VI - Congestionamento urbano e paralisações dos transportes

Numa quarta-feira de junho de 1953 as ruas do centro de Roma eram percorridas por automóveis de todos os tipos. Eram pulIman de turistas e velhos caminhões. Eram autos de antes da guerra e pequenas jardineiras Fiat. Eram aqueles que ostentavam a sua nova Millecento - finalmente modernizada na carroceria - ou a sua luzidia Appia recém-comprada. Se bem que, naquele tempo, o número de licenças de automóveis, em Roma, ainda não tivesse chegado a duzentos mil, a capacidade de transporte das vias do centro histórico foi superada pelo volume, porque a disciplina do tráfego era, então, mais casual e caótica do que a atual. E ocorreu um dos primeiros e maiores congestionamentos de tráfego.

Na Via Nazionale se andava mui lentamente. A Via Quattro Fontane estava completamente bloqueada. No Corso, a distancia entre os pára-choques era de poucos centímetros. Os veículos que se achavam na Praça do Tritão ficaram imobilizados mais de uma hora. Depois de meia hora que a sua poeirenta camioneta estava parada no mesmo lugar na Via Sistina, os componentes de uma banda municipal provinciana, de visita, começaram a tocar uma marcha. Subitamente, quase todos os automobilistas que estavam engarrafados começaram a acompanhar a música com suas buzinas. O ritmo se difundiu numa área muito grande da cidade, e foi seguido também por aqueles que estavam muito distantes para ouvir a música da banda. Os pedestres sorriam. Os que estavam nos carros não diziam palavrões e não estavam irritados pela perda de tempo inesperada. Havia uma atmosfera de festa injustificada, induzida pela satisfação de que também a Itália atingira um nível de motorização tal que já permitia esses engarrafamentos e aquelas "marmeladas de automóveis", das quais até então só se tinha conhecimento pelos relatos horripilantes e pesarosos elas páginas da Seleções do Reader's Digest. O bloqueio do tráfego urbano por breve tempo não foi uma maldição, um aborrecimento, mas um sinal de distinção, um símbolo de status.

Hoje, o tráfego congestionado é reconhecido por todos como lima praga - pelo tempo que se perde, pelo stress que provoca, pela poluição que gera, pela paisagem que deturpa - mas, estranhamente, a maioria atribui a este mal características de inelutabilidade e impersonalidade, como se se tratasse de uma força da natureza pertencente à mesma categoria do mau tempo. Por outro lado, os eventos ocorridos nos últimos vinte anos não eram muito difíceis de prever, nem seria muito mais difícil prescrever remédios apropriados. Isto não foi feito e - por exemplo, em Roma e em Nova York - tomou-se implícita e cegamente a decisão de se destinar as vias urbanas muito mais para conter veículos parados do que para fazer com que autos em movimento circulassem por elas. Não é difícil fixar um rápido cálculo para determinar qual o custo do emprego de uma parte de rua de cidade considerada como garagem: somando-se os custos de pavimentação e manutenção, e acrescentando-se a isso o lucro cessante devido à impossibilidade de fazer fluir por esta parte, ocupada por carros estacionados, uma corrente de tráfego, temos como resultado que, o custo de um lugar ocupado por um automóvel no asfalto da rua equivale hoje, em média, à imobilização de um capital de setenta milhões de liras. Tal investimento é claramente desproporcional às vantagens que se logrará: além disso, deve-se notar que em tais cálculos não entra quem utiliza tais vantagens.

A lista das coisas que foram deixadas de lado e que aconteceram depois, sem que fosse tomada qualquer decisão consciente e de peso para prescrever providências ou para que se alcançasse uma situação aceitável, é muito longa, e todas as escolhas são implícitas e não evitaram os males contemporâneos. O número dos automóveis em circulação dobra, na Itália, a cada quatro anos, e nos Estados Unidos da América, que está mais próximo da saturação, a cerca de cada quinze anos, mas enquanto os parques de veículos se agigantavam, os planificadores ficavam esperando que, de algum modo, tudo acabaria bem melhor. Em Roma se falou muito do metropolitano, porém foram ridiculamente lentas e ineficazes as atividades de projeto e, de construção para recuperar o atraso de quase meio século em comparação com outras capitais européias. Nos Estados Unidos da América, durante cerca de sessenta anos, não se projetou nem construiu nenhum novo sistema de trânsito urbano de massas: o primeiro, após este longuíssimo lapso de tempo, é o BART (Bay Area Rapid Transit; System), projetado para São Francisco e para a área da baía circunvizinha, de 1951 a 1967, e que se, espera entrará em serviço, pelo menos em parte, em 1971.

