Nova York não teve nenhum homicídio

Renan Antunes de Oliveira
Estadão, 23-fev-99, p. C6

No fim de semana, no perigoso bairro do Harlem, um assaltante invadiu o apartamento de uma velhinha de 82 anos, deu-lhe quatro facadas, saqueou e queimou sua casa. A polícia chegou e salvou a mulher. Já identificou e está caçando o assaltante. Foi o único incidente violento no período.

Ontem, o jornal New York Post, que adora sangue, não teve nenhum homicídio para relatar. O trágico episódio da velhinha revela um lado da eficiência em Rudyville, a "cidade policial" bolada pelo prefeito Rudolph Giuliani: nela, em média, bombeiros levam quatro minutos para chegar ao local de incêndio, e a polícia atende a chamados em dez minutos.

Mais números com as diferenças entre o Primeiro e o Terceiro Mundo: em 1998, NYC teve 631 assassinatos, enquanto São Paulo, no último carnaval, teve 230 - se a festa continuasse por duas semanas, morreriam mais pessoas do que durante o ano todo na capital do mundo.

Mais importante do que chegar na hora de um crime é a política de prevenção da NYPD (New York Police Department). Seus resultados no combate ao crime são considerados os melhores do mundo. No sistema americano, a polícia é de responsabilidade municipal. Assim, Giuliani tem autoridade para cobrar do policial na rua - e ele o faz. Toda delegacia precisa terminar o mês com resultados. O comando exige do agente, de acordo com sua área e função, um número mínimo de prisões, de apreensão de armas ou drogas, recuperação de carros roubados e solução de assassinatos.

Nas emergências, a polícia destaca força extra para as regiões mais violentas. Ela faz assim no East Bronx, o Capão Redondo de Nova York. E põe lá sua temível SCU, sigla em inglês para Unidade de (Combate aos) Crimes de Rua. A SCU é um grupo de elite que opera à paisana. São 400 dos 40 mil agentes da NYPD, recrutados entre os mais destemidos e agressivos, em sua maioria brancos - só 10% negros ou latinos, ante 30% no geral da força.

O SCU de Rudyville é como um grupo de comandos. Na guerra das ruas, não precisa cumprir os regulamentos nem respeitar os direitos civis dos cidadãos. A Anistia Internacional e entidades americanas de direitos humanos já protestaram várias vezes, mas o prefeito não cede. O povo reconhece sua eficiência, tolerando sua violência e racismo.

O grupo tem um quartel incógnito numa ilha entre Queens e Manhattan. Seus agentes usam carrões modificados e armamento especial. Como agem? Toda noite, os "donos da noite", como se apelidam, saem às ruas em carros com chapas frias, nas zonas de tráfico de drogas - a NYPD estima que 80% dos crimes que ocorrem na cidade têm origem no tráfico. Os objetivos são apreender armas e drogas e caçar bandidos. Método mais fácil: revistando pessoas, escolhendo alvos por instinto.

Nos dois últimos anos, os cowboys, outro apelido da turma, apreenderam 20 mil armas, em 40 mil revistas em pessoas nas ruas, em bairros de negros, latinos e imigrantes. Estudos mostram que tal desarme da população noturna reduz a crimínalidade. Às vezes, dá zebra: no dia 4, quatro agentes brancos mataram com 41 tiros um imigrante de Nova Guiné, muçulmano e negro, no Bronx. O caso causou furor político, mas só entre imigrantes, muçulmanos e negros.