Não é um negócio
da China, é um negócio da Nigéria. É o famoso golpe 4-1-9, o equivalente
nigeriano do 171 brasileiro: estelionato, conto do vigário. O nome
atribuído a esse golpe é muito sugestivo: AFF - advance fee fraud,
a fraude da antecipação de pagamentos.
Segundo a página
Nigerian Scam / Quatloos o golpe 4-1-9, o "419 scam" é a
terceira maior fonte de renda da Nigéria.
Esse golpe,
surgido pela metade da década de 80, goza de uma certa se não simpatia por
parte dos agentes do governo, pelo menos de uma compreensão bastante
peculiar de modo que a ação contra os vigaristas nigerianos é praticamente
inexistente. Parece algo como o "combate" ao jogo do bicho no Brasil, uma
contravenção consentida.
Segundo a polícia
britânica, mais de 3.000 cartas são distribuídas todas as semanas propondo
o golpe 4-1-9. Não há estimativas quanto à quantidade de e-mails enviados
propondo o mesmo negócio.
Uma das
características desse golpe é o baixo "investimento" necessário para
aplicá-lo. No passado, para reduzir os custos, chegavam até mesmo a
falsificar selos dos correios da Inglaterra.
Hoje, basta um
microcomputador e uma conta num provedor. Os e-mails podem ser comprados a
um desses spammers que fornecem milhões de endereços eletrônicos para a
prática de spam. Um desses spammers brasileiros, por exemplo, vende lista
com 26,8 milhões de e-mails por 60 reais.
O fato é que todas
as semanas chegam, à Nigéria, vítimas com a intenção de botar a mão em
alguns milhões de dólares e todas elas estão com a esperança de entrar num
suposto esquema de fraude contra o governo nigeriano, contra a empresa de
petróleo, a Nigerian National Petroleum Corporation - NNPC ou contra
ex-funcionários corruptos do antigo regime militar deposto em 1998.
A banda podre do
governo vê esses visitantes como gente a ser depenada. A banda saudável vê
essas vítimas como espertalhões em busca de dinheiro fácil. A vítima, o
esperto que pretende iludir e enganar os pobres e subdesenvolvidos
nigerianos fica entre a cruz e caldeirinha. E uma vez consumado o golpe,
na maioria das vezes, ele não vai prestar queixa nem passar recibo de
otário. Tem de assumir o prejuízo, ficar calado e ponto final.
São tantos os
golpes financeiros originados da Nigéria que existem páginas da web
especializadas em analisar as suas diversas facetas. O sítio
Financial & Tax Fraud-- Education Associates / Quatloos apresenta mais
de cem diferentes modelos de cartas e de mensagens enviadas a vítimas em
potencial do mundo todo.
No texto
Tips
for Business Travelers to Nigeria ou Dicas para Viagens de
Negócios à Nigéria encontram-se recomendações para os viajantes que
pretendem ir para esse país. Nenhum outro país é "beneficiado" com tantos
alertas.
Agências
governamentais norte-americanas estimam em várias centenas de milhões de
dólares os prejuízos causados aos seus cidadãos. Há quem fale em 2 bilhões
de dólares por ano. Vale levar em conta que uma parte significativa das
vítimas não apresenta queixas nem comunica a fraude com receio de passar
pelo ridículo, de se expor ao vexame de ter caído num golpe de certa forma
bastante primário.
Segundo
Truth or Fiction, em 2001 pelo menos 2.600 americanos perderam
dinheiro com esse golpe. Dezesseis dessas vítimas perderam mais de 300 mil
dólares cada uma.
David Lazarus,
colunista do San Francisco Chronicle diz, em seu artigo
Greed fuels big Internet scam (12-jan-2003), que o serviço secreto dos
EUA (USSS) rastreou 85,5 milhões de dólares perdidos por americanos
durante o ano de 2002. Essa é apenas uma parcela do valor levado pelos
autores do golpe, pois, para o USSS, muita gente não abre o bico depois de
cair na esparrela.
Cada uma das
vítimas cujos nomes chegaram ao conhecimento do USSS perdeu, em média, 342
mil dólares.
