DISCURSOS DO DR. ANTONIO DE SÁ

 

Dr. Antonio de Sá, autor destes dois discursos, é avô do médico Guilherme Adami de Sá, meu parente, companheiro de praia e navegação no Atlântico Sul, esquina com Praia de Taperapuã, em Porto Seguro, Bahia, onde o Brasil começou. O primeiro é uma belíssima análise da literatura universal. O segundo foi pronunciado pelo autor em sua posse como membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Guilherme autorizou-me a publicar os antológicos textos, que vão a seguir.

 

 

 

DISCURSO SEM VERBOS

 

Antonio Araujo Gomes de Sá

 

 “Orgulhosa de si mesma, rica em vocábulos, mais do que rica, poderosa, a língua portuguesa!

 

Por quê?

 

Vasta, imensurável, capaz de qualquer manejo; ora pronta à subtração de uma letra, como o a, ora dócil e obediente à falta de uma partícula importante do estilo, como o verbo.

 

Entretanto, sempre bela, sempre majestosa. Quer na prosa, como nos ensinamentos de Castilho e Herculano, quer no verso doce ou candente de Guerra Junqueiro ou Castro Alves.

 

Que de mistérios na sua origem e que de belezas na sua formação!

 

Que de encantos na sua existência e quanto de importante e transcendente nas suas ligações com as outras línguas do universo!

 

Que de carinho e doçura em muitas de suas expressões, e que de propriedade, de força, de simbolismo, em um número sem conta de seus termos!

 

Daí a sua grandeza, a sua importância, o seu valor, até mesmo no conhecimento parcial ou incompleto de suas profun­dezas, das suas fontes, dos seus segredos, ocultos quais outras gemas de subido valor ou inexauríveis e inestimáveis filões de ouro de lei.

 

Por isso, ao trabalhador paciente e infatigável no descobrimento de seus mistérios, a recompensa, a paga, o lucro certo em tesouros inesgotáveis.

 

E bem assim o prazer, a glória do conhecimento e trato com esse idioma comum a dois povos, irmãos em raça, irmãos em origem, quer no passado repleto de veneras e honrarias, quer no presente todo cheio de esperanças em um futuro ainda melhor e mais esplendoroso.

 

Para quem o convívio íntimo e discerimonioso com essa soberania tão altiva de sua linhagem mais que nobre, tão imponente nos seus foros de fidalga e cortesã?

 

Para bem poucos, em relação ao número extraordinário de seus vassalos.

 

A uns, com Camões, Frei Luís de Souza, João de Deus, Vieira, Latino Coelho, Filinto, Bernardes, Eça de Queirós e tantos outros, por índole, inclinação, intuição, gosto, prazer, necessidade, a exploração minuciosa, metódica e circunstanciada da formosura de seus arcanjos, do não aparente de seus opulentos escrínios.

 

A outros, por desejo imitativo, tendência ao estudo, ou, como eu, por divertimento ou passatempo.

 

Todos, porém, grandes e pequenos, filólogos ou não, sob o poderio dessa majestade irradiante, útil e proveitosa, imarcescível e benfazeja como a luz do sol.

 

Dela mil proveitos, dela mil ensinamentos.

 

Sem ela, para nós, povos latinos, a ignorância de deslumbrantes riquezas, no aconchego, na intimidade dos grandes mestres, desde os séculos remotos até os nossos dias.

 

Ali, Luís Camões, poeta, guerreiro e mendigo, eterno consultor das análises, superconstrutor da frase tersa, altiloqüente cantor dos feitos gloriosos das gentes de Portugal, nos imortais Lusíadas.

 

E, por que não Bocage, tão grande no seu estilo limpo e nítido, quão livre e soberano, altivo e independente, verdadeiro e conciso na linguagem? No manuseio dos seus livros, a verdade do seu quilate, a expressão sincera do estilista como clássico, e do clássico como escritor.

