A  CAMINHO  DE   ROMA

"Confissões de Santo Agostinho", V-8 ( Escritas em 398 d.C. )
Coleção "Os Pensadores", Ed. Abril, 1980

Vós me impelistes a tomar a resolução de partir para Roma e de preferir lecionar ai o que ensinava em Cartago. Não deixarei de confessar o motivo desta minha determinação, pois que em tudo isso se devem reconhecer e celebrar os Vossos profundissimos segredos e a Vossa misericórdia, sempre tão vizinha de nós.

Portanto, se resolvi dirigir-me a Roma, não foi porque meus amigos, que me aconselhavam essa viagem, me prometessem maiores lucros e maior dignidade, sem bem que nesse tempo também estas razões moviam o meu espirito.

O motivo principal e quase único assentava em eu ouvir dizer que os rapazes estudavam aí mais sossegadamente, refreados por mais regrada disciplina.

Não invadiam desordenada e imprudentemente a escola de outro que não tinham como professor, nem eram admitidos sem sua licença. Em Cartago, pelo contrário, a liberdade dos estudantes é vergonhosa e destemperada. Precipitam-se cinicamente pelas escolas adentro e com atitude quase furiosa perturbam a ordem que o professor estabeleceu como necessária ao adiantamento dos alunos. Com uma insolência incrível, cometem mil impropérios que devia ser punidos, se o costume não os patrocinasse.

Isso, porém, apenas manifesta serem eles tanto mais infelizes quanto maior é a sem-cerimônia com que praticam, como lícito, aquilo que a Vossa lei eterna nunca permitirá. Julgam que o fazem sem castigo, mas são punidos pela sua mesma cegueira, e sofrem males incomparavelmente maiores que os ocasionados aos outros.

Portanto, esses costumes, de que eu não quis compartilhar quando estudante, era obrigado a suportá-los de outrem, quando professor. Por este motivo, desejava partir para uma cidade na qual, segundo me asseguravam os informadores, nada acontecia de semelhante.