Nos Estados Unidos, a taxa de crescimento anual do número de veículos em circulação continua a diminuir e esta será uma circunstância favorável, especialmente, se comparada com outro fator, o de que nos EUA as auto-estradas interurbanas e urbanas desenvolveram-se de maneira excepcional. Mas, neste ponto, cabem duas observações. A primeira e que a relação custo/benefício relativa a uma nova auto-estrada norte-americana parece sensivelmente mais desfavorável do que a relativa à extensão e melhoramento dos sistemas de transporte coletivo, onde a decisão de incrementar as auto-estradas, além de certos limites, não parece a mais razoável. A segunda consideração é que os sistemas de auto-estradas, muito complexos e ricos de percursos paralelos, conexões e entroncamentos, tornam-se dificilmente usaveis por quem não os conheça perfeitamente, malgrado os esforços de tornar a sinalização a mais fácil possível. Sabemos muito bem, na Itália, que se nos enganarmos numa saída da Auto-Estrada do Sol, alongaremos nosso percurso total em algumas dezenas de quilômetros. Entretanto, na auto-estrada do Sol o problema é simples: trata-se de recordar o nome de uma estação ou a sua distância progressiva e prestar atenção suficiente para identificar um ponto sobre uma linha reta. Nos Estados Unidos, por sua vez, para seguir corretamente certo percurso de distância média nas proximidades de uma grande cidade, exige-se a memorização de posições de uma dúzia de pontos de desvios e um único erro pode dobrar ou triplicar o percurso projetado.

Para ajudar os automobilistas americanos, o Department of Transportation concebeu um sistema de instrumentos do futuro: o ERGS (Electronic Route Guidance System ou sistema eletrônico de guia de escolha de percursos). No sistema ERGS, o veículo leva a bordo um aparelho transmissor automático, no qual, no início de cada viagem, o motorista impõe manualmente o código convencional da localidade para a qual se dirige. O veículo transmite automática e continuamente o código de seu destino e, quando passa sobre uma espiral colocada em cima da pavimentação da estrada, o código é transmitido e enviado a um computador central em tempo real, o qual - enquanto o veículo ainda está transitando sobre a espiral - determina qual deva ser a próxima manobra do carro e retransmite, através da espiral, para o receptor de bordo, um sinal que acende um indicador direcional luminoso. O motorista é, assim, informado acerca da manobra a realizar na próxima bifurcação: seguir em frente, tomar a direita ou a esquerda, e sendo guiado em cada um dos pontos de escolha que encontra pode atingir sem problemas seu destino.

O custo do sistema ERGS é muito alto: supondo-se que possa ser produzido em série, somente o transmissor de bordo custará algumas dezenas de milhares de liras. O Department of Transportation decidira experimentar um sistema reduzido a algumas centenas de bifurcações e desvios e para poucas dezenas de veículos, mas, recentemente, também a realização do sistema reduzido foi adiada indefinidamente por falta de fundos.

O problema não seria tão grave, se fosse apenas a falta de dinheiro que retardasse ou bloqueasse as inovações futurísticas. Grave também é a falta de dinheiro para os trabalhadores e os sistemas mais corriqueiros ("de manual"). E não me refiro aqui a casos singulares e excepcionais, como o da cidade de Turim (onde há 35 anos não se constrói nenhuma passagem subterrânea), mas à situação insatisfatória de cada metrópole.

Já desde a Primeira Guerra Mundial, os congestionamentos do tráfego nos Estados Unidos da América tinham tomado proporções preocupantes e as esperas nos cruzamentos já se tornavam muito longas. Para diminuir esta perda de tempo, Harry Haw inventou, em 1927, os sistemas semafóricos comandados, a tempos variáveis, pelo próprio tráfego, e começou a instalá-los no Connecticut.