Sanni Abacha, o
mais brutal, corrupto e sanguinário general-ditador africano é mencionado
em várias mensagens. Abacha morreu em junho de 1998. (Ele nem teve direito
a umas férias em Londres ;<(((
O montante roubado
pelo general é estimado em mais de quatro bilhões de dólares, boa
parte desviada para bancos suíços e norte-americanos. É uma parcela desse
dinheiro roubado que os vigaristas prometem aos destinatários das
mensagens.
Outras mensagens
falam em Johnny Paul Koroma, chefe da junta militar que governou Serra
Leoa entre maio de 1997 e fevereiro de 1998.
Em minha caixa de
correio estão algumas mensagens propondo negócios milionários. A primeira
delas é bem persuasiva.
"Eu sou
Mrs. Mariam Abacha, viúva do general Abacha ex-chefe do governo
militar da Nigéria, diz a mensagem. Há pouco tempo, o atual governo
nigeriano descobriu, num banco suíço, a soma de 700 milhões de dólares e
mais 450 milhões de marcos alemães. Desse montante, consegui liberar,
secretamente, 28,6 milhões de dólares e esse dinheiro encontra-se em
segurança. Preciso, urgentemente, de sua ajuda para transferir os 28,6
milhões de dólares para o seu país onde, acredito, ele estará em
segurança. Meu advogado providenciará um encontro com o senhor, fora da
Nigéria, e lhe entregará os recibos de remessa da bagagem contendo o
dinheiro para que o senhor possa liberá-la na empresa aérea. O senhor
receberá 30 % do valor total e o restante do dinheiro ficará sob os seus
cuidados até que o atual governo nigeriano me dê alguma liberdade de
movimento."
Em
outra versão, a viúva Alhaja Mariam Abacha afirma haver obtido o nome
do destinatário da mensagem na agenda de endereços do marido dela.
"É com o
coração cheio de lágrimas que peço a sua ajuda neste momento de pesar.
Falsas alegações de assassinato de alguns políticos e de defensores da
democracia, acusações de roubo de dinheiro público foram lançadas contra o
meu marido. Como consequência, nossos bens e a nossa conta bancária foram
confiscados nos deixando sem meios de sobrevivência."
Ela conseguiu
recuperar apenas 60 milhões de dólares enviados para Ghana logo
após a morte do general. É esse dinheiro que ela vai transferir para o
país do destinatário da mensagem. Como recompensa por sua ajuda, o
destinatário e parceiro receberá 10 milhões de dólares. Esse assunto deve
ser tratado sob sigilo absoluto através do e-mail do advogado da madame. E
a pobre e triste viúva finaliza: "Garanto que não há riscos envolvidos
nessa transação e que Alá o abençoe."
O
Dr. Hassan Abubaka promete participação no butim do general Abacha
contando com a colaboração de Mrs. Maryam Haddiya Abacha, esposa do
general. A mensagem diz que a pobre viúva dispõe de 31,5 milhões de
dólares e precisa da sua ajuda, da ajuda do destinatário da mensagem. Uma
pequena ajuda: tudo o que escolhido tem de fazer é dispor de uma conta
corrente para onde o autor do golpe possa transferir os 31,5 milhões de
dólares. O dinheiro encontra-se em segurança e logo o escolhido vai poder
contar com uma generosa comissão a título de reconhecimento pelos serviços
prestados.
Fash
Badmus está com um pequeno problema e precisa de ajuda. Ele dispõe de
45,5 milhões de dólares, uma ínfima parcela dos 4,5 bilhões dólares
roubados pelo general Abacha. Esses 45,5 milhões correspondem ao primeiro
negócio para que eles, os vigaristas e a vítima, possam ganhar confiança
mútua.
"Eu sou
Rasaq Mustapha filho do Major Hamza Al Mustapha antigo Chief Security
Officer do General Sanni Abacha" diz outra mensagem. "Eu e minha
mãe concordamos em lhe pagar uma comissão de 30% e mais 5 % para despesas
diversas sobre o montante de 35 milhões de dólares. Esse dinheiro
encontra-se nos Estados Unidos para onde foi enviado clandestinamente.
