Introdução

1. Então vi descer do, céu um anjo que tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente;
2. Ele agarrou a dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos;
3. Lançou-o no abismo, fechou-o e pôs um selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos. Depois disto é preciso que ele seja solto por pouco tempo.
4. Vi também tronos e nestes sentados aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, aqueles que não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem e nem receberam o sinal da besta na fronte e nas mãos; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos.
5. Os outros mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição.
(Apocalipse de São João Evangelista, cap. XX)

A leitura desta passagem do Apocalipse foi o bastante para convencer uma multidão de homens que o fim do mundo chegaria com o ano 1000 da nossa era. Os homens sentiam-se condenados e impotentes e procuravam refúgio e perdão na oração e na penitência: inúmeras horas de trabalho foram perdidas pela população ativa, que passava de joelhos o tempo antes empregado em atividades produtivas.

Passou o ano 1000 e o mundo, é claro, não acabou. Mas nem por isto as crendices e superstições apocalípticas sofreram uma queda digna de nota. Durante o correr dos séculos seguintes, astrólogos e numerólogos tiveram grande divulgação ao predizer cataclismos e desgraças. Na história dos últimos séculos, cataclismos e desgraças não faltaram, mas suas datas e características não coincidiram com aquelas antecipadas de modo casual e gratuito pelos profetas improvisados.

No momento em que escrevo, faltam trinta anos para terminar o segundo milênio de nossa era e, por motivos diversos dos de mil anos atrás, muitos esperam para breve uma trágica catástrofe total. Os profetas de hoje não dizem que devemos temer anjos, dragões e abismos, mas que devemos temer o holocausto nuclear, a superpopulação, o aniquilamento e o desastre ecológico.

Aqueles que anunciam catástrofes iminentes são hoje tão numerosos que John Crosby, em artigo no Observer de 13 de setembro de 1970, inventou um novo termo para indicar a sua atividade: "doomwriting" - que pode ser traduzido por "catastrografia". Crosby afirma que as catástrofes anunciadas nunca se verificaram, que as condições de vida na cidade e no mundo em geral nunca foram melhores do que agora e zomba dos "catastrógrafos", acusando-os de pessimismo e de sustentar opiniões facilmente aceitáveis apenas para tirar proveito de seus escritos.

Devem ser muitos os que estão de acordo com tal ponto de vista, haja vista que a opinião corrente é a de que no ano 2000 a população do mundo será de seis bilhões de pessoas; e especialistas afirmam ainda que nos próximos trinta anos a população mundial superará o dobro da atual, que é estimada em três bilhões e meio. Fred Charles Iklé, do Massachusetts Institute of Technology, asseverou que em 2000 "a população mundial será de sete a oito bilhões de homens, mais do que os cinco bilhões", como previu, em 1963, num estúdio da Rand Corporation.

Considerando que a opinião a respeito desta previsão é quase unânime, estou convencido de que a previsão não será cumprida. De resto, há outros indícios de que as taxas atuais de crescimento do número de homens e das estruturas criadas pelos homens serão quase anuladas ou invertidas. Não é preciso detonar alguns quilomegatons de bomba-H para matar centenas de milhões de homens. O mesmo resultado pode ser conseguido através de meios menos violentos e mais eficazes como, por exemplo, tornando a vida dos enormes e densos conglomerados humanos dependente de sistemas tão complicados que se tornem ingovernáveis. Esta segunda hipótese de catástrofe - pela sua aridez formal, por sua casualidade e pela sua falta de premeditação - parece mais trágica do que a primeira.

Escrevi este livro para analisar um dos tipos de catástrofe que poderá ocorrer em virtude da deterioração dos grandes sistemas que se tornam excessivamente complicados. A minha hipótese é de que os grandes sistemas de organização, tecnológicos, associativos, continuam a crescer desordenadamente até atingirem dimensões críticas e instáveis. Neste ponto, a crise de um único sistema não será suficiente para provocar distúrbios nas grandes concentrações metropolitanas, mas uma concomitância casual de distúrbios em muitos sistemas na mesma área poderá deflagrar um processo catastrófico que paralisará o funcionamento da sociedade mais desenvolvida, produzindo a morte de milhões de pessoas.

Dediquei alguns capítulos à descrição dos caracteres das crises já incipientes dos sistemas de produção e distribuição de energia, dos transportes, das comunicações, do aprovisionamento de água, da incineração de lixo, do tratamento das informações. Estas crises são, provocadas, pelo congestionamento crônico de quase todos os grandes sistemas, projetados e estruturados, de modo errado ou, o que é pior, disseminados sem planos pela inadequada capacidade e disponibilidade de informações daqueles que deverão controlá-los e prever seu crescimento ulterior.

Não se pode demonstrar rigorosamente, a priori, que uma casual conjunção de eventos deterioráveis e congestivos conduzirá a uma catástrofe - pelo menos seguindo um desenvolvimento idêntico ao que descrevo. Entretanto, parece bastante verossímil que as nações mais desenvolvidas se encaminham para crises de grandes dimensões e considero oportuno aceitar certas hipóteses e esmiuçar em detalhes as conseqüências lógicas para demonstrar mais realisticamente quais são os perigos mais iminentes que se podem esperar.

Chamei de "Idade Média" esta futura situação de crise generalizada.

Os países menos desenvolvidos (ou em via de desenvolvimento, ou subdesenvolvidos, ou ainda simplesmente atrasados) serão envolvidos apenas superficialmente pela crise. Deste modo, cerca de setenta por cento da população mundial não será muito atingida pela primeira onda de destruição. Os países mais adiantados, por seu turno, são mais vulneráveis aos danos conseqüentes da deterioração dos grandes sistemas. A nova Idade Média coincidirá, portanto, com uma situação que somente deverá atingir a população dos países mais adiantados. Se considerarmos entre estes os europeus, inclusive a União Soviética, os da América do Norte e o Japão, estamos falando - em 1970 - de cerca de novecentos milhões de pessoas, ou seja, cerca de trinta por cento da população mundial.

Morrendo 450 milhões de homens nos países mais desenvolvidos, param: o progresso das ciências, a pesquisa tecnológica, as grandes construções civis, a produção industrial em série e a baixo custo, o funcionamento integral da estrutura organizadora e diretiva da sociedade moderna. Com um certo atraso, os países do terceiro mundo sofrerão graves conseqüências secundárias pela falta de manufaturados, produtos de longa duração, remédios, instrumentos e implementos de produção e consultas e diretrizes anteriormente fornecidos pelas nações mais desenvolvidas.

A reorganização será lenta e árdua e, no caminho da reconstrução, não serão necessariamente favorecidos os países que antes estavam na vanguarda. Os novos mandatários e os novos governos dos países estarão decididos a trocar entre si know-how e informações, assim como empenhar-se-ão no trabalho de encontrar novas formas eficientes de vida associativa e organizada, levando em consideração a capacidade de motivação e a agressividade dos vários grupos de homens.

A duração da próxima Idade Média será menor do que a da anterior Idade Média: talvez um século em lugar de um milênio.

É impossível saber se os historiadores do futuro escolherão 1960 ou 1980 ou uma outra data convencional posterior para o início desta Idade Média. Há muitos indícios de que já começou uma época de fenômenos degenerativos, tanto que não parece absurdo falar hoje de uma próxima Idade Média, levando-se em conta que a expressão compreende três hipóteses: que uma era de desordem, destruição e deterioração esteja para começar; que este início seja iminente; e que esta era será seguida por uma outra de Renascimento. A última hipótese não tem outra justificação senão a periódica alternativa de todas as coisas humanas até agora geralmente verificada.

No século XX estamos habituados a considerar as mudanças como a característica mais constante de nosso mundo, e somos induzidos a procurar antecipar as próximas transformações. Richard Lewinsohn, no seu livro Die Enthüllung der Zukunft (A Descoberta do Futuro), demonstra que hoje somos muito mais predispostos a fazer previsões e planificações do que o fomos no passado. Minha convicção nesta sua demonstração justifica que eu escreva que uma "Era Medieval" está ainda no início, ainda mais se considerarmos que só sé começou a falar da Idade Média passada depois que ela terminou (o primeiro a usar a expressão "media tempestas", ao que tudo indica, foi Giovanni Bussi, Bispo de Aleria, ao responder a um elogio de Nicolo Cusano, composto em 1469).

Não será difícil acusar este livro de catastrófico e de pessimista. Nós, pessimistas, porém, chamamos realismo ao nosso modo de ver as coisas, e não deixamos de ser menos eficientes do que os otimistas no preparo dos remédios e nos projetos das inovações.

Roma, fevereiro 1970 - março 1971.