 

Depois, Alexandre Herculano, nas fontes abundantes de suas lições na nossa língua; já nas máximas filosóficas de um profundo ensino ao povo, já entre o mais, no transunto fiel de uma paixão humana no peito de um sacerdote, fora da vida real, mas debaixo do grilhão dos olhos de Hermengarda, imagem do sacrifício do orgulho e preconceito de uma raça.

 

Batalhador audaz e destemido, corajoso e invencível, tanto de homem quanto de fera, em Eurico, o amor inextinguível, e neste livro, em lanço por lanço, o manancial infindável de uma literatura sadia e confortável, pura e boa, agradável e escorreita.

 

E o grande Camilo Castelo Branco? Em suas obras, o amor e as convenções sociais sempre em luta sem tréguas e sem quartel. Em sua pena, o gládio vingador, a punição constante ao orgulho, sem visos de razão. Em seus assuntos, um grande bem às almas, um enorme prazer aos corações, uma nênia à paixão terrena e infeliz, uma bênção, em suma, à pureza e à sublimidade dos mais sérios e mais caros sentimentos afetivos. Ao mesmo passo, o estudo profundo da nossa língua, o ensino a todos nós, por meio das suas belezas, o encantamento de um estilo todo dele e, por isso mesmo, ao alcance de poucos e longe, muito longe, da imitação de outrem.

 

Nos nossos dias, ainda lá no velho Portugal, ‘sobre a nudez crua da verdade o manto diáfano da fantasia’ de Eça de Queirós, o imenso e incomparável escritor contemporâneo; comentador exato dos usos e costumes da gente de sua terra, a par de uma linguagem tão incisiva quão eloqüente, tão mordaz quão penetrante, tão expressiva quão forte, e tão em harmonia com os sentimentos desses de lá e também de nós outros, seus irmãos por tantos laços.

 

Nos seus livros, fiéis espelhos de seu tempo, o caráter de um povo superior e o espírito brilhante de um literato imortal. Nas suas obras a lição, a crítica sensata e ferina, a postergação ao vício, o aniquilamento do fútil, do hipócrita, na folhagem de falsa competência ou na veste da honestidade bastarda, à luz diamantina do verdadeiro e impassível julgamento dos homens, como ele, superiores no critério e formidáveis na razão.

 

E, sobre todos, vivos ou mortos, poetas ou prosadores, de mim para comigo, Guerra Junqueiro, o rei da poesia, o sábio, enfim, quer na doçura comovente dos versos de Fiel, do causticante O Melro, na cadência suave da Musa em férias, na delicadeza cativante dos Simples, nas duras verdades da Morte de D. João, na pungitiva comoção da A Lágrima, na contrição das orações à Luz, ao Pão e ao Vinho, e tudo o mais desse autor da Pátria e tantos outros trabalhos de psicologia em rimas de ferro em brasa ou sopro ameno da brisa ciciante.

 

Entre nós, tanto na prosa quanto no verso, ora um poeta su­blime como Gonçalves Dias, colosso na expressão de Vieira de Castro; ora um condoreiro incomparável como Castro Alves, o cantor dos escravos, eterno nas Espumas Flutuantes, na Cachoeira de Paulo Afonso, na Ode ao 2 de Julho, ou no Navio Negreiro, em tudo finalmente, derivante de um cérebro ainda em flor e tão cedo cadáver, mas sempre o mesmo grandioso lírico da falange heróica da última geração.

 

Ora, um Álvares de Azevedo, como o outro, flor em pó aos verdes anos, célebre nas Noites da Taverna, ou na expressão em face à morte: “Que fatalidade, meu Pai!”. Excesso de talento contra o excesso de vida, resultado de seiva em demasia em mente pouco sã, ausência de equilíbrio natural decorrente do método ou meio de vida necessários à conservação da existência de um homem não comum, em Álvares de Azevedo, uma das mais lídimas esperanças da literatura nacional.

 

Ora, um Tobias Barreto poeta e doutor, o mestre de direito, o publicista, o humilde músico de filarmônica em sua pequena terra e, mais tarde, o visionário em relação aos tempos atuais do direito internacional, nas fauces hiantes do mais moderno canhão.

 

Ora, um Laurindo Rebello, embora triste demais; um Casimiro de Abreu; um Gonzaga de Marília, um Fagundes Varella; um Raymundo Corrêa, no vôo brando das Pombas, ou no conceito filosófico do Mal Secreto; um Emílio de Menezes, de setas sempre em riste; um Machado de Assis, o grande crítico; e, entre os vivos, os Alberto de Oliveira; Olavo Bilac, o príncipe e o sonhador; Arthur de Salles, o nosso pontífice; Borges dos Reis, lapidário das gemas brasileiras, tradutor incomparável da Musa Francesa; em suma, Roberto Corrêa, tão simples no trato e tão rico de inspiração, como o amiguinho das crianças.

 

Ora, entre os tribunos dos tempos de nós mais próximos, Victorino Pereira, Cezar Zama, Pedro Americano, Fausto Cardoso, a vítima da política por amor à sua terra, tão pequena em território e tão grande em talentos, e tão feliz com seus filhos de valor.

 

Na época presente, em primeiro lugar, Rui Barbosa, o sol deste Brasil, defensor tanto na paz quanto na guerra, dos direitos da humanidade sofredora. Advogado dos grandes e dos humildes, dos poderosos e dos fracos. Delegado do nosso pensamento, embaixador do nosso sentimentalismo. Tradutor impecável das nossas aspirações e dos nossos desejos, no concerto dos homens mais eminentes do mundo. Para ele, de nós todos, tudo de melhor nas homenagens, senão, para todos nós o plano inferior da nossa natural e justa veneração. Ao mesmo passo que, em lugar de maior destaque, as Américas, a Europa, o universo, enfim, de braços em atitude amiga e cabeças curvas diante desse vulto tão pequeno no físico e tão grande quanto um Deus.

 

Para a hora terrível de provações inomináveis da velha e culta Europa, em guerra de extermínio e de conquista, só o verbo inflamável e divino desse nosso Cícero, só a palavra evangélica do maior dos oradores do Brasil. Só a água benta das suas conferências magistrais sobre o direito das gentes na fervura indomável das paixões em ebulição, no fogo aceso das ambições em jogo. Só o conforto de uma palavra como a desse apóstolo do bem, desse missionário da fé, para estímulo dos combatentes, para bálsamo às feridas, para alívio dos mártires e retemperamento da fibra dos defensores impertérritos do sacrossanto pendão das leis da humanidade.

 

A Rui Barbosa, fiel da balança desta República, filho amado da Bahia, orgulho do Brasil, os meus anelos bonançosos em prol de suas romagens do bem, da justiça, do trabalho e do amor aos fracos sob o poder dos mais fortes.

 

A nós, o júbilo de uma raça inteira, o entusiasmo de todos os patrícios, olhos fixos no reflexo esplendoroso desse astro de maior grandeza, no azulino céu da pátria brasileira.

 

De mim, pequeno demais, relativamente à sua imensidade, o culto fervoroso de seu talento, a veneração extrema à sua pessoa, o prazer de suas vitórias retumbantes, uma homenagem simples como esta: seu nome, sua lembrança, num trabalho modesto qual o meu.

 

Como filólogo, conhecedor profundo da nossa língua, orador fluente e imaginoso, dominador de massas populares, jornalista invencível, jurista excelso e inigualável, de mim, a citação de sua figura estupenda, a referência à sua inconfundível individualidade, para honra deste meu devaneio literário, produto exclusivo da minha paciência e do meu grande esforço.

 

Agora, um hino aos pés do trono do preclaro mestre Dr. Ernesto Carneiro Ribeiro.

 

Quem mais senhor das imponências da língua portuguesa que esse sábio preceptor de tantas gerações?

 

Quem mais conhecedor das sutilezas do nosso belo idioma que esse glorioso arauto de tanto espírito brilhante, de tantos homens eminentes, sempre respeitadores da prata de sua cabeça, da felicidade do seu lar, da sua vida operosa, dos seus esforços ingentes no ensino da mocidade do Brasil?

 

Ninguém mais do que ele.

 

Em cada dia da sua labuta educativa em benefício dos estu­dio­sos, mais um fio branco como linho, nos seus nevados cabelos, mais um sulco na sua face austera, mais uma bênção do céu sobre o seu casal, todo amor, todo carinho, todo venturas sem par.

 

Imortal nos Serões Gramaticais, bem como na célebre discussão do Código Civil; sublime nas suas conferências, qual a última ‘Educação e Moral’, eletrizante, comovedora, eloqüente, profunda e clássica, em todas as suas obras, a rigidez de uma fibra tensa para o ensino, para a convicção por meio dos bons exemplos e dos melhores princípios de sã filosofia.

 

Sem ofensas a outrem, sem receio dos melindres alheios, para o mestre excelso da nossa língua, quer como o mais perfeito e mais completo investigador dos seus veios de ouro; quer como o maior dirigente de milheiros de estudantes, os meus emboras mais efusivos, os meus aplausos mais sinceros.

 

Ao tempo em que, de mim, de todos os seus diletos alunos, seus amigos, um voto fervoroso pela conservação de sua vida, tão necessária à família, quão útil e proveitosa à comunhão social.

 

No seu passado, um lábaro de esperanças na vitória da instrução.

 

Nas suas obras, um pendão em frente ao povo, como um incentivo na peleja pela conquista de uma carta de a, b, c.

 

Num pedestal de ouro, tão luzente quão valioso, em relação aos sessenta anos de vida trabalhosa, a figura patriarcal e solene desse ídolo da mocidade, desse homem não comum, o Dr. Ernesto Carneiro Ribeiro.

 

E muito abaixo da peanha, na planície das coisas vulgares, e, por isso mesmo, pequeninas, a plebe dos manuseadores dos bons livros.

 

Mais abaixo ainda, na confusão do pó dos poucos conhecimentos, milhares de neófitos como eu.

 

E para mim, seu nome refulgente, seu alto valimento, como fecho desta minha variedade literária.

 

Hosanas, mestre!

 

Hosanas, grande educador!”

 

 

DISCURSO SEM A LETRA “A”

 

Antonio Araujo Gomes de Sá
1918

 

O Dr. Hernani Lopes de Sá, de Ilheus, BA, recebendo cópia do discurso pronunciado por seu pai, o médico Antônio Araujo Gomes de Sá, que em 1918 foi admitido no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Poeta, escritor e jornalista, foi também autor de um discurso sem verbos, publicado no seu livro Exotismo. A originalidade do discurso aqui publicado é que, em 1.300 palavras de texto para agradecer a indicação de seu nome naquele instituto, o Dr. Gomes de Sá não usou uma única vez a letra ‘A’ (Publicado na revista Pulso de 29/06/1966)

 

              “Meus ilustres e digníssimos consócios. Meus Senhores.

              Por mim, humilde membro que vou ser deste Instituto, eu vos direi sem orgulho em que me oculte: errou no que pretende, perdeu no que colime, esse que de mim muito esperou em prol deste luzido Grêmio que, sem o meu débil concurso, vive com brilho e vence com fulgor.

              Sim. Porque eu, que neste momento vos dirijo um verbo simples e despretensioso, cumprindo somente o desejo de exprimir o sentimento de júbilo de que me possuo, por ser tido no vosso doce e utilíssimo convívio, no meu viver, quer como homem público, quer como eficiente de um tempo ido, sem dons que me nobilitem, sem luzes que me guiem no presente o rumo do futuro, em pouco, em muito pouco, posso proteger o curso luminoso deste conjunto de homens eminentes deste Grêmio benemérito. Por isso que, nem de leve, fulgem em mim resquícios de primor.

              Fizestes, escolhendo-me vosso consócio, o que só costumo ver nos espíritos superiores e que, por isso mesmo, surtem vôos por sobre míseros preconceitos.

              Eis o motivo por que me deixei prender nos elos do vosso gentil convite, e devo dizer-vos, sincero, quem fui, quem sou e quem serei, vencendo o pórtico deste Templo, repleto de fulgores.

              Quem fui?

              O débil rebento de um tronco bom e, sobretudo, honesto, em cujo viver de espíritos só virtudes vi florirem e vícios, nem de longe, pretenderem prender.

              Eduquei-me sob o influxo do bem e tive por complemento dos meus humildes e virtuosos genitores um excelente mestre, conhecido de todos vós, que tem sido entre nós erguido em mil louvores, que nem lhe podem dizer o seu merecimento, entre os velhos, entre os moços e entre os que recebem no presente o brilho do seu espírito de eleito, fulgindo como um sol que incidisse nos pequenos cérebros, sequiosos de luz.

              Do colégio, de que conservo vivo o exemplo do bem e do honesto, fui vencer o tirocínio superior, onde, por muito feliz, entre docentes e condiscípulos, conservei, desde o início, ouvindo Filinto, Leovegildo e Guerreiro, um nome sem deslizes, que desgostos me desse no meio de muitos outros, estudiosos como eu.

              Tenho por mim, neste recinto, quem vos pode dizer se me exprimo sincero neste ponto.

              Depois, colhido o louro de um torneio vencido, penetrei no mundo de desilusões, supondo – ingênuo que fui – fosse o viver somente um eterno sorrir.

              Dentro em pouco, porém, vi que o sorriso dos moços nem sempre é o prenúncio de um futuro venturoso, e, sim, o prólogo de um sofrer contínuo ou de um existir repleto de desgostos...

              E eu sofri!

              Sem que desperte dores no recesso do meu dorido peito, eu vos direi: fúnebre dobre de sino, ouvido por mim, filho extremoso, pelo espírito desse que me deu o ser e que se foi, morrendo como um justo, entre outros golpes bem fundos, foi o primeiro que me fez sentir negrumes no viver.

              Superior, porém, fui vencendo os óbices do existir, tendo, como tive e, felizmente, tenho, consorte e filhos, meus enlevos, que me impelem, cheio de vigor, no trilho em que me tenho conduzido neste mundo, rico de dores, e pobre, muito pobre mesmo, de momentos bons e felizes, como este.

              Quem sou?

              Um pequenino servo de Themis, que fiz do direito em si o ponto em que reside o imenso bem dos homens, e que Deus quis fosse tido por nós como virtude de virtudes, e que dele mesmo nos veio por intermédio do conhecimento que todos devemos ter dos nossos e dos direitos de outrem.

              Quem serei?

              Se fui o zero que vos disse, hoje sou um número entre vós e, no futuro, hei de escrevê-lo com um orgulho que eu mesmo nem sei como conte.

              O meu íntimo sentir, que os vossos ouvidos percebem nos breves termos do meu singelo dizer, é tudo que de sincero reside nos refolhos do meu peito, todo cheio desse mesmo vigor e nobres volições com que tendes erguido o ‘Instituto Histórico’, que de mim só pode ter fogosos elogios.

              No intuito que tive e bem vedes que cumpri, louve-se menos em mim o esquisito escopo, que o meu ilustre e glorioso mestre, doutor Ernesto Ribeiro, que recebe de um seu discípulo, num excêntrico discurso, os meus íntimos encômios, pois dele eu só tenho tido luzes e conselhos com que pudesse ser recebido neste Grêmio.

              Ele, o emérito cultor do verbo que o celebrizou entre os profundos conhecedores do português, que encontre no meu gesto o empenho que tive de querer ser-lhe gentil, dizendo-lhe, de público, o muito bem que lhe quero e o respeito que lhe voto.

              Consócios, sede indulgentes comigo!

              Recebei-me como se eu fosse um proscrito que buscou o recolhimento deste teto, em que vejo luzindo os espíritos superiores dos conselheiros, nutrindo, como nutro, o desejo imperecível de tudo empreender em prol do brilho, em bem do progresso do ‘Instituto Histórico’, conhecidos, ‘urbi et orbi’, o seu merecimento e o seu fim, úteis de todo e de todo proveitosos.

              Tenho dito!”

 
 

DISCURSO SEM VERBOS

Antonio de Macedo Costa

D. Antonio de Macedo Costa (Bahia, 1830-1891) estudou em Paris e doutorou-se em Roma. Teólogo notável, foi bispo no Pará e juntamente com D. Vital de Oliveira (bispo de Olinda) combateu a Maçonaria. Ambos foram presos e anistiados após um ano e meio.

 

Primeira regra de estilo, uma das principais e porventura a mais esquecida de todas: naturalidade por oposição a afetações ridículas.

Quanto no galarim da fama réu deste delito e quantos oradores, aliás dignos de encômios pelos dotes singulares de seu engenho e imaginação, responsáveis perante a crítica sisuda, pela falta de uma nobre simplicidade de estilo e boleio das frases.

Muita atenção, orador noviço, para este ponto capital.

Nada de ornatos supérfluos, apegados como parasitas ocos a cada palavra: miserável ouropel por cima de pensamentos muitas vezes ocos e sem solidez alguma, só para engano da vista de espíritos superficiais ou de mau gosto. Um brilho fosforescente e um deslumbramento passageiro, como o de um fogo de artifício, tal o único mérito desses campanudos oráculos do púlpito cristão.

Idéias porém sólidas e bem dosadas, ordem rigorosa de raciocínio, doutrinas exatas luculentamente expostas, isso nunca. Não assim Bossuet, os Bourdalouse, os Massilon e todos os outros grandes modelos da eloqüência do púlpito do grande século de Luís XIV.

Que nobre simplicidade! Que naturalidade sublime! Que opulenta sobriedade! Qual rio caudaloso por entre margens, ora severa e escarpadas, ora floridas e risonhas, mas sempre formosas de naturalidade, assim o pensamento desses famosos gênios, por entre a frase ora simples, ora mais ornada, sempre porém em relação com o assunto cheio de graças ingênuas, de louçainhas despretensiosas.

A cada um desses grandes gênios o seu merecimento próprio: a Bossuet sobretudo, em suas orações fúnebres, uma grandeza e majestade incomparáveis; ao nosso Vieira, apesar dos seus senões, uma sutileza, uma retentiva e uma fecundidade pasmosa; e assim os mais, cada qual com seus primores e as suas qualidades características, em todos porém a naturalidade e a simplicidade no seu último auge!

A frase sempre límpida, tersa, louçã; o estilo sempre acomodado ao pensamento, modestamente ataviado, sem arrebiques, sem enfeites pretensiosos e ridículos, sem todas essas lentejoulas tão em voga nas épocas de decadência literária.

Mas sobretudo no orador sagrado, no homem do Evangelho, no Ministro de Deus morto na Cruz, nada mais desairoso, em verdade, do que essas afetações de estilo! Ai! Onde aquele espírito dos varões apostólicos, onde aquela abnegação aos vãos ornatos da eloqüência do mundo?

Ministros do Altíssimo, culpados desta espécie de profanação da palavra santa! Desgraçados de vós por este abuso tão estranho dos dons de Deus e das graças do nosso divino ministério! Mas nem mais palavra! Sobre desvios como estes, só lágrimas e muitas lágrimas!"

 

FONTES:

http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=713&cat=Discursos

http://augustovieira.trix.net/Estorias%20de%20Outras%20Plagas.htm