Tudo o que você tem de fazer é nos enviar dados detalhados do seu
passaporte, seu endereço completo para onde as chaves das caixas com o
dinheiro serão enviadas via DHL, seus números de telefone e de fax. Eu,
(Rasaq) e minha mãe lhe enviaremos os recibos de envio das caixas, a senha
do código de segurança (password), o certificado de depósito, o termo de
compromisso entre o meu pai e a empresa de guarda das caixas e as chaves
das caixas."
NIGERIAN NATIONAL
PETROLEUM CORPORATION. FEDERAL SECRETARIAT, FALOMO - LAGOS, NIGERIA. TEL:
234-1-775-6839 FAX: 234-1759-6668. É o Dr.
Adams Dagogo quem assina a mensagem. Ele se apresenta como Diretor de
Engenharia & Projeto da Nigerian National Petroleum Corporation (NNPC) e
precisa da ajuda do destinatário da mensagem para transferir 41,5 milhões
de dólares. Ele fez um belo contrato para compra de computadores e mais
assistência técnica envolvendo o Y2K, o bug do milênio. O valor original
do contrato era de 105,5 milhões de dólares, mas ele obteve melhores
preços com os búlgaros de modo que o custo total foi de apenas 64 milhões
de dólares. O troco, os 41,5 milhões, ele vai dividir com um felizardo
colaborador.
Prince
Vom Tete conta com você. Não dá pra saber se Prince é nome próprio ou
se o rapaz é membro da realeza. Qualquer uma realeza, porque isso não vai
fazer diferença alguma, pois o destinatário da mensagem sairá lesado do
mesmo jeito se entrar nessa. De qualquer forma, o valor da proposta é tão
ridículo que eu me recuso a fazer maiores comentários. Ele dispõe de
apenas 15,4 milhões de dólares. Uma mixaria. O fato é que um chinês de
Taiwan já levou 7,5 milhões de dólares e não deu mais notícias. Até agora
os valores eram bem mais interessantes: 41,5 milhões, 45 milhões, 35
milhões isso sem falar no aceno dos 4,5 bilhões do Fash Badmus. (Veja que
Sua Alteza Real deixa no ar uma vaga possibilidade de o destinatário da
mensagem também aplicar nele o mesmo golpe que lhe foi aplicado pelo
chinês: receber a grana e dar no pé.)
O próximo.
Alhaji
Akimola Bayo fala de dinheiro grande: 66,56 milhões de dólares. Foi
isso que ele e a turma dele descobriram que estava disponível numa "suspense
account". Quer dizer, depois de pagarem todas as contas houve uma
sobra de caixa, algo como uma generosa sobra de campanha tão conhecida por
aqui. Você participa e ganha 25 % e mais 5 % para despesas contingenciais.
O
Dr. Tom Awakk, médico e confidente da viúva Abacha, fala de 65 milhões
de dólares e paga comissão de 40 % para você participar do golpe. A
história é quase a mesma. A pobre viúva do general Abacha está com essa
dinheirama, não sabe o que fazer com 65 milhões de dólares e tem certeza
de que você é uma pessoa de bem, uma pessoa honesta e de confiança. Por
isso, ela conta com você para transferir esse dinheiro para a sua conta
bancária.
Alfred
Johnson, funcionário da NNPC - a empresa estatal de petróleo da
Nigéria tem a receber uma comissão de 10 % sobre um contrato de U$ 350
milhões de dólares. O dinheiro está pronto para ser depositado, mas há um
problema: Mr. Johnson não tem conta corrente em banco no exterior, quer
dizer, não tem conta fora da Nigéria. Ele apela para os préstimos do
destinatário da mensagem no sentido de aceitar que ele deposite em sua
conta essa dinheirama: os U$ 35 milhões de dólares.
Logo após a morte
do general Sani Abacha, diz outra mensagem, o novo governo da Nigéria
descobriu 580 milhões de dólares em vários bancos pelo mundo a fora,
dinheiro resultante de negócios com petróleo. Desse montante, U$
21.373.000,00 foram recuperados pela viúva do general, a senhora Maryam
Abacha. Devido a uma situação de extrema urgência, a senhora viúva deseja
transferir para fora da Nigéria esse dinheiro a ser depositado na conta
corrente de uma pessoa compreensiva e de confiança: você, o destinatário
da mensagem. Como retribuição por tão amável serviço, o destinatário da
mensagem será recompensado com 20 % do total: exatos U$ 4.274.600,00. É o
que assegura
Wase Kabiru signatário da mensagem e procurador da viúva.
