HIV surgiu em
chimpanzé africano
Primeira transmissão ao homem ocorreu no sudeste de
Camarões
na década de 30, a partir de macaco selvagem
Estadão, Herton Escobar, 26 maio de 2006
Sudeste da República de Camarões (vizinho da Nigéria e Chad), início do século 20. Foi lá que o vírus da AIDS, o HIV, passou dos macacos para os seres humanos, dando início à pandemia global que já matou mais de 20 milhões de pessoas, segundo um estudo publicado hoje na revista Science. Pela primeira vez, os cientistas conseguiram detectar a presença do vírus em uma população selvagem de chimpanzés, comprovando a teoria de que foram eles que transmitiram o HIV para o homem.
FONTE:
https://www.cia.gov/cia/publications/factbook/index.html - Reference Maps
Os pesquisadores rastrearam dez populações de chimpanzés da região sul de
Camarões e descobriram que várias apresentavam infecção pelo SIV cpzPtt, a forma
do HIV em macacos que é mais próxima geneticamente do vírus da aids no homem. A
sigla significa vírus da imunodeficiência simiesca (SIV) de chimpanzés (cpz) da
espécie Pan troglodytes troglodytes (Ptt) - uma das quatro subespécies de
chimpanzé africano. Até agora, o vírus só havia sido detectado em animais de
cativeiro.
Análises epidemiológicas e genéticas, segundo os cientistas, estabelecem
definitivamente o P.t. troglodytes como um reservatório natural do HIV e, muito
provavelmente, como a espécie que transmitiu o vírus para o homem. "Ali é o
epicentro da epidemia", disse ao Estado o virologista Marcelo Soares, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que fez doutorado com a
coordenadora do projeto, Beatrice Hahn, na Universidade do Alabama em
Birmingham, nos EUA. "A probabilidade de haver um vírus mais próximo do HIV do
que esse é muito baixa."
O SIV encontrado no estudo, segundo ele, é mais parecido com o HIV-1 do que o
próprio HIV-2 (outra linhagem do vírus que infecta seres humanos, mas está
restrita ao continente africano). O caso mais antigo conhecido de infecção
humana pelo HIV é de 1959, referente a um marinheiro que havia passado pelo
Congo (país vizinho de Camarões). A epidemia, de fato, só começou a ser
percebida na década de 80, nos EUA. Mas estudos moleculares indicam que a
passagem do chimpanzé para o homem teria ocorrido na década de 30, segundo
Soares.
Nesse intervalo, o vírus poderia ter ficado "escondido" em populações isoladas,
até que conseguisse se disseminar pelo planeta. O cenário mais provável é que o
SIV tenha entrado na espécie humana por meio de algum caçador que teve contato
com o sangue de um animal infectado. "É possível que tenha havido várias
introduções na espécie humana, mas que acabaram se mostrando becos sem saída, ou
porque o vírus não se adaptou ao organismo humano ou não conseguiu se propagar
na população", explica Soares.
Segundo ele, há mais de 30 espécies de macaco na África que carregam o SIV, mas
só o SIV cpzPtt conseguiu se disseminar pela população em escala global, na
forma do HIV-1 M. Outras duas linhagens (HIV-1 N e O) também teriam chegado ao
homem pelo Pan troglodytes troglodytes, mas não evoluíram a ponto de causar uma
pandemia - permaneceram endêmicas de populações africanas.
Os pesquisadores acreditam que a linhagem M foi transmitida localmente, no
sudeste de Camarões, e se espalhou pelos rios Sangha e Congo até a capital
congolesa, Kinshasa, de onde se espalhou para o mundo. "O ciclo foi fechado",
diz o infectologista Esper Kallás, da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp). "Descarta-se definitivamente a possibilidade de que o HIV seja uma
arma biológica que escapou do laboratório ou qualquer coisa desse tipo."
É possível que haja cepas ainda mais virulentas do SIV em outras espécies de
macaco, esperando uma oportunidade para infectar novos hospedeiros. Os próprios
macacos raramente ficam doentes, pois aprenderam a conviver com o vírus ao longo
de milhões de anos.