I - Quando atingimos o joelho

Imagine que o leitor esteja dirigindo um enorme caminhão por uma estrada de subida. A rampa aumenta e torna-se necessário passar à marcha de força. Depois de haver engrenado a primeira, o motor continua a ser exigido: o aclive se acentua mais ainda. O trabalho é árduo, mas o motor é muito potente e parece não haver risco de falha. Entretanto, o capô do motor aparece cada vez mais no nosso campo visual e parece que está se aproximando da vertical. A subida continua a aumentar. Não se pode pensar em voltar atrás e não se pode prever quando a estrada ficará plana. O problema é saber se o caminhão capotará antes disto ou não.

Este fato se assemelha ao comportamento de todas as curvas que representam a variação no tempo de qualquer número que mede um aspecto da nossa civilização. Tudo cresce, tudo aumenta e, a cada ano, a velocidade deste aumento é maior.

A população do mundo era de oitocentos milhões em 1750, de um bilhão e duzentos milhões em 1850, de dois bilhões e quatrocentos milhões em 1950 e hoje ultrapassa a casa dos três bilhões.

A velocidade máxima dos meios de transporte era de sessenta quilômetros por hora em 1850, de 160 em 1900, de 1600 em 1950 e agora os astronautas viajam a velocidades em torno de quarenta mil quilômetros por hora. O número de automóveis em circulação na Itália dobra a cada quatro anos.

Do mesmo modo aumenta, segundo leis semelhantes, a extensão das estradas, o número de telefones, de comunicações telefônicas, de viagens aéreas, de livros que se editam a cada ano, o número de elementos de qualquer classe de objeto ou de atividade.

Todas estas medidas têm, portanto, um caráter de crescimento contínuo e exponencial, e suas variações obedecem a uma lei matemática bem conhecida: a dos fenômenos de crescimento em presença de fatores limitativos. Inicialmente, os fatores limitativos quase não fazem sentir seu efeito, mas, a partir de um dado momento, começam a ter ação preponderante. Passam a ocorrer, então, fenômenos de saturação e a curva apresenta um "joelho". Deste modo, o aumento da subida da curva se reduz cada vez mais, e depois, a subida começa a diminuir até um ponto em que não há mais crescimento. A medida do fenômeno considerado torna-se constante e a curva que a representa é uma reta horizontal. Terminou a subida. Chegamos a um planalto.

Da mesma maneira que um caminhão, que segue por uma estrada cada vez mais íngreme, e corre o risco de capotar antes de chegar ao planalto, a curva abordada acima não é menos dramática. Na verdade, nem sempre na natureza as coisas ocorrem de maneira assim moderada. Frequentemente, o efeito dos fatores limitativos não se faz sentir de maneira gradual, mas surge de imprevisto e, em lugar de um joelho arredondado, o que ocorre são oscilações turbulentas acompanhadas de fenômenos desorganizados e destrutivos.

A probabilidade de que ocorram variações rápidas, violentas e incômodas é assim muito maior do que a correspondente à hipótese de que cada transição se verifica de modo gradual, lento e suportável. É melhor que se esforce no sentido de prever as graves conseqüências da primeira hipótese - a mais provável - aceitando o ponto de vista de R. Lewinsohn de que todos nós somos profetas, não tanto porque decidamos sê-lo, mas por absoluta necessidade.

A propósito, é curioso notar como este tipo de pesquisa se encaminha para conseqüências extremas e, como é óbvio, não é muito popular. Isto se relaciona com o fato de que cada um de nós, que vivemos em uma sociedade desenvolvida, é testemunha, durante toda a vida, de crescimentos e auMentos de densidade (de homens, casas, máquinas, etc.) e não se consegue imaginar situações diversas, como de paralisação ou contração. Cada fenômeno de afrouxamento, de recessão, de crise, é implicitamente considerado como passageiro e o mesmo termo "conjuntura" que originariamente se usava para definir o período no qual as colheitas do ano precedente estavam terminando, enquanto as novas ainda não tinham sido feitas, indica como estes fenômenos de afrouxamento podem se conservar anormais e, transitórios. E, com efeito, a apreciação dos dados e das experiências dos últimos 150 anos está de acordo com ponto de vista e leva a concluir que os planificadores são muito conservadores e prevêem crescimentos e aumentos em medida insuficiente. Esta conclusão é substancialmente correta. Tradicionalmente, os projetistas e os engenheiros estão atrasados em relação à evolução da realidade em que operam e, assim, projetam estradas, linhas telefônicas, casas, para satisfazer exigências que existiam dez anos antes da redação do projeto e não para as exigências de um futuro mais ou menos longinquo.