O
Dr. Alli Katsina diz que o nome, ou melhor, o e-mail do destinatário
foi indicado a ele por um funcionário da Câmara de Comércio da Nigéria
que, por sua vez, nada sabe da natureza da proposta contida na mensagem. O
funcionário sabe apenas que o Dr. Katsina tem algum dinheiro para investir
no exterior e, por isso, ele indicou o e-mail do destinatário: você. São
U$ 25 milhões, dos quais você recebe 30 %: 7,5 milhões de dólares como
retribuição pelos serviços prestados. Tudo deve se resolver em catorze
dias úteis.
Mr.
Joseph Nelson é filho de um colaborador do Major Johnny Paul Koroma de
Serra Leoa. Ele fala de 20,6 milhões de dólares originados de negócios com
diamantes, a principal fonte de recursos do país, e que pertenciam a
Johnny Paul Koroma. A mensagem não esclarece como o dinheiro foi cair nas
mãos do pai de Mr. Nelson, morto poucos meses depois de chegar ao exílio
na África do Sul. Único herdeiro dessa fortuna, guardada em segurança na
África do Sul, Mr. Nelson vai pagar ao destinatário da mensagem 20 % dos
U$ 20,6 M (4,12 milhões de dólares) e mais 5 % para despesas gerais
durante as negociações. Ele pede a maior discrição no trato do negócio
devido à posição do pai dele e da origem do dinheiro.
David
Wazing diz que Gene Billings, um americano morto no
acidente da
EgyptAir em outubro de 1999, deixou 10,5 milhões de dólares numa conta
do Eco Bank da Nigéria. Depois de pesquisar, sem sucesso, a respeito de
parentes herdeiros do acidentado, Mr. Wazing agora quer transferir os 10,5
milhões para fora da Nigéria antes que o banco fique com o dinheiro todo
para si.
Isa
Mbeki é representante de um grupo de funcionários interessados em
importar bens produzidos no país da vítima. A história é a mesma de
sempre: dinheiro roubado para pagar as importações, 20% de comissão para o
parceiro.
O dia 21 de abril
de 1999 foi um dia nefasto, como dizem os horóscopos. Ou um dia de grandes
oportunidades para os vigaristas. Nesse dia, teriam ocorrido 3 acidentes
de carro. Em cada um dos acidentes, morreram um casal e os respectivos
filhos. Coincidentemente, os 3 homens mortos, George Zilli, Kenneth
Evangelista e Pedro M. Coimbra trabalhavam no mesmo tipo de negócio ou
empresa: Shell-development Company e todos eles deixaram heranças
valiosas. Os valores oscilam entre 5,2 e 26 milhões de dólares.
George Udumego, Oscar Prince e John Obika bem que se esforçaram para
encontrar os herdeiros, mas não conseguiram. Como o destinatário da
mensagem tem o mesmo sobrenome da vítima do acidente, o barrister
pode arranjar para que ele, o destinatário, se passe como parente do
desditado morto e receba a polpuda herança.
Sodindo
Malinga do Zimbábue dispõe de 8,6 milhões de dólares para a transação.
Comparando com as demais ofertas, é pouco dinheiro. Além disso, ele é um
pão duro e oferece apenas 10 % de comissão.
Mr.
George M. Erim quer a sua ajuda para desovar 35 milhões de dólares.
Paga comissão de 30 % e blá, blá, blá...
Outra mensagem tem os dados do remetente removidos.
Alguns vigaristas
até que são espirituosos. Um deles é Mr.
Fortune Musa, ou seja 'musa da fortuna'. Ele é gerente do Nigerian
Development Bank, Lagos, Nigéria e pede que o destinatário se apresente
como parente de Mr. Steve Lin Chen, morto em acidente de carro. São 27,5
milhões de dólares deixados pelo falecido. Comissão de 30% mais 5% para
despesas gerais.
Em princípios de
2003, começou a circular mensagem assinada por
Lois Estrada que se diz mulher do ex-presidente filipino Joseph
Estrada defenestrado por corrupção em janeiro de 2001. A conversa é a de
sempre: dinheiro obtido de forma ilegal que se pretende compartilhar com
um comparsa de outro país.
Uma mensagem bem
curiosa é enviada por
Charles Kalu, um golpista principiante e meio trapalhão. Logo no
início, ele diz
MY NAME IS ,
e se esquece de completar o nome. Quando vai revelar a
quantidade de dinheiro disponível, veja só os valores:
I DISCOVERED THAT MY BRANCH IN WHICH I AM THE MANAGER MADE
SIX HUNDRED AND EIGHTY THOUSAND US DOLLARS
($750,000.00)
Além de ser pouco
dinheiro para os padrões do golpe, ele não sabe escrever o valor. E
esquece o próprio nome.
Uma variante que
atrai muitos incautos é a proposta de doação de dinheiro para uma igreja
ou obras de caridade.
Mrs.
Sarah Rowland, uma viúva muito religiosa, descobriu estar com câncer e
só tem mais 3 meses de vida. Sem filhos nem herdeiros, pretende doar 27,6
milhões de dólares para uma igreja ou pessoa que se disponha a usar essa
bela fortuna em orfanatos e outras obras de caridade. Ela não informa o
número do telefone dela com receio de que os parentes do falecido marido
saibam alguma coisa sobre o dinheiro, pois sempre há um deles por perto.
Uma versão diz que
Mrs. Sarah Rowland mora na Malásia. Em outra versão, ela se apresenta como
viúva do Dr. Alan George Rowland, ex-funcionário da embaixada nigeriana na
África do Sul. Mrs. Sarah Rowland também se apresenta como viúva do mesmo
Dr. Alan George Rowland, mas um ex-funcionário da embaixada da Malásia na
África do Sul.
São muitas,
algumas centenas, as mensagens contando histórias parecidas. O que
existe em comum entre elas é:
- há milhões de dólares disponíveis para dividir com
a vítima. Os valores mencionados oscilam de 8 a 700 milhões de
dólares. Às vezes, menciona-se o marco alemão e há mensagens falando
em diamantes e em centenas de quilos de ouro. O diamante ou o ouro
será vendido ao destinatário por um preço bem menor do que o preço
praticado nas bolsas européias;
- a origem do dinheiro, dos diamantes ou do ouro é
sempre duvidosa e para dar credibilidade a essa origem é mencionado o
nome de um conhecido ditador-ladrão, o general Abacha, da esposa dele,
do filho do ditador, do filho de um colaborador do ditador, do médico
e confidente da viúva do ditador. Há, também, os casos em que se
apresenta um burocrata corrupto, suposto funcionário ou diretor de uma
empresa como a NNPC - a estatal nigeriana do petróleo. Nesses casos
ele, o remetente, faz questão de deixar clara a forma de obtenção do
dinheiro: sobra de pagamentos efetuados, comissões pagas "por fora",
investimentos não reclamados por parentes;
- há notícias de que já estariam circulando mensagens
em nome de Saddan Hussein prometendo muito dinheiro em troca de um
lugar seguro para guardar o dinheiro roubado do povo iraquiano. (Vale
lembrar que o ditador Hussein foi conduzido ao cargo com o apoio da
CIA. Mas isso aí já é outro golpe. :))
- o dinheiro pode ser transferido de um banco suíço,
de um país escandinavo, da Nigéria, de Ghana ou de outro país africano
para a conta corrente do destinatário da mensagem no Brasil ou no
exterior. O dinheiro pode ser investido em imóveis, em indústrias ou
no setor financeiro;
- o negócio é ilegal, o remetente deixa isso bem
claro;
- você é uma pessoa de confiança, uma pessoa honesta.
Se não o fosse, por que ele, o vigarista, iria lhe confiar 30 ou 40
milhões de dólares? Como ele, o nigeriano, sabe disso, como ele sabe
se você é honesto? Você não tem dúvida de própria sua honestidade,
tem?
- pede-se sigilo absoluto. É claro que você não vai
botar a boca no trombone e bancar o trouxa. O dinheiro vai ser seu
e não tem por que você sair contando pra todo mundo que você foi O
eleito;
- há uma certa urgência nas negociações. Não se pode
perder muito tempo: time is money. Há mensagens falando em
quatro dias úteis para a entrega do dinheiro. Outras, apresentam um
prazo mais dilatado, mas sempre num horizonte de duas ou três semanas.
O remetente deixa claro que, em poucos dias, o felizardo pode ficar
milionário sem fazer nada;
- a vítima deve fornecer uma série de dados pessoais
como telefones, endereços, conta bancária e cópia do passaporte;
- o dinheiro será depositado na conta corrente da
vítima ou na conta corrente da sua empresa e lá ficará guardado até
que o remetente solicite a liberação dele. Fica implícita a
possibilidade de a vítima, o dono da conta, ficar com dinheiro todo,
não devolvê-lo na hora solicitada;
- a mensagem contendo a proposta é, quase sempre,
originada de um serviço gratuito de mensagens, geralmente Hotmail ou
Yahoo! Isso dificulta o rastreamento da origem dela. (Se esses
provedores forem informados do uso dos serviços para essa fraude, eles
cancelam a conta. O vigarista, no entanto, pode abrir outra conta com
um nome diferente e continuar os "serviços".)
Bom, mas e
depois? O que acontece em seguida, após as negociações preliminares, a
partir do momento em que a vítima concorda em participar do esquema? Aí
é onde a porca torce o rabo.
A vítima será
informada da ocorrência de um pequeno obstáculo, mas isso não é nada e
logo ele será resolvido. Algumas despesas têm de ser cobertas
imediatamente, houve uns contratempos que exigem um pagamento rápido sob
pena de o negócio não se realizar.
Basta a vítima
antecipar algum dinheiro para despesas inadiáveis e indispensáveis como
propinas, emolumentos, incentivos, taxas e despesas burocráticas. De
início, são despesas pequenas, mas logo o valor vai aumentando. Algumas
vítimas fazem a transferência on line dessa parcela inicial sem
se dar ao trabalho de obter maiores informações sobre a transação.
Veja um pedido
de
adiantamento para cobrir despesas.
Outro
documento informa que a vítima tem de pagar 7.500 dólares a um
advogado. Para o advogado iniciar os serviços de liberação do dinheiro,
o parceiro deve pagar a metade dos honorários: U$3.750.
Mais um 'documento':
Certificate of Deposit 'emitido' pelo Offshore Payment Center
London.
Vale notar que o
remetente, a viúva, o herdeiro ou o suposto funcionário está com pressa.
O dinheiro se tornou disponível "há pouco tempo" e ele ou ela está
precisando dele. Providências urgentes e imediatas devem ser tomadas
para a operação de transferência.
Há quem aceite o
convite para ir à Nigéria. Há casos em que os golpistas recomendam ao
parceiro não solicitar o visto no passaporte, pois amigos irão recebê-lo
no aeroporto e resolver o assunto com as autoridades da imigração. Aí o
parceiro torna-se uma vítima ainda mais fácil: sem o visto no passaporte
ou sem a anotação de entrada ele é um estrangeiro ilegal. O pato é
facilmente depenado.
Ao chegar à
Nigéria, o parceiro é envolvido num esquema de visitas a repartições do
governo, escritórios especializados em intermediações e em
transferências de dinheiro, visitas a autoridades do governo. Essas
autoridades, repartições e escritórios tanto podem ser reais, de
funcionários do governo envolvidos na fraude, como de escritórios e
funcionários de mentirinha, de fachada.
Os mais
desconfiados, os que se recusam a ir até a Nigéria podem ir para um país
neutro, outro país africano ou mesmo algum país da Europa.
Um dos contactos
pede para a vítima ir até o Canadá, pois parte do dinheiro encontra-se
na cidade de Toronto e outra parte em Quebec. O dinheiro não pôde ser
enviado para os Estados Unidos devido ao ataque de "Usman" Bin Laden no
dia 11 de setembro de 2001. É que a partir de setembro desse ano, os
Estados Unidos estão rastreando a origem de somas superiores a 10 mil
dólares.
O fato é que em
um determinado momento o parceiro, a vítima vai ser convidada a cobrir
várias despesas, nada muito significativo se comparado ao valor em jogo,
os 5, 30 ou 60 milhões de dólares sonhados por ela.
E o pior, ou
melhor, conforme o ponto de vista é que todos os dias aparecem pessoas
caindo nessa conversa. Eles pagam pra ver e vão botando dinheiro bom em
cima de dinheiro ruim como se diz. Uma taxa, alguns emolumentos, mais
uma extorsão, um suborno, uma gorjeta, uma gratificação, mais um
incentivo e uma propina até os vigaristas perceberem que o poço está
esgotado e a vítima é abandonada.
O texto
Tips
for Business Travelers to Nigeria ou Dicas para Viagens de
Negócios à Nigéria afirma que todas as semanas a Embaixada Americana em
Abuja, capital da Nigéria e o Consulado Americano em Lagos, assim como
embaixadas de outros países tomam conhecimento de casos envolvendo o
golpe 419. Há pessoas simples e também empresários experientes enredados
nesses negócios. Autoridades americanas dizem poder ajudar seus cidadãos
vítimas do golpe, seja regularizando a situação no país, seja dando
algum apoio, mas jamais conseguiram recuperar o dinheiro perdido.
Uma das análises
sobre os participantes do golpe, de um lado o proponente africano e do
outro o parceiro destinatário da mensagem, diz que não há, nem de um
lado nem do outro nenhum santo, nenhum anjinho inocente. O parceiro, o
destinatário da mensagem, ao aceitar os termos da negociação ele decide
participar do golpe. Ele concorda em aplicar o golpe no governo da
Nigéria, na empresa de petróleo, no governo de Serra Leoa, nos
verdadeiros donos do dinheiro, do ouro ou dos diamantes roubados.
O parceiro,
dizem os analistas, logo se transforma num vigarista que se acha mais
esperto do que o outro vigarista. Mais tarde, tarde demais, é que ele
percebe ser um otário querendo aplicar um golpe nos golpistas
nigerianos, no governo da Nigéria ou de Serra Leoa, em sobreviventes da
família do general Abacha, em supostos altos funcionários do governo, na
empresa de petróleo, nos vigaristas de Serra Leoa. Um simples amador em
luta contra um grupo organizado de profissionais.
Outros analistas
vão mais além: dizem que o parceiro já entra no esquema com a intenção
de passar a perna no proponente nigeriano, pois ele acha que vai ser
muito fácil receber o dinheiro e desaparecer com ele.
Ao ler as
mensagens, percebe-se que o remetente ou a remetente está passando por
um momento muito difícil seja no exílio, seja em prisão domiciliar como
diz a suposta viúva Abacha. O texto da mensagem sempre demonstra um
espírito bastante fragilizado, carente, necessitado de ajuda, um ser
facilmente manipulável.
De qualquer
forma, na maioria dos casos, as mensagens indicam, de forma clara e
inequívoca, a origem do dinheiro, do ouro ou dos diamantes. O parceiro,
a futura vítima, aceita receber uma parte desse butim em troca de um
serviço, à primeira vista, bastante fácil e que não parece exigir
maiores esforços. Ledo e ivo engano...
O parceiro, a
vítima está sempre em condições de inferioridade. Se viajar até a
Nigéria, vai encontrar um país de hábitos e costumes diferentes, de
idiomas desconhecidos. É verdade que o idioma oficial da Nigéria é o
inglês, mas lá existem outros 505 idiomas ou dialetos vivos registrados
pela
Ethnologue. É comum a vítima ser convidada a ir até a cidade de
Lagos, ex-capital da Nigéria: uma cidade paupérrima com mais de 12
milhões de habitantes.
Se a vítima
estiver num país neutro, na Europa ou na África, a situação não será
muito diferente. De qualquer forma, os vigaristas procuram jamais atacar
no país de origem da vítima.
|
Um dos nossos
colaboradores andou 'negociando' com um nigeriano a remessa de 30
milhões de dólares e recebeu fotografia de duas malas contendo,
supostamente, esse dinheiro. A foto comprovaria a existência do
montante negociado e procurava criar um "clima de confiança" favorável
à transação. Clique na imagem aí do lado e veja quanto dinheiro. |
Cobiça, ambição e
ganância são as palavras-chave associadas a esse golpe assim como a
todos os contos do vigário. Ingenuidade, desinteressada vontade de
ajudar os mais necessitados, espírito humanitário nos que se arriscam na
empreitada? Cada um acredita no que quiser acreditar.
Em todos os casos, a
essência do golpe é a mesma dos célebres e tupiniquins contos do paco,
do bilhete premiado, do boy apressado. A vítima também é parte
integrante da vigarice, pois ela está interessada em tirar algum
proveito, em tirar alguma vantagem da situação.
Se você receber
uma mensagem-convite para participar de um desses esquemas de fraude
faça o seguinte:
fpro@nigeriapolice.org
wonst@nigerianscams.org
419@nigeriapolice.org (As mensagens enviadas para esse e-mail
têm retornado acusando erro.)
Os norte-americanos, com a sua
reconhecida ganância, estão entre as maiores vítimas dessa fraude. Há
escritórios do governo interessados em propostas desse tipo e em botar a
mão nos golpistas. Portanto, você também pode encaminhar a mensagem para
419.fcd@usss.treas.gov. (Mas não espere nenhum retorno ou
confirmação do recebimento da sua mensagem.)
Por falar em norte-americanos:
veja a mensagem enviada por um certo Mr.
Kenneth Cole. Ele diz integrar as forças especiais dos Estados
Unidos no Afeganistão, a chamada Operação Justiça Infinita (!?). Na
"semana passada", ele e o grupo dele, quatro "agentes", numa operação
muito bem sucedida encontraram, nas montanhas afegãs, não Osama Bin
Laden, mas coisa muito melhor: encontraram 36 milhões de dólares.
Pertencentes ao grupo terrorista Al Qaeda, of course.
O valoroso e intrépido
legionário não contou nada ao comandante dele, guardou a dinheirama num
lugar seguro em Cabul e pede ajuda para trazer o butim para a conta do
destinatário da mensagem a quem pagará uma porcentagem bem agradável.
E o melhor: Mr. Cole, o
infinitamente justo e bravo legionário e agente da Operação Justiça
Infinita, fala em ética militar (military ethics). Essa "ética"
impediria que ele e a sua quadrilha retirassem o dinheiro do
Afeganistão. É a mesma ética de George W. Bush, sem dúvida. (É
improvável que o Mr. Cole exista. Existem apenas a "ética militar" dele,
da Operação Justiça Infinita e de W. Bush. E mais o espírito do butim de
qualquer guerra e a ganância dos desavisados que caírem nesse golpe.)
E para quem achar que não
existem pessoas crédulas o bastante para cair no golpe...
Entre janeiro e setembro de
2002, Ann Marie Poet, uma diligente secretária norte-americana de
Berkley, Michigan transferiu U$2,1 milhões para uma pessoa que se
apresentara como Dr. Mbuso Nelson, ministro da mineração da África do
Sul. Esse dinheiro seria destinado a pagar propinas para facilitar a
transferência de U$ 18 milhões de um banco sul africano para os Estados
Unidos.
Desses dezoito milhões de
dólares, Ann Marie Poet receberia 4,5 milhões pela "colaboração". Ela
esperava usar esse dinheiro para cobrir o rombo feito nas contas do
escritório de advocacia onde trabalhava e, com o saldo, ela teria uma
vida confortável nos padrões do american way of life. Veja mais
sobre esse caso em
Law firm out $2.1 million in African fraud.
Em
419 gang scam themselves into the slammer, fala-se de um professor
de nacionalidade suíça que perdeu 482 mil dólares para os vigaristas. O
curioso é que o professor teria feito a sua tese de doutorado sobre 'a
estupidez humana' :))
Moral da história: se não
houvesse a ganância, o golpe já teria deixado existir há muito tempo. Na
verdade, ele nem teria chegado a produzir a primeira vítima.
Veja também:
Um golpe curioso
A Loteria Global Crossing da África do Sul
A versão holandesa do conto do bilhete de loteria premiado: WERKEN BIJ
DE LOTTO - EUROLITE BV
A paródia da vigarice de "autoria" de George Walker Bush.
Mensagens
propondo o golpe.
Links para
páginas sobre o golpe dos nigerianos (4-1-9 scam) e outras
fraudes assemelhadas.
Os leitores
comentam.