Método de Sakaguchi encobriu fraudes

Salete Silva
Estadão, 10-abr-98, p.B8

Desvio de recursos do Banco Noroeste pode ter passado despercebido pelos ex- controladores.


O sistema contábil usado pelo ex-diretor da Área Internacional do Banco Noroeste, Nelson Sakaguchi, para encobrir o desvio de US$ 242 milhões era simples, fácil de executar e altamente eficiente nos resultados. A simplicidade da operação pode ter levado os ex-controladores e até os auditores encarregados de examinar o balanço do banco a não suspeitar de fraudes nas aplicações, avaliam pessoas envolvidas na investigação do caso.

Sakaguchi utilizou o simples processo contábil de reconciliação. Os lançamentos irregulares tinham uma contrapartida aparentemente correta, mas lançada em data diferente, de forma que sempre ficava alguma coisa pendente. Para quem analisava a contabilidade, a conta estava sempre zerada, apesar da pendência.

Existiam algumas discrepâncias aparentes, mas sempre fáceis de explicar. As fraudes poderiam ser constatadas apenas se fosse utilizada uma data-base para a conferência, ou seja, checar cada lançamento individualmente a partir de um determinado momento. Nesse caso, daria para perceber que as discrepâncias eram grandes. "Porque não usaram a data-base, não sei", diz uma fonte ligada às investigações. O envolvimento ou não de funcionários da Price Waterhouse, empresa que fazia a auditoria do banco, ainda está sendo investigado.

As operações ilícitas, na opinião de uma das pessoas ligadas à investigação, foram constatadas quando o banco espanhol Santander decidiu comprar o Noroeste e contratou especialistas para verificar a situação financeira do banco. Informadas das fraudes, as famílias Cochrane e Simonsen, ex-controladoras, contrataram a Kroll Associates, empresa especializada em investigações financeiras.

Tentativa de acordo -- O rastreamento das contas constatou que todas as fraudes partiram da Área Internacional do banco. Até o dia 27 de março, quatro dias antes de o Noroeste e o Santander fecharem o negócio, os ex-controladores tentaram um acordo com o principal suspeito. O argumento de Sakaguchi, no entanto, era o de que o dinheiro estava aplicado e que voltaria ao País. "Ele está dizendo que o dinheiro vai voltar em um mês", diz o especialista ligado às investigações. "O que ele disse aos ex-controladores é exatamente o que vem saindo na imprensa", acrescenta. Para ele, o financiamento para a construção de um aeroporto da Nigéria é ficção e, na sua opinião, o caso ainda está longe de um desfecho. Segundo a fonte, os investigadores da Kroll estão tentando descobrir agora onde está o dinheiro.

Dificuldades -- A fonte, que vem acompanhando as investigações, disse não ter conhecimento de um desfalque tão grande quanto o do Noroeste. "Foi metade do patrimônío do banco", ressalta. Nem em casos de desvios menores, recorda, recuperou-se a totalidade do dinheiro. "Além da dificuldade de chegar até os US$ 242 milhões, a legislação de cada um dos países para onde o dinheiro foi desviado pode ser um obstáculo."

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Em busca do dinheiro do Noroeste

Valor Econômico, 12-fev-2003

 A Justiça suíça está em vias de retomar a maior parte do desfalque de US$ 190 milhões do Banco Noroeste. Começaram a ser interrogados na última quinta-feira pelo juiz Daniel Devaud, em Genebra, os cidadãos nascidos em Hong Kong e radicados na Nigéria Naresh e Shamdas Asnani, que receberam US$ 120 milhões do total desviado de contas da agência Cayman do Banco Noroeste pelo diretor internacional Nelson Sakaguchi, também preso na Suíça. O dinheiro já havia sido localizado por advogados, mas só agora foram presos os destinatários. Ambos foram detidos em Miami, por uma ordem de prisão expedida pela Justiça suíça, e extraditados para julgamento no país europeu.

A prisão dos Asnani derruba uma das últimas pontas do surpreendente esquema de lavagem de dinheiro descoberto pelas investigações feitas por advogados e detetives contratadas pelas famílias Cochrane e Simonsen, ex-controladoras do Noroeste. O esquema envolve centenas de contas bancárias em nome de empresas e pessoas em locais como Estados Unidos, Nigéria, Suíça, Reino Unido, Hong Kong, Cingapura, Emirados Árabes e paraísos fiscais, como as Ilhas Virgens Britânicas. Três grupos radicados na Nigéria receberam as maiores remessas de dinheiro: Emmanuel Odeinigwe, que está solto, refugiado na Nigéria; Christian Anajemba, assassinado em circunstâncias nebulosas; e os Asnani, presos na Suíça.

Do total de US$ 242 milhões, já foram bloqueados bens e contas bancárias no total de US$ 50 milhões. Por conta da demora dos trâmites burocráticos e processos de venda de bens, o total recuperado até agora pelas famílias Cochrane e Simonsen é de US$ 8 milhões.

O escândalo estourou em 1998, quando o Noroeste foi vendido ao Santander. Durante a auditoria para a compra, o então presidente do Santander no Brasil, Manuel Horta Osório, perguntou sobre o rendimento das aplicações feitas pela agência de Cayman. Na época, Sakaguchi estava de férias e ninguém soube responder. Quando voltou, a auditoria começou a pressioná-lo e descobriu a fraude.

Dos US$ 242 milhões, cerca de US$ 30 milhões seriam juros fictícios de aplicações. Uma parte estimada em US$ 10 milhões foi sacada em espécie. Sakaguchi transferiu US$ 190 milhões que a agência do Noroeste em Cayman tinha nos Estados Unidos em bancos como Chase Manhattan (atual JP Morgan Chase), Bank of New York e Manufacturers Hanover. Segundo o advogado dos Cochrane e Simonsen, Domingos Fernando Refinetti, o dinheiro em Cayman provinha de captações externas de recursos que seriam repassadas a clientes. O volume era alto, segundo Refinetti, porque havia fraca demanda por crédito naquele período.

Além de processos na Suíça, Estados Unidos e Inglaterra, o caso está sob investigação da Polícia Federal brasileira, num inquérito sob sigilo. Sakaguchi estava em liberdade até o ano passado, quando foi preso em Nova York, atraído para um suposto acordo com representantes dos ex-controladores. Os advogados receberam um fax de Kim Uke, nigeriano radicado em Londres que teria apresentado Sakaguchi ao grupo para o qual foi repassado o dinheiro. Pressionado pelas ordens de bloqueio de bens e contas, Uke sugeriu o encontro nos EUA.

Enquanto isso, os advogados já tinham conseguido uma ordem de prisão temporária na Suíça e o pedido de extradição aos Estados Unidos. Assim Sakaguchi foi preso ao desembarcar no aeroporto de Nova York e está há nove meses numa cadeia suíça. " Eu aconselhei meu cliente a não ir, mas ele insistiu " , lamenta o criminalista Alfredo das Neves Filho, que defende o ex-diretor no inquérito da Polícia Federal e está com os honorários atrasados.

Sakaguchi está sendo processado na Suíça, mas não foi condenado. Desde que foi preso, já deu oito depoimentos ao juiz Devaud, trocou de advogados e hoje está com um defensor pago pelo Estado suíço, por falta de condições de custear sua defesa. A primeira versão apresentada pelo ex-diretor é de que o dinheiro foi investido a mando do banco na Nigéria. Na época, Sakaguchi apresentou documentos como um certificado do Banco Central da Nigéria, que peritos afirmam ter sido falsificado e preenchido pelo seu próprio punho. Seu advogado diz que pode impugnar esta avaliação.

Posteriormente, Sakaguchi mudou a versão disse que o dinheiro teria sido transferido cumprindo ordens dos controladores, para evitar o pagamento de Imposto de Renda na venda do Noroeste. O banco foi vendido em 1998 por US$ 500 milhões, mas os Cochrane e Simonsen receberam US$ 258 milhões por conta da fraude. "O argumento dele não faz sentido, porque o desvio de dinheiro começou em 1995, quando nem se pensava em vender o banco", diz o advogado Refinetti.

O grupo de ex-acionistas, liderado por Leo Wallace Cochrane Júnior, ex-presidente, está sofrendo processo da Receita Federal, que entende que deve receber totalidade do imposto relativo à venda do banco por US$ 500 milhões. A intenção dos controladores, segundo Refinetti, é pagar os impostos à medida em que forem recuperando o dinheiro.
Em um de seus últimos depoimentos, Sakaguchi disse que os ex-controladores já teriam recuperado todos os US$ 190 milhões, despachados em dois jatinhos que saíram da Nigéria.

A desconfiança em torno de participação dos controladores no desfalque é um dos principais motivos da cruzada dos Cochrane em busca do dinheiro. Segundo seus advogados, a família está gastando milhões para que fique comprovado que não teve participação. Um dos coordenadores da gigantesca investigação é William Richey, advogado americano que foi chefe da Divisão de Investigação de Corrupção Pública na Flórida, especialista em busca a quadrilhas de lavagem de dinheiro.

É curioso o fato de o autor do desfalque de US$ 190 milhões parecer não ter ficado com praticamente nada. Um dos poucos bens em nome de Sakaguchi é a casa onde mora a família, que sequer tem recursos para ir visitá-lo na Suíça. Os advogados dos ex-controladores levantam a hipótese do ex-diretor ter sido enganado pelos supostos sócios no desfalque, mas duvidam que ele tenha acreditado numa proposta de investimento na Nigéria.

Refinetti, que acompanhou os depoimentos dos Asnani na última quinta-feira, diz que o dinheiro saiu dos EUA e foi inicialmente depositado na Suíça - e não na Nigéria. A história contada pelos Asnani também parece fantasiosa. Ambos (pai e filho) afirmam que não sabiam da origem fraudulenta do dinheiro, recebido em contas no Lloyds Bank (US$ 70 milhões) e no Citibank (US$ 40 milhões) em Genebra. O montante foi transferido pela Stanton Investments, cuja movimentação era controlada por Sakaguchi.

Naresh Asnani afirma que acreditava que a quantia pertencia ao nigeriano Emmanuel Odeiniguwe, e que teria sido obtida como comissão na exportação de produtos petrolíferos. Para obter uma comissão neste valor, entretanto, o total dos produtos exportados teria que ser superior a US$ 10 bilhões.