As exceções são poucas e de destaque. Ocorre-nos, por exemplo, o nome de Pierre Charles L'Enfant, engenheiro do Exército, que planificou e projetou, com grande providência (planned and designed with great foresight) a cidade de Washington, D.C. A capital dos Estados Unidos - concebida no final do século XVIII - funcionou a contento pelo menos durante 150 anos. A obra de L'Enfant foi asperamente criticada no seu tempo: toda vez que alguém se referia a ele era para tachá-lo de subornável e dissipador.

Não basta, todavia, simplesmente, dar-se conta do fato de que as dimensões de certo problema estão aumentando: é preciso também determinar a lei segundo a qual estão crescendo e a que leis obedecerão para crescer em um futuro menos próximo.

Infelizmente, acontece que alguns planificadores menos avisados aplicam princípios de infantil linearidade nos seus cálculos de previsão e, naturalmente, depois se dão conta de que a realidade mudou muito mais depressa do que tinham previsto. Também em níveis mais evoluídos, e quando as leis de crescimento são conhecidas e expressas por meio de simples fórmulas matemáticas, pode ocorrer que os planificadores mais informados adotem expressões empíricas indevidamente simplificadas e cometam, por conseguinte, erros graves.

De tudo o que foi dito, poderá parecer que cada previsão normalmente estará errada, ao contrário do que sustentava a tese inicial, de que, mais cedo ou mais tarde, se chegaria a um joelho de algum tipo. Parece oportuno, portanto, dar uma demonstração da impossibilidade de que as atuais taxas de crescimento se mantenham imutáveis por longo tempo.Tomemos o exemplo da explosão populacional, problema indubitavelmente grave e para o qual, muito freqüentemente, surgem remédios de vários tipos.

Assim, se tomarmos como lei de crescimento do número de homens que compõem a população mundial uma das fórmulas mais modestas e prudentes das que foram sugeridas, esta fórmula leva à conclusão de que, dentro de sua prolongada validade, teremos, dentro de dois mil anos, uma população mundial de 150 bilhões de habitantes, ou seja, quase um homem para cada metro quadrado da superfície terrestre (excluindo-se os mares) e dentro de oito mil anos uma população de 1011 (1 seguido de 23 zeros) de habitantes, com uma densidade de 666 milhões de pessoas por metro quadrado. O absurdo desta segunda situação - se se tivesse necessidade de comprová-la - é confirmado pelo fato de que ela implicaria na igualdade do peso de toda a população terrestre e o peso do globo terrestre (inclusive o pesado núcleo central constituído principalmente, de níquel e ferro). É óbvio que os fatores limitativos entrarão em ação muito antes de se atingir qualquer uma das duas hipotéticas metas citadas.

Um típico exemplo da sensível ação dos fatores limitativos - que levam à saturação - está no crescimento do parque automobilístico nacional de, diversos países. Como já se disse, na Itália o número de automóveis dobra a cada quatro anos nos Estados Unidos da América, por sua vez, o número total de automóveis dobra a cada quinze anos, ou seja, de modo muito mais lento. Isto significa que a curva na América está num ponto mais alto e é menor a inclinação da exponencial, que tende para um valor assintótico constante. Quando a assíntota for alcançada, o número de automóveis crescerá aproximadamente no mesmo ritmo da população total supondo-se, naturalmente, que, neste momento, a população ainda esteja crescendo.

Vejamos agora quais poderão ser os sutis inconvenientes relativos ao alcance doce e gradual do joelho na curva de crescimento da população e das utilidades relativas (habitação, meios de transporte e de comunicação). É bastante plausível que somente agora os projetistas e os engenheiros começaram a projetar e construir visando às necessidades futuras e maiores, em lugar das do passado e mais restritas. Deste modo, deveremos construir obras imponentes orientadas para um futuro que já terá superado o joelho e se encontrará numa fase de aumento decrescente ou estabilidade. Neste momento, o inconveniente será que o equilíbrio da sociedade seja conturbado como conseqüência de um desperdício dos recursos disponíveis empregados para construir obras e fornecer serviços excessivos relacionados com um pedido não mais crescente.

Certamente, não se pode deixar de considerar que uma situação deste tipo se verifique, aquela que Dickson Carr chamava de maldição inserida nas coisas em geral (the cussedness of things in general). Obviamente, porém, não há nada de trágico nas hipóteses que os projetistas e os planificadores lançam na perseguição do crescimento velocíssimo do resto da sociedade, empenhando-se de tal maneira neste encalço que se tornam incapazes de parar a tempo, de ultrapassar qualquer razoável obstáculo. Não se dão conta de que também a riqueza pode destruir ou congelar a produção das estruturas, tornando-as hipertróficas e inúteis.

Muito mais interessante a considerar, e muito mais perigosa, é a outra hipótese: a de que as curvas de crescimento dos vários parâmetros que medem a nossa civilização apresentam acentuados overshoot ou andamentos, nos quais o valor assintótico de equilíbrio, para o qual tende a curva, é logo superado de maneira marcante, ocorrendo, depois, uma diminuição dos valores representados na curva, tão íngreme quanto o aumento inicial. Em seguida, um novo aumento que supera novamente o valor de equilíbrio e assim sucessivamente, até que, moderando-se, estas oscilações, o valor de equilíbrio é alcançado. Os fenômenos do overshoot se verificam, como já se referiu, quando os fatores limitativos não exercem a sua ação de modo contínuo e equilibrado e, de início, são superados pelas causas de expansão até um dado momento em que possam exercer uma ação cumulativa e lançar em excesso, de novo, os fatores de expansão. É possível estudar-se matematicamente este tipo de fenômeno, mas tal estudo, porém, não permite melhorar muito a qualidade e a eficácia das nossas previsões, já que uma utilização concreta das fórmulas e dos processos requer a disponibilidade de dados e valores que, com efeito, normalmente falham, e um conhecimento das relações de causalidade entre os fenômenos, conhecimento este certamente muito mais profundo do que o atual.

Não interessa, todavia, determinar o número das alternativas que poderão decorrer da medida dos fenômenos que observamos respectivamente acima e abaixo de seus valores de equilíbrio, nem o período destes fenômenos de oscilação, sobretudo porque estes hipotéticos andamentos têm um valor teórico e, na verdade, sabemos que se tornam irreconhecíveis quando se sobrepõem outros fenômenos, no momento não previsíveis, além do fato de que a ação cumulativa dos eventos casuais, em número notável, "encobre" cada curva que se refira às teorias mais próximas da realidade.

A previsão que servirá de base às considerações que seguiremos é que se tenha, pelo menos, um overshoot, ou melhor, que as dimensões dos grandes sistemas cresçam muito além do início de cada equilíbrio duradouro e que devam, depois, necessariamente decrescer de novo a níveis inferiores aos atuais. Deste modo, defino como "Nova Idade Média" o período de tempo que vai do momento em que se atingirá o máximo do overshoot ao momento em que, superado o mínimo, será iniciado um novo período de expansão.

É claro que não pretendo referir-me aqui a uma recessão ou a uma crise, ainda que seja tão grave como a de 1929, mas a fenômenos de importância relativa muito maior. Uma das minhas teses é a de que a proliferação dos grandes sistemas até atingirem dimensões críticas, instáveis e antieconômicas, será seguida por uma deterioração rápida, tanto quanto a expansão precedente, e será acompanhada por numerosos acontecimentos catastróficos. Por conseguinte, serão duas as características principais que deverão ser reconhecidas como sintomas do início da próxima Idade Média: a primeira será uma brusca diminuição da população (seguida por uma posterior contração mais lenta); a segunda será um dilaceramento dos grandes sistemas e sua transformação num grande número de pequenos subsistemas independentes e autárquicos.

A diminuição da população foi uma das características da precedente Idade Média (Roma tinha mais de um milhão de habitantes na época imperial e cerca de trinta mil no ano 1100), que ocorreu na península italiana e em todo o Mediterrâneo, embora alguns historiadores afirmem que isto foi causa e não efeito da Idade Média. Este ponto de vista é discutível. Por seu turno, outros sustentam que a diminuição da produtividade e o abandono da agricultura não dependeram do decréscimo do número absoluto dos habitantes do Império, mas das mudanças na destinação da mão-de-obra e, particularmente, da diminuição da disponibilidade da mão-de-obra servil. É discutível a questão de quais tenham sido as causas e efeitos da queda do Império Romano. Todavia, tal questão não é relevante dentro das considerações que estou fazendo, uma vez que uma causa de retrocesso identificável com uma diminuição da população hoje é certamente assente: a população está crescendo quase em todas as partes do mundo. Por isso mesmo, não obstante os fatos tenham ocorrido no passado, no futuro uma brusca diminuição de população não poderá ser a causa primeira de queda e de retrocesso, mas será efeito do retrocesso e das quedas produzidas por outras causas.

Se postulamos agora apenas que a população mundial decresça efetivamente dentro de! poucos anos, obviamente, como consequência do que afirmamos, os bens de consumo, os bens duráveis e todos os produtos industriais rapidamente se tornarão superabundantes e sem valor. Uma conseqüência posterior será a interrupção de toda atividade de pesquisa e inovação, da concorrência e da emulação. Também a pesquisa científica de base, se não for interrompida, sofrerá uma diminuição e uma estagnação, causadas, entre outros motivos, pela falta dos produtos industriais mais avançados, de organização e de financiamento.

Esta antecipação apocalíptica não pode ter prosseguimento se se procurarem paralelos fáceis entre a Idade Média que terminou há alguns séculos e a próxima. Não procurarei, deste modo, calcular a probabilidade de novas migrações dos povos, identificando gratuitamente os chineses de hoje com os godos, os vândalos ou os hunos. Não vou antecipar um despertar do espírito religioso. Quero apenas mostrar os modos pelos quais os grandes sistemas se formaram e cresceram desmedidamente e que devem ser analisados a fim de se conhecerem as causas de sua deterioração que já se percebe por numerosos indícios.

A observação de que os processos de crescimento e de expansão, atualmente em curso, não poderão prosseguir indefinidamente, é claramente banal. Por outro lado, não creio que seja banal a tentativa de prever quando se atingirá o joelho, e que fenômenos turbulentos poderão ocorrer em correspondência com a passagem de um regime variável para um eventual regime uniforme. Não será possível examinar (ou apenas enumerar) todos os diferentes tipos de. processos através dos quais se poderá passar da situação atual para uma situação estática futura. Limitar-me-ei, portanto, a apresentar adiante, dentro do razoável, a hipótese citada da ocorrência de um único overshoot seguido por uma igual e rápida contração e descida, expondo as conseqüências lógicas até o fim do período que defini como a próxima Idade Média.

As considerações que se seguem não podem ser consideradas como extrapolações estatísticas, numericamente apreciáveis no que diz respeito à probabilidade de sua efetiva ocorrência, mas apenas devem ser apreciadas como intuições ou puramente baseadas em extrapolações de dados numéricos ou corno aquelas que possam contribuir para resolver o problema central da deterioração irreversível dos grandes sistemas.

Naturalmente, o interesse maior da análise das causas de deterioração dos grandes sistemas será o de produzir técnicas, procedimentos e modificações adequados e próprios para evitar outra grave deterioração. Nos capítulos seguintes, dedicados aos problemas particulares dos mencionados grandes sistemas, examinarei a possibilidade de salvação que existe para cada um e procurarei delinear quais as providências indispensáveis para que a situação não degenere, inevitavelmente, para formas instáveis e, assim, para formas degradadas. Certas conclusões já podem ser antecipadas: as de que as soluções necessárias não estão ainda sendo aprestadas, ao passo que as soluções simples são insuficientes e as mais precisas ainda não estão à vista. A fé na engenharia de sistemas está mal colocada e é oportuno começar a pensar, desde já, nos projetos de unidades operativas independentes, aptas a conservarem informações, a sobreviverem à Idade Média e a permitirem um novo Renascimento.