Beira-Mar na Câmara:
lições de ironia e drogas

Por Hugo Marques
Estadão, 16-mai-2001

BRASÍLIA - A ironia foi a maior arma do traficante Fernandinho Beira-Mar, ontem, durante depoimento aos deputados das Comissões de Combate à Violência e de Direitos Humanos da Câmara. O criminoso também debochava das perguntas dos parlamentares, o que fez vários deles desistirem do direito de questioná-lo.

A deputada Laura Carneiro (PFL), por exemplo, foi chamada de "melodramática" pelo traficante, depois de perguntar sobre o assassinato dos irmãos Morel, no Paraguai. "Sou melodramática mesmo", assumiu a parlamentar.

Jorge Tadeu Mudalen (PMDB) confessou sua preocupação com a ironia utilizada por Beira-Mar. "Estou preocupado com as sátiras do depoente." Já o deputado Elias Murad (PSDB) agiu diferente e tentou usar a mesma tática do traficante, ironizando quando Beira-Mar afirmou ter subornado um policial com US$ 130 mil. "Parabéns, senhor Beira-Mar. Pelos padrões brasileiros, o senhor é um grande empresário", disse Murad. O traficante explicou aos deputados que o narcotráfico funciona mesmo como uma empresa. "Você precisa de inteligência e sorte."

Beira-Mar disse ser apenas "a pontinha do iceberg" no tráfico brasileiro, mas não convenceu os deputados. No depoimento, mostrou conhecimento do mercado de drogas do País. Beira-Mar afirmou que 60% do tráfico em Minas Gerais seria controlado pela Polícia Civil do Estado, informação que ele já tinha prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Narcotráfico da Assembléia, em Belo Horizonte.

O relator da extinta CPI do Narcotráfico da Câmara, deputado Moroni Torgan (PLF), disse que o depoimento foi importante para mostrar que Beira-Mar é um dos maiores traficantes do País. "Ele deixou claro que já atuou em outros três países". Beira-Mar afirmou que, ao sair do País, "esteve" no Paraguai, na Bolívia e na Colômbia.

O traficante explicou ainda que a corrupção e o tráfico de armas têm de andar de forma "paralela" ao tráfico. Segundo Beira-Mar, "é como ir a uma padaria para comprar pãozinho e levar também cigarro para casa".

O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Nelson Pellegrino (PT), propôs sugerir a inclusão do traficante no Programa de Proteção a Testemunhas, se ele revelasse o que sabe. "Para pegar os tubarões, temos de fazer concessões", disse Pellegrino. O depoimento de Beira-Mar acabou sendo interrompido por determinação médica.