Os semáforos que comandam o tráfego contam automaticamente, por meio do elementos sensíveis chamados roladores, o número de veículos que surgem num cruzamento, de cada via do tráfego, e alongam ou diminuem o tempo do sinal verde destinado a cada fluxo, proporcionalmente à sua importância numérica. Quando, numa via que leva a um cruzamento, não aparecem veículos, o sinal verde não surge para este fluxo, o que constitui uma vantagem para as outras correntes do tráfego que não são paradas inutilmente, como acontecia com os semáforos de tempo fixo. As vantagens conseguidas com os semáforos que comandam o tráfego são intuitivamente óbvias e também estão documentadas em estudos teóricos e de relevantes usos comparativos. Não obstante tudo isso, os semáforos que dirigem o tráfego somente começaram a ser usados na Itália em 1962, ou seja, com 35 anos de atraso. E a culpa deste retardo, e da lentidão com que estes sistemas modernos se difundiram na Itália, pode ser atribuída à divergência tecnológica. Por seu turno, na própria América, onde foram inventados, os semáforos que comandam o tráfego são empregados, ainda hoje, em pouco mais de trinta por cento dos casos. Por fidelidade à tradição, e por cálculos errados de economia, dois terços dos novos semáforos que se instalam todos os anos nos Estados Unidos ainda são controlados por aparelhos de tempo fixo. E este é apenas um exemplo de como são tolamente rejeitadas vantagens sensíveis (avaliadas aproximadamente entre 10 e 30 por cento de diminuição dos tempos de percurso médio), que se poderiam obter com meios simples e seguros e com uma relação custo/beneficio muito favorável.

No campo do tráfego urbano de veículos, quase todos aqueles que vivem na cidade, particularmente se dirigem automóvel há certo tempo, possuem curiosas e práticas sugestões e soluções finais gratuitas para todos os problemas que afligem a cidade, e especialmente para os problemas relativos ao congestionamento. Estas soluções são, muitas vezes, acatadas somente porque aquele que a propõe tem uma posição importante e provoca, deste modo, decisões forçosamente adotadas. Já vimos que uma decisão muito importante a de utilizar as ruas para conter veículos parados, em lugar de usá-las para veículos que andam - é tomada quase sempre do modo tácito, implícito, passivo. Outras soluções mais radicais - e, entretanto, pouco divulgadas - são apresentadas e repetidas tão freqüentemente de modo a conservar o que, em muitos casos, será aplicado, na prática, com força de lei. Estas soluções possuem em comum uma redução dos níveis de serviço, ou melhor, um racionamento obrigatório da capacidade de serviço existente, que deveria atingir o objetivo de tornar aceitáveis as condições de tráfego - pelo menos para os poucos que ficam em circulação.

A interdição total dos centros urbanos para os veículos individuais e Particulares é identificada freqüentemente, com a solução final do problema. Com efeito, isto equivale a uma redução das dimensões do problema, pelo menos em uma ordem de grandeza, na hipótese de que nenhum outro procedimento sistemático possa servir para dirigir os sistemas existentes, dada a sua atual situação, e tendo em vista as tendências atuais do desenvolvimento posterior. Em inglês se diz que esta solução equivale a "Jogar fora a criança junto com a água do banho". Poder-se-ão esperar resultados semelhantes com a proibição de construir novas viaturas ou sujeitando a produção automobilística a cotas-limite. Mas estas soluções alternativas não são apresentadas por ninguém, talvez por seu absurdo, ou pelo suposto ou real poder dos produtores de automóveis.

Por outro lado, ainda se aplicam com certo sucesso, proibições de estacionamento em áreas urbanas centrais, durante algumas horas cruciais do dia. Estes procedimentos confirmam que um dos maiores fatores de congestionamento urbano é a presença de muitos veículos parados nas ruas. É, entretanto, errada a solução de eliminar indiscriminadamente estes veículos parados, em lugar de construir estacionamentos fora das vias de circulação. Em Madri, Paris, Londres e em muitas cidades alemãs e suíças, a construção de numerosos estacionamentos subterrâneos serviu para dar fluidez ao tráfego nas vias urbanas sem tolher brutalmente a circulação da maioria dos usuários particulares. Não é verdadeira a afirmação do que os novos estacionamentos fora das ruas agravam os problemas existentes por um aumento de demanda, devido à sua disponibilidade: as vantagens que se obtêm liberando as ruas são maiores do que as presumidas desvantagens pelo aumento do número de veículos. Em conclusão, consegue-se, deste modo, oferecer um serviço melhor - um maior número de usuários.

Mas, a finalidade das considerações precedentes é apenas de demonstrar, incidentalmente, que, para o tráfego de veículos, existem soluções sistemáticas vitais. Mais relevante é a constatação de que, atualmente, os sistemas de transporte urbano não são otimistas, mas criados de modo casual e esta sua tendência de desenvolvimento continua a prevalecer, não havendo nenhum sintoma de uma iminente administração mais racional das vias de comunicação das cidades. Em quase todos os grandes centros urbanos, a engenharia de sistemas não tem vez: todas as decisões são tornadas, na esperança de que seja criado um número mínimo de oposições a curto prazo, e esta não é a única justificativa.

A ignorância dos termos numéricos do problema é evidente também nas expressões mais banais da vontade dos legisladores. Por exemplo, a proibição de estacionamento em fila dupla - contravenção algumas vezes chamada de "obstrução da circulação" - vale, quase sempre, na Itália, uma multa de três mil liras. Mas este valor de multa não leva em conta e não compensa o fato de que um veículo que faz fila dupla, obstruindo uma pista de tráfego, causa prejuízos muito maiores aos outros usuários da via de circulação que, em média nas grandes metrópoles, gastam de dez a trinta mil liras Por hora. Esta circunstância, obviamente, não pesa em nada se considerarmos que o aumento da multa para trinta mil liras seria muito impopular.

Ao nível da estruturação dos sistemas de controle do tráfego, a ignorância não é menor. Os jornalistas ridicularizam a proliferação indiscriminada dos semáforos nas cidades italianas e contribuem para manter situações em que, por falta de controle, criam-se engarrafamentos em cruzamentos a que convergem apenas uma dezena de automóveis Afirma-se nos Estados Unidos que o número mais apropriado de cruzamentos sinalizados em uma área urbana seja dado, aproximadamente, dividindo-se por mil o número de habitantes naquela área. Na Europa, e na Itália em particular, os índices de sinalização são muito mais baixos e num nível tecnológico muito mais atrasado, que garante a segurança se o tráfego é escasso mas se torna inadequado para permitir um fluxo ordenado, veloz e sem perda de tempo, se o tráfego é intenso. Citemos alguns dados de 1970: Turim: um cruzamento sinalizado para cada 4.500 habitantes Milão: um cruzamento sinalizado para cada 6.300 habitantes Gênova: um cruzamento sinalizado para cada 6.950 habitantes Roma: um cruzamento sinalizado para cada 7.000 habitantes Paris: um cruzamento sinalizado para cada 9.500 habitantes

Acontece, porém, estranhamente, que esta grave falta de racionalização não exerce seu influxo deletério com a continuidade e com as tristes conseqüências que poderiam ser esperadas. Todos já lemos algumas dezenas de artigos de jornais que anunciam: "A Cidade Explode" - "O Fluxo de Aço se Congela nas Ruas da Cidade" - "O Tráfego Automobilístico na Cidade É Mais Lento do que as Carroças de Cavalos". Na grande maioria dos dias do ano, atravessar nossas cidades requer, hoje, quase exatamente o mesmo tempo requerido há dez anos atrás, quando o número de automóveis era muito inferior (na Itália cerca de um quarto do número atual).

Devido à falta total de regulamentação racional e de predisposição de alternativas, nos últimos anos, os que se utilizam de uma via de tráfego encontram-se totalmente abandonados a si mesmos, e reagem do único modo possível, impondo-se uma autodisciplina limitativa. Um número crescente de pessoas tem-se recusado a empregar tempos maiores do que um certo limite para o percurso de seus itinerários habituais e limitam, voluntariamente, o uso do automóvel aos dias de festas. Para diminuir seus tempos de deslocamento nos dias úteis, mudaram de casa, aproximando-se mais do local de trabalho, transformaram seus próprios horários habituais, passaram a utilizar-se dos transportes coletivos ou passaram a deslocar-se a pé: alguns passaram a utilizar-se de bicicletas ou de motonetas. Por conseguinte, o volume de tráfego efetivo nos centros urbanos, nos dias úteis, é pouco diferente do de cinco ou dez anos atrás, e em cerca de 35 minutos pode-se percorrer dez ou doze quilômetros ao centro de Roma, Milão, Turim ou Paris - salvo exceções. O sintoma que causa mais preocupação é, porém, que as exceções se tornam cada vez mais freqüentes. Há dez anos atrás, poderia ocorrer uma vez em cada seis meses que se levasse, num determinado percurso, um tempo duas vezes maior do que o normal. Há cinco anos atrás, o mesmo evento ocorria uma vez por mês e agora acontece uma vez a cada duas semanas, ao passo que uma vez a cada seis meses se verifica que se leva mais de três horas para se andar quatro ou cinco quilômetros na cidade.

Cada vez que algumas dezenas ou algumas centenas de milhares de pessoas sofrem atrasos superiores a uma hora em seus percursos habituais, suas reações de aborrecimento ou de medo são muito grandes. Nos dias seguintes ao do engarrafamento de tráfego, de dimensões muito grandes, vêem-se em tráfego pouquíssimos autos e os tempos de trânsito diminuem bruscamente a valores trinta ou quarenta por cento inferiores aos normais. Depois, gradualmente, a lembrança do choque se atenua e, em cerca de uma semana, o volume de tráfego torna a crescer e com isto se alongam os tempos de percurso. Sobre o altiplano quase horizontal que representa os tempos de trânsito normal, encontram-se, cada vez mais freqüentemente, picos correspondentes a tempos de trânsito anormalmente longos: a altura destes picos torna-se maior com o passar dos anos. Cada pico é seguido por um vale dos tempos de trajeto menor - correspondente ao aparecimento em cena dos muitos automobilistas em estado de choque - que tem a primeira parede de inclinação muito acentuada e que sobe depois, de modo mais suave, até alcançar de novo o planalto.

Não é difícil entender por que as coisas acontecem deste modo. O efeito da lenta autolimitação - a longo prazo no emprego dos veículos particulares e o de fazer aumentar continuamente o número dos automobilistas que devem entrar em circulação quase ao mesmo tempo, mas que, com efeito, permanecem parados a maior parte do tempo. Nenhuma lei, nenhuma autoridade dirige a inércia ou o movimento desta loja - muito grande - de veículos quase sempre inúteis. Seu grande número e a absoluta arbitrariedade de seus proprietários tornam o fenômeno totalmente casual. Quanto mais crescem as dimensões deste autoestacionamento potencial, mais cresce a probabilidade de que, imprevisivelmente, em um dia qualquer, numa via de tráfego haja tantos carros que provoquem um grande engarrafamento. Este aumento de probabilidade se manifesta com um aumento da freqüência dos grandes engarrafamentos e com um aumento de sua gravidade.

Este tipo de fenômeno é fortemente influenciado pela experiência dos homens que concorrem para que ele surja. Também num país de motorização antiga, como os Estados Unidos da América, há vinte anos - quando o parque automobilístico norte-americano não atingira ainda cinqüenta milhões de veículos - ocorreram congestionamentos que duraram dois ou três dias, tendo os helicópteros da polícia levado alimentos para as crianças das famílias bloqueadas. Hoje, quando há na América cerca de cem milhões de autos, congestionamentos tão graves não ocorrem - não tanto porque há mais auto-estradas, mas porque grande maioria dos usuários aprendeu a evitar aqueles riscos.

Na Itália, nunca ocorreram bloqueios tão graves, e a unidade de medida do tempo de congestionamento é ainda a hora e não o dia. Seja na Europa, seja nos Estados Unidos, porém, está-se criando uma injustificada e implícita confiança de que o congestionamento urbano e nas estradas não é uma tragédia, mas apenas um aborrecimento. E esta confiança, aliada ao aumento ininterrupto de número de veículos em disposição, está preparando engarrafamentos monstruosos, que poderão ocorrer sem nenhuma razão particular, excetuando-se acontecimentos incidentais de um dia de chuva ou de greve dos meios de transporte público, quando muitos automobilistas querem sair todos juntos para a rua. Neste momento, cada quilômetro de via urbana conterá duzentos automóveis e sua velocidade será rigorosamente nula. os cruzamentos e as praças ficarão inextricáveis e muitos abandonarão seus inúteis carros parados, fechando-os à chave para manifestar a própria vã irritação. O bloqueio do tráfego durará muitos dias; talvez semanas. O terrível emaranhado poderá ser partido nas suas orlas por poucos guindastes ou pelos esforços de raros voluntários. A volta à normalidade será lentíssima.

Esta catástrofe poderá ocorrer a qualquer momento e as suas conseqüências secundárias serão: impossibilidade de locomoção para os bombeiros, para os médicos e para a polícia e, sobretudo, impossibilidade de transportar e distribuir alimentos a grande número de pessoas. Devem-se levar em conta também os efeitos das descargas de gás de centenas de milhares de autos parados com os motores ligados, durante as horas em que ainda não se perdeu a esperança de voltar para casa pelas próprias rodas.

Os eventos que descrevi bem poderão ser o elemento desencadeador da hecatombe que assinalará o início das mais graves degradações que conduzirão à Idade Média e à morte das metrópoles, os fenômenos de congestionamento - do tipo mais usual e menos grave do que o dos exterminadores acima acenados - podem ser descritos, estudados e previstos por meio de expressões matemáticas. As mesmas relações matemáticas se aplicam, por exemplo, ao congestionamento das conversações e das demandas de, serviço nas linhas telefônicas. Examinei primeiramente o congestionamento do tráfego de veículos porque é muito mais perigoso do que o telefônico. Por outro lado, quem inicia a discagem de um número de telefone e não chega a completá-lo, pode facilmente sair do sistema simplesmente repondo o fone. Quem, entretanto, se encontra num engarrafamento de trânsito dentro das toneladas de aço de seu auto, o máximo que pode fazer é abandonar sua viatura e seguir a pé, mas não conseguirá, com meios simples, sair da confusão em que se encontra. Também a interferência indébita no caso dos telefones pode ser aborrecida e indiscreta se as duas conversações são transmitidas na mesma linha. No caso da circulação de veículos, contudo, se dois autos tentarem ocupar, simultaneamente, a mesma posição no espaço, é claro que sofrerão deformações permanentes e eventualmente também poderão sofrer deformações permanentes ou ferimentos os ocupantes dessas viaturas.

As coisas se agravam ainda mais se considerarmos o tráfego aéreo. Os aviões não somente não podem ser tirados de um espaço congestionado com meios simples e de modo instantâneo, como também não podem ficar indefinidamente na situação de congestionamento no ar: se não conseguirem aterrar antes do término de sua autonomia de vôo, cairão por terra. Esta eventualidade, porém, pode ser obviamente evitada, uma vez que não há noticia, até agora, de que um avião tenha caído por falta de combustível, depois de ter retardado a aterragem, em virtude do congestionamento dos corredores aéreos. Os controladores do tráfego aéreo mantêm sempre amplos coeficientes de, segurança, e preferem não dar ordem de partida aos aviões que podem superlotar, de maneira inadmissível, o espaço sobre o aeroporto de chegada. Para manter estas situações de segurança tem acontecido, contudo, que os aeroplanos mantidos no solo com os reatores acesos, à espera da partida, consomem todo o combustível e têm de voltar a reabastecer-se para depois se colocaram de novo na fila a fim de aguardar a liberação da pista de decolagem.

O congestionamento dos aviões ocorre ou nos espaços aéreos, ou mais propriamente nos corredores aéreos preparados para os diversos percursos, ou em terra: nas pistas de decolagem e de aterragem, nas pistas de interconexão e de distribuição e nos estacionamentos terminais. No entanto, o congestionamento dos aviões em vôo tem relação direta com os sistemas de controle que funcionam próximos de seus limites máximos e que, por isso mesmo, tornam mais inseguras as condições de vôo, como é demonstrado pelo crescente número de near miss, ou colisões em vôo evitadas por um fio. O congestionamento do espaço aéreo implica também em enormes atrasos nas aterragens, pois é necessário separar a tempo os aviões que os sistemas de controle só conseguem separar insuficientemente no espaço.

O congestionamento em terra, nos aeroportos, aumenta os atrasos sofridos antes das aterragens, também já retardadas por causa da espera nas pistas: por seu turno, cada aeroplano só lentamente se consegue livrar das intrincadas e desordenadas correntes de tráfego nas pistas e nos estacionamentos. O problema é tão sério que a Port of New York Authority, em junho de 1970, destinou quatrocentos mil dólares ao projeto do sistema STRACS (Surface Traffic Control System, ou sistema de controle do tráfego na superfície), que será desenvolvido pelo Transportation Systems Center da LFE Corporation. O sistema STRACS registrará, por meio de reveladores, a presença e a passagem de aviões pelos aeroportos e poderá segui-los e controlar-lhes o percurso, parando-os mediante sinais luminosos, antes dos pontos de: intercessão, com a trajetória de outros aeroplanos em terra, ou de veículos de serviço, ou de emergência, e dirigindo a prioridade de passagem de modo a minimizar os tempos totais de trânsito. Em outras palavras: também para os aviões em terra são necessários semáforos.

Não menos necessários são os controles dos aviões em vôo, e já está sendo empregado em certa escala o sistema ARTS (Automated Radar Terminal System ou Sistema Automático de Radar de Aeroportos), que permite aos controladores do tráfego identificar as manchas luminosas de qualquer avião na tela (porque são automaticamente associadas a indicação luminosa do número de vôo) e calcular também a que altitude se encontram os aparelhos (também está indicada explicitamente na tela, em números).

Mas, os sistemas automáticos de controle não podem remediar indefinidamente o equilíbrio entre o crescimento contínuo do tráfego aéreo e das dimensões dos aviões, e a falta de aeroportos e de estruturas aeroportuárias. Nos Estados Unidos, calcula-se que, de 1970 a 1980, será necessário construir mais de oitocentos novos aeroportos com uma despesa de cerca de um bilhão de dólares. Será necessário também ampliar os aeroportos existentes - mas não é difícil prever que tanto as novas construções quanto os melhoramentos das estruturas atuais serão levados a cabo lentamente e já chegam muito tarde.

J. H. Shaffer, Administrador da Federal Aviation Agency, afirmou brutalmente que de 1970 a 1980 o caos nos aeroportos e nos sistemas de transporte aéreo será inevitável, porque o tempo técnico necessário para modificar de modo sensível a situação existente é da ordem de decênio. Neste ponto, deve-se observar que, por mais pessimista que pareça uma previsão a médio ou longo prazo, feita por um administrador, na maioria dos casos os fatos se encarregam de demonstrar que a tal previsão era até muito otimista, no fim de tudo. No caso dos transportes aéreos, uma posterior agravante é representada pelo fato de que os aviões se tornam cada vez mais barulhentos: os aparelhos a jato são mais barulhentos do que, os de hélice, e os supersônicos comerciais serão ainda mais barulhentos do que os atuais a jato. Por conseguinte, os habitantes das zonas onde serão projetados novos aeroportos, ou aquelas que compreendem ampliações dos aeroportos existentes, opor-se-ão a estas novas obras para salvaguardar a relativa quietude de suas casas e conseguirão, senão impedir, pelo menos retardar o início dos trabalhos.

Como em tantos outros casos, as vantagens a breve prazo das novas invenções técnicas e das novas máquinas - neste caso, os aeroplanos - não apresentam problemas maiores no período inicial de disponibilidade; quando, porém, estas inovações são usadas por um número de pessoas que cresce exponencialmente, a dificuldade congestiva a médio e longo prazo se faz sentir com todo o seu peso. A gravidade do problema sistêmico, no que tange aos transportes aéreos, pode ser argüida recordando-se que o número máximo de aviões que se encontram simultaneamente em vôo sobre os Estados Unidos é hoje de cerca de quatorze mil, e que a maior parte deles não é controlada de terra nem segue regras de vôo instrumental, mas voam apenas sob controle visual do piloto.

É interessante examinar as previsões para o período 1968-1993, feitas por William W. Seifert, Diretor do Project Transport do Massachusetts Institute of Technology, era um memorial apresentado em maio de 1968 a um seminário do Institute, of Electrical and Electronics Engineers. Seifert prevê que em 1993 a população dos Estados Unidos será de trezentos milhões de pessoas (contra os duzentos milhões atuais) e que o número de automóveis crescerá dos cem milhões atuais para duzentos milhões. Nestas condições, as previsões do especialista americano são de que os problemas do tráfego urbano serão resolvidos - mediante a separação em vários níveis do tráfego de pedestres, do automobilístico e dos estacionamentos - somente nas poucas cidades de construção inteiramente nova, enquanto nas cidades já existentes, malgrado a construção de numerosos sistemas de trânsito rápido sobre trilhos, o congestionamento do tráfego se tornará um estado permanente - com velocidade média de doze quilômetros por hora e com freqüentíssimos bloqueios totais do tráfego durante horas. A grande e única inovação, no que tange ao tráfego de autos, será das auto-estradas automatizadas, nas quais os veículos não serão mais guiados manualmente, mas dirigidos automaticamente por aparelhos eletrônicos instalados a bordo, através de sinais emitidos por um cabo subterrâneo ao longo da própria estrada. As linhas aéreas - ainda segundo Seifert - transportarão setecentos milhões de passageiros por ano (contra os 130 milhões do ano de 1968). Os numerosos pequenos aeroportos, de nova construção, serão reservados aos aviões de decolagem vertical (VTOL) e àqueles que possam decolar e aterrar em poucas dezenas de metros (STOL). As ferrovias convencionais serão totalmente abandonadas e substituídas por pequenos vagões dirigidos automaticamente, andando sobre colchões de ar em lugar de trilhos, e movidos por motores elétricos lineares de indução.

Afirmo que estas previsões de Seifert são totalmente irreais e privadas do mais elementar bom-senso. Assim, não se pode imaginar que o tráfego nas vias de transporte possa deteriorar-se lentamente até assumir características claramente inaceitáveis. Os fenômenos de degradação poderãoser apenas repentinos e brutais e conduzir a uma mudança radical da situação, tendo-se em vista que qualquer tipo de transporte que reduza a própria eficiência abaixo de um certo nível - por mais baixo que se possa admiti-lo - será necessariamente abandonado por grande número de usuários até deixar no sistema um número de pessoas convenientemente exíguo para as quais o serviço será nitidamente melhor. Os usuários que deixaram o sistema (supondo-se que tal sistema ainda perdure) terão de aceitar uma diminuição drástica de sua mobilidade e provavelmente, com isso, um rebaixamento muito sensível de seu padrão de vida.

O próprio fato de que uma voz autoritária, proveniente de um dos mais avançados e sérios institutos de pesquisa do mundo, proponha uma solução complicada para o problema relativamente mais simples do regulamento do tráfego nas auto-estradas, enquanto sustenta que não há solução para o tráfego urbano, mostra o quanto é alta a probabilidade de que nos próximos anos - ou nos próximos decênios - não sejam encontradas soluções eficazes. Igualmente insatisfatória é a impressão que se tem ao ler as visões futurísticas de Seifert, porque se baseiam sobre simples dados técnicos, como os trens velocíssimos sobre colchões de ar ou como os aviões VTOL ou STOL, e não em soluções sistêmicas integradas e globais. Como muitos outros, Seifert dá as fórmulas verbais justas ("... é preciso começar a considerar inteiramente o problema dos transportes como um sistema, e necessário se torna que comecemos a nos dirigir para o desenvolvimento de um grupo interconexo de sistemas de transportes, cada um dos quais satisfaça aquela parte da demanda total para que é planejado, sendo conveniente interferir nos outros sistemas parciais"), mas não consegue enchê-las com o conteúdo dos projetos adequados. Enquanto as coisas andarem assim - e não há sinais de mudança - a instabilidade dos sistemas de transportes continuará a crescer e o perigo representado por sua paralisação se tornará cada vez mais grave e mortal.