gartner, 57% do custo de um PC em rede não aparece no orçamento de tecnologia. Faz parte dos chamados custos invisíveis.

Um exemplo: a Volkswagen, que gasta anualmente cerca de 80 milhões de dólares em tecnologia da informação, resolveu há cerca de um ano e meio avaliar quanto desperdiçava de papel. Que desperdiçava, era evidente. Feitas as contas, chegou-se à conclusão de que a empresa gastava 228 toneladas por ano no Centro de Processamento de Dados. Eram 75 milhões de páginas, ou 1,66 milhão de dólares. O preço de 100 automóveis Gol zero-quilômetro, num modelo mediano. Cerca de 80% desse gasto era desperdício. Era como se, todo mês, mais de meia dúzia de Gols saísse direto da linha de montagem para a lata de lixo. A montadora fechou um contrato de terceirização com a Xerox, pelo qual substituiu todas as máquinas, racionalizou o uso de papel e cortou os gastos com impressão em 74%. O desperdício de papel caiu para 1 tonelada.

Outro custo invisível que poucos se lembram de atribuir à tecnologia são as comunicações. Em um estudo com 183 empresas de vários setores, Strassmann descobriu que metade delas gasta mais de 26% do orçamento de tecnologia da informação em telecomunicações. Na Volks, a conta do telefone em fevereiro foi de 708 milhões de reais. Desse total, não há como controlar mais de 340 milhões, pois as ligações são feitas de centrais antigas. Para monitorar o restante, foi implantado um tarifador digital no PABX. Cada funcionário tem uma senha e é obrigado a identificar, por meio do último dígito discado, se a ligação é pessoal ou profissional. Com isso, conseguiu-se cortar os custos de telefonia de mais de 17 reais por carro produzido, em dezembro, para pouco mais de 13 reais, em fevereiro, preço equivalente ao da mangueirinha que liga o carburador ao motor. "Absorvemos quase totalmente os aumentos nas tarifas", afirma Boschetti, diretor da Volks.

LIÇÕES

Paul Strassmann afirma que a única coisa que tem uma nítida relação com os investimentos em computadores é a sobrecarga em gastos administrativos. As despesas gerais causadas por computadores cresceram 48% entre 1988 e 1994. (No mesmo período, faturamento e lucro cresceram cerca de 30%.) Cada dólar gasto na administração consome entre 15 e 25 centavos em despesas com computadores. Strassmann afirma que é muito difícil estimar quanto os custos invisíveis representam dos gastos em tecnologia, mas ele estima que, para metade das 142 empresas nas quais estudou esse aspecto, eles sejam mais de 15%, dentro e fora da área de informática.

Uma das maiores causas do desperdício acaba sendo, segundo o pesquisador, o software que é escrito e reescrito várias vezes. A idade média dos programas que rodam em uma grande empresa vai de 6 a 8 anos. Para Strassmann, todo software, se bem feito, pode ser perene. Quem planeja deve pensar no longo prazo, no mínimo em 20 anos adiante. Mas, como a maioria dos responsáveis pela área de informática fica pouco tempo no cargo (nos Estados Unidos, uma média de três anos), não há preocupação em produzir um software durável. Resultado: tudo tem que ser feito e refeito. O problema que vai afetar os computadores com a chegada do ano 2000 é apenas um exemplo disso. Outra fonte de despesas são as constantes atualizações de pacotes de software e sistemas operacionais. Só a atualização para Windows 95 custaria para a economia americana cerca de 20 bilhões de dólares, segundo estimativa publicada em 1994 pela revista Forbes.

Das mais de 400 páginas do livro de Strassmann, sobram algumas lições. Primeiro, que não se deve comprar tecnologia apenas porque os concorrentes estão comprando. Segundo, que se deve duvidar de métodos falhos usados pelas consultorias e empresas de serviço para calcular retorno sobre investimentos. "Sempre é possível demonstrar que o computador acelera algum processo, mas nem sempre isso reverte em benefício para o consumidor ou para o acionista", diz Strassmann. Ninguém precisa de uma Ferrari ou de um Porsche para se deslocar no trânsito paulistano. Um carro menos possante pode ser menos exuberante, mas tem a mesma eficácia. Com computadores, diz o pesquisador, vale a mesma lógica. O melhor é o que faz bem, não o que faz melhor. Como a máquina não é cavalo dado, é bom olhar os dentes.

NA DÚVIDA, NÃO GASTE

Outras dicas para evitar o espírito de manada. Há apenas duas justificativas racionais para investir em tecnologia da informação. A primeira é aumentar vendas e lucros. A segunda é prestar um serviço melhor ao consumidor final. Abaixo, recomendações que ajudam a chegar mais perto desses